domingo, 15 de junho de 2025

402ª sessão: dia 17 de Junho (Terça-Feira), às 21h30


“O Som da Terra a Tremer” de Rita Azevedo Gomes, esta terça-feira no Lucky Star- Cineclube de Braga

Para o mês de Junho, o Lucky Star- Cineclube de Braga propõe um ciclo intitulado “Modelo e Corpo: Subversões no Cinema Português”. O ciclo reúne três obras singulares do cinema português: Relação Fiel e Verdadeira (1987), de Margarida Gil, O Som da Terra a Tremer (1990), de Rita Azevedo Gomes, e A Costa dos Murmúrios (2004), de Margarida Cardoso. Três filmes de realizadoras portuguesas que, ao longo de décadas distintas, ousaram interrogar o íntimo e o histórico através de um olhar radicalmente diferente. As sessões deste ciclo ocorrem, como habitualmente, às terças-feiras na biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, às 21h30. 

Esta terça-feira, dia 17 de Junho, o ciclo prossegue com a exibição do filme O Som da Terra a Tremer (1990), de Rita Azevedo Gomes. Este filme é a primeira longa-metragem da cineasta. Inspirado em obras de Gide, Hawthorne, O Som da Terra a Tremer acompanha um escritor solitário (interpretado por José Mário Branco) que, encerrado no seu apartamento, tenta concluir um romance sobre um marinheiro apaixonado. À medida que a escrita avança, as fronteiras entre ficção e realidade desvanecem-se: as personagens ganham corpo, a narrativa transborda e o autor vê-se aprisionado na própria criação. Uma reflexão subtil sobre a solidão e o poder transformador da literatura.

A obra tem um carácter teatral, com cenários minimalistas e uma forte ênfase na linguagem, aproximando-se mais de uma experiência filosófica do que de uma narrativa convencional. O Som da Terra a Tremer mistura literatura, teatro e cinema de uma forma poética. O filme foi nomeado para o prémio de Melhor Longa-Metragem no Festival Internacional de Cinema Jovem de Turim.

Rita Azevedo Gomes nasceu em Lisboa, em 1952 e estudou na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, até à Revolução de 25 de Abril. A cineasta conta com uma importante filmografia, tendo já recebi-do o prémio de carreira no Festival Zinebi – Bilbao (2023). Presente em vários festivais internacionais, foram também nomeados os seus dois últimos filmes A Portuguesa (2018) e O Trio em Mi Bemol (2022) no Festival de Berlim.

As sessões do Lucky Star ocorrem no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva às terças-feiras, às 21h30. A entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da biblioteca e três euros para o público em geral. Os sócios do cineclube têm entrada livre.

Até terça!


quinta-feira, 5 de junho de 2025

Relação Fiel e Verdadeira (1987) de Margarida Gil



por Jessica Sérgio Ferreiro 
 
Entre cartas nunca enviadas, “tremores interiores” e murmúrios coloniais, este ciclo propõe um encontro entre três obras singulares do cinema português: Relação Fiel e Verdadeira (1987), de Margarida Gil, O Som da Terra a Tremer (1990), de Rita Azevedo Gomes, e A Costa dos Murmúrios (2004), de Margarida Cardoso. Realizados por mulheres, mas centrados tanto em sujeitos femininos como masculinos, as cineastas recusam a narrativa linear convencional, preferindo elipses temporais, anacronias várias, analepses ou a metanarrativa. Assim, diluem e moldam o tempo, recriando lugares de memória, espaços e corpos sensíveis, fora do tempo cronológico, para pôr a nu os corpos e seus modelos (o ideal ou a convenção). As três obras fílmicas baseiam-se ainda em “modelos”, ou seja, em várias obras literárias de referência que são reinterpretadas e remoldadas para a imagem em movimento.
 
Entre o íntimo e o político, o real e o imaginário, o tempo e a espera, estas são narrativas feitas de imagens que evocam e, subsequentemente, convocam o espectador. Em Relação Fiel e Verdadeira (1987), Margarida Gil reinventa o epistolar como gesto de clausura e revolta. Em O Som da Terra a Tremer (1990), de Rita Azevedo Gomes, e protagonizado por José Mário Branco, propõe um retrato masculino, filtrado por uma sensibilidade poética e distanciada, onde as personagens femininas estão fora do controlo do protagonista, desmontando o sujeito patriarcal e expondo a sua fragilidade. Já em A Costa dos Murmúrios (2004), Margarida Cardoso convoca o corpo feminino como espaço de memória colonial e trauma silenciado. As realizadoras rejeitam o modelo clássico e abraçam uma linguagem do cinema como escrita sensível da(s) história(s), não como reconstituição factual, mas como manifestação subjectiva, crítica e poética. Rejeitam o olhar dominante que fixa a mulher como objeto ou modelo (e/ou musa) e constroem, em vez disso, um cinema onde o tempo é sensível e a narrativa emerge por fragmentos — como se a própria linguagem tivesse de ser reinventada para dar lugar a outras histórias, outros corpos, outras vozes e, sobretudo, diferentes olhares e diferentes imagens.
 
Nesta primeira sessão do ciclo Modelo e Corpo: Subversões no Cinema Português, apresentamos o filme Relação Fiel e Verdadeira (1987) de Margarida Gil, que se baseia na obra Fiel e verdadeira relação que dá dos sucessos de sua vida a creatura mais ingrata a seu Criador..., escrita por Antónia Margarida de Castelo Branco, que relata os acontecimentos marcantes da sua vida conjugal. Segundo a Direcção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB), Antónia Margarida uniu-se em matrimónio, em 1670, com Brás Teles de Meneses e Faro, um fidalgo boémio e arruinado pelo vício do jogo. Após oito anos de casamento marcados por sucessivos maus-tratos infligidos pelo marido, decidiu recolher-se no Mosteiro de Santos. Em março de 1679, ingressou como noviça no Convento da Madre de Deus de Xabregas, onde professou votos no dia 31 de março de 1680, adoptando o nome de soror Clara do Santíssimo Sacramento. 
 
Margarida Gil pega nesta história do conturbado período pós-Restauração e trá-la para o, não menos agitado, pós 25 de abril, quando as elites são igualmente escrutinadas (ex. quando, no filme, é dito que o pai de Brás contrabandeava diamantes das ex-colónias). Apesar do anacronismo consumado, a estória não se apresenta como anacrónica, pois a realizadora põe à mostra o carácter trans-histórico das categorias “homem” e “mulher”, fixadas ao longo do tempo. A condição da mulher antes do 25 de abril não era muito diferente da de uma mulher do século XVII, nascida para casar e manter-se fiel, ora à casa do pai, ora ao marido. Poucos ou nenhuns direitos detinha, tida como propriedade, podia ser morta sem consequências, como é referido na cena do filme em que Brás pede à Antónia que escreva num papel o seguinte: “Dou licença ao meu marido para que me mate, se ele assim o entender, e que ninguém lhe possa pedir contas da minha vida, porque ma tira com muita razão”. Cena, esta, que alude à lei vigente durante o Estado Novo e até 1975 (artigo 372.º do Código Penal), que “autorizava” o feminicídio e “aligeirava” a pena do cônjuge, condenando apenas ao “desterro para fora da comarca por seis meses ao homem casado que, achando sua mulher em adultério, a matar a ela ou ao adúltero, ou a ambos, ou lhes fizer qualquer ofensa grave (…)” e cujas “provas” da ofensa a apresentar eram irrisórias (ver artº em Diário da Républica).
 
Em suma, a violência de género arquissecular é transporta para a narrativa fílmica por Margarida Gil, como sumarizado pela realizadora à Cinemateca: “O casal é um microcosmo que permite interrogar-nos sobre os limites do amor e da dádiva, do horror e da abjeção, da tortura e do martírio a que alguém pode chegar. Como exprimem as relações de afecto a realidade das relações de poder?”
 
Relação Fiel e Verdadeira é um filme que se aproxima da História como se ela fosse um sonho mal resolvido, em que nunca se sabe o que é verdadeiro, o que foi escrito e o que ficou por dizer. Inspirando-se livremente num testemunho autobiográfico do século XVII, remete-nos também, por aproximação e oposição, para outro relato literário – Cartas Portuguesas (1669) – atribuídas a Soror Mariana Alcoforado e, por sua vez, às Novas Cartas Portuguesas (1972) de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, livro proibido pela censura e cujas autoras foram levadas a tribunal por “atentado ao pudor” e não como mulheres com agência política. Estas obras aventuram-se pelos mistérios do íntimo feminino sem nunca realmente os desvelar, pois remetem-nos sempre para a performance, ou seja, para a escrita, o epistolar e/ou a narrativa criativa. De forma análoga, Margarida Gil rasga o véu da reconstituição factual, o que  interessa não é o passado como documento, mas como fantasma ou como sombra. A câmara não se ocupa de confirmar datas ou rever figurinos, mas procura ecoar os passos de Antónia Margarida, figura trágica e difusa, mas atemporal, mais presença do que personagem.
 
O filme é uma contradição viva: inscreve-se no cinema de época, mas com uma recusa declarada do naturalismo. Carros circulam por entre torres setecentistas e jogos de cartas ocorrem sob luz fluorescente (cena em que é possível ver João César Monteiro e João Bénard da Costa enquanto jogadores de póquer). Há uma liberdade plástica — quase iconoclasta — que rompe com qualquer vontade de “verosimilhança”. Estamos num tempo outro, simultaneamente barroco e contemporâneo, onde a “verdade” não é reconstituída, mas intuída.
 
Margarida Gil explora o silêncio não como ausência, mas como forma de espera. A montagem, descontinuada e por vezes abrupta, lembra-nos que não estamos num fluxo narrativo, mas numa arqueologia subjectiva. Antónia — interpretada por Catarina Alves Costa (também realizadora) — não é apenas uma mulher. É um espaço, uma ruína. Um testemunho gravado a lume lento no corpo de uma atriz que nunca parece representar, apenas habitar.
 
Tal como no diário pessoal, o tempo não é cronológico. Há repetições, avanços bruscos, zonas de sombra. Brás, o marido, mais figura de um “masculino” do que homem, torna-se espelho de uma violência insidiosa, regular e quotidiana. Brás acusa Antónia de ser mentirosa, de não ser verdadeira (apesar de fiel), perplexo frente aos mistérios do feminino e por Antónia nunca revelar o seu íntimo, nunca expressar o que sente ou se realmente o ama ou despreza. O silêncio e o insondável expressam, aqui, a resignação ou a resistência? A “relação” do título é dupla: o relato e o vínculo, e talvez ambos sejam, paradoxalmente, infiéis. Por fim, Margarida Gil mantém-se fiel ao cinema como arte e àquilo que não se pode dizer, deixando para o espectador significar e ressignificar. 
 
 

domingo, 1 de junho de 2025

401ª sessão: dia 3 de Junho (Terça-Feira), às 21h30


“Relação Fiel e Verdadeira” de Margarida Gil, esta terça-feira no Lucky Star- Cineclube de Braga

 
Para o mês de Junho, o Lucky Star- Cineclube de Braga propõe um ciclo intitulado “Modelo e Corpo: Subversões no Cinema Português”. O ciclo reúne três obras singulares do cinema português: Relação Fiel e Verdadeira (1987), de Margarida Gil, O Som da Terra a Tremer (1990), de Rita Azevedo Gomes, e A Costa dos Murmúrios (2004), de Margarida Cardoso. Três filmes de realizadoras portuguesas que, ao longo de décadas distintas, ousaram interrogar o íntimo e o histórico através de um olhar radicalmente diferente. As sessões deste ciclo ocorrem, como habitualmente, às terças-feiras na biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, às 21h30. 

Esta terça-feira, dia 3 de Junho iniciamos o ciclo com Relação Fiel e Verdadeira (1987), de Margarida Gil. O filme é uma adaptação da autobiografia manuscrita de Antónia Margarida de Castelo Branco, intitulada “Fiel e verdadeira relação que dá dos sucessos de sua vida a creatura mais ingrata a seu Criador...”, escrita em 1685. O título “Relação Fiel e Verdadeira” joga com o duplo sentido da palavra “relação”, referindo-se tanto ao relato autobiográfico quanto ao relacionamento conjugal retratado no filme. O filme foi apresentado no Festival Internacional de Cinema de Veneza.

Relação Fiel e Verdadeira retrata o quotidiano opressivo de um casamento entre membros da aristocracia rural do Norte de Portugal. Apesar da violência, num ambiente marcado por estruturas de poder patriarcal, a protagonista, submissa e lacerada entre dever e desejo, esforça-se por manter-se fiel ao marido. À medida que a relação se torna insustentável, encontra no recolhimento do convento a possibilidade de resistência e libertação interior. Um retrato austero e intimista da clausura feminina que antecipa o olhar singular da realizadora sobre o universo das mulheres.

Margarida Gil é uma importante cineasta portuguesa após o 25 de abril, tendo sido, ainda, assistente de realização em diversas obras do realizador João César Monteiro. Juntos fundaram a produtora Monteiro & Gil, cuja primeira produção fílmica foi “Relação Fiel e Verdadeira”, também primeira longa-metragem de ficção de Margarida Gil.

As sessões do Lucky Star ocorrem no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva às terças-feiras, às 21h30. A entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da biblioteca e três euros para o público em geral. Os sócios do cineclube têm entrada livre.

Até terça-feira!


quinta-feira, 29 de maio de 2025

Noite de Estreia (1978) de John Cassavetes



por António Cruz Mendes
 
Com Noite de Estreia, encerramos o ciclo que dedicamos a John Cassavetes. Do realizador, já nos deu conta Jessica Ferreiro na Folha de Sala que redigiu para Sombras, onde nos chama a atenção para o lugar ocupado por ele no chamado “cinema independente” americano: os seus filmes são de baixo orçamento, dispensam grandes recursos técnicos e afastam-se dos cânones dominantes em Hollywood para nos oferecer uma imagem crua da vida de pessoas comuns. Um pequeno grupo de actores e de figurantes repete-se em várias das suas obras, o que contribui também para que todas elas compartilhem um evidente “ar de família”.
 
O filme que apresentamos hoje debruça-se sobre o mundo do teatro, da vida das pessoas que lhe dão forma – dramaturgos, encenadores, actores e daqueles que mais de perto os acompanham. Algumas cenas decorrem no palco. A câmara, fixa e em posição frontal, oferece-nos então a perspectiva do espectador. Outras vezes, perscruta os bastidores, aproxima-se das personagens e sonda o seu multifacetado mundo interior.
 
Mas, aqui, queria sobretudo destacar o papel de Gena Rowlands, que morreu há dez meses com 94 anos de idade e que foi uma atriz excepcional. Neste ciclo que dedicamos a Cassavetes pudemos vê-la em Rostos e em Uma mulher sob influência e, agora, podemos comprovar de novo a sua excelência em mais um filme do seu marido.
 
Em Noite de estreia, Gena Rowlans interpreta um duplo papel, como Virgínia e como Myrtle Gordon. Virgínia é a personagem central de uma peça de teatro, “A segunda mulher”, escrita por Sarah Goode e encenada por Many Victor. É ela que, vendo arrefecer a paixão que já sentiu pelo seu companheiro, decide visitar o seu primeiro marido, agora casado com uma outra mulher, de quem teve vários filhos. A presença de Myrtle no boçal e confuso meio doméstico onde é introduzida é patética. A sua juventude e as suas paixões inscrevem-se num passado que ela percebe já não ser recuperável. E a mesma intuição está presente em Myrtle que, na peça, contracena com Maurice, o seu próprio marido. Ficção e realidade confundem-se. Quando se ensaia a cena em que ele a esbofeteia, quem é que a agride de facto?
 
Sabemos da importância do Actors Studio na formação de muitos actores, nos Estados Unidos. Inspirado no “método” de Stanislavski, aí desenvolvido por Lee Strasberg, pretende-se que os actores não se limitem a “representar”, usando técnicas convencionais, mas se fundam com a personagem que interpretam, descobrindo neles próprios o tipo de afinidades que as caracterizam. Myrtle sabe que, interpretando Virgínia, é a perda da sua própria juventude que terá de assumir. Virgínia colar-se-á à sua própria pele e mostrá-la-á aos olhos do seu público como a “velha” que Sarah Goode já é e que ela recusa com todas as suas forças poder vir a ser. Assim, a sua interpretação torna-se impraticável, os ensaios decorrem de uma forma caótica, a tensão entre a actriz, a autora e o encenador evolui num crescendo e, à medida que se aproxima da noite de estreia, adivinha-se um estrondoso fracasso.
 
O acidente que vitima uma sua admiradora vai potenciar esta situação. O fantasma da jovem atropelada surge à actriz sob a forma da jovem Myrtle e, por fim, tudo se decide num combate mortal entre as duas. Só assassinando esse fantasma Myrtle poderá encarnar Virgínia.
 
Finalmente, chega a noite de estreia. Myrtle chega ao teatro destroçada, mas, com a ajuda de muito café, consegue recompor-se. No palco, ela e Maurice improvisam. Perante o desconforto de Sarah Goode e o olhar irónico de Many Victor, afastam-se do guião e transformam “A segunda mulher” numa comédia. O público reage efusivamente. O teatro que, afinal, é fingimento, venceu. 
 
 

domingo, 25 de maio de 2025

399ª e 400ª sessão: dia 27 e 29 de Maio (Terça e Quinta-feira), às 21h30 e 20h30, respectivamente


“Noite de Estreia” de John Cassavetes e “Bom Povo Português” de Rui Simões, esta semana no Lucky Star- Cineclube de Braga

Para o mês de Maio, o Lucky Star- Cineclube de Braga programou uma pequena retrospectiva do realizador estadunidense John Cassavetes, importante propulsor do cinema independente. As sessões deste ciclo ocorrem, como habitualmente, às terças-feiras na biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, às 21h30.
 
Ainda em Maio, realizar-se-ão duas sessões especiais de “Cinema em Revolução”, em parceria com a associação cultural Terminal Complex e no âmbito da exposição “Somos Todos Capitães – 50 anos em Liberdade”. Estas sessões ocorrem no gnration nas duas últimas quintas-feiras do mês, às 20h30.

Esta terça-feira 27 de maio, encerra-se a retrospectiva de John Cassavetes com o filme Noite de Estreia (1977), e na quinta-feira, 29 de maio, no gnration, será exibido o filme Bom Povo Português (1980) de Rui Simões. Esta sessão contará com a presentação do realizador.

Em Noite de Estreia, uma atriz veterana sente as pressões do trabalho e vê a sua vida a desmoronar-se diante dos olhos do público e dos colegas, na véspera da estreia de uma peça de teatro. Com uma performance magistral de Gena Rowlands, a narrativa explora o “ser mulher” no mundo artístico e as aflições existênciais emaranhadas no ofício, através de um retrato imersivo e angustiante dos bastidores do teatro, onde a linha entre a realidade e a performance se desfaz.
 
Bom Povo Português é um documento único sobre a agitação social e política durante o PREC – Período Revolucionário em Curso, de 25 de Abril de 1974 até 25 de novembro de 1975. Recorrendo a material de arquivo de diversas fontes visuais e sonoras, “Bom Povo Português” juntamente com “Deus Pátria Autoridade” (1975) são o díptico incontornável no cinema português que retrata a passagem de um regime fascista para a democracia através da utopia de um processo revolucionário em que o povo foi protagonista. O filme revela as tensões entre a tradição e a modernidade, o conservadorismo e o desejo de mudança, oferecendo uma reflexão profunda sobre os caminhos futuros de Portugal.

As sessões do Lucky Star ocorrem no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva às terças-feiras, às 21h30. A entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da biblioteca e três euros para o público em geral. Os sócios do cineclube têm entrada livre. As sessões especiais no gnration ocorrem às quintas-feiras, às 20h30, e a entrada é gratuita.
 
Até terça e quinta-feira!

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Uma Mulher Sob Influência (1974) de John Cassavetes



por Catarina Bernardo 

Uma Mulher sob Influência não é apenas um drama sobre saúde mental, mas também é um retrato devastador da fragilidade humana diante das expectativas sociais. Sobre como a sociedade não consegue lidar com aqueles que fogem aos padrões vigentes.
 
O filme leva-nos a conhecer Mabel, uma mulher incompreendida por aqueles que a rodeiam, que tenta corresponder ao papel de esposa e mãe ideal, construídos socialmente. Ao longo do filme, a protagonista sente-se cada vez mais sufocada por um ambiente que exige contenção, normalidade e obediência.
 
Cassavetes tentou criar um retrato humano e autêntico de uma mulher vista como “louca” por aqueles que lhe são próximos. Na verdade, é uma mulher sensível, generosa e amorosa, cuja instabilidade emocional é uma consequência das pressões sociais e que piora, ao longo do filme, devido à falta de compreensão e sensibilidade da sua família.
 
O realizador mostra-nos como as emoções e as relações humanas são complexas e não lineares, compostas por sentimentos contraditórios, gestos ambíguos e com falhas frequentes de comunicação. A forma como os personagens ao redor de Mabel (incluindo o marido, Nick) lidam com a sua saúde mental, revela a profunda falta de ferramentas emocionais com que muitas pessoas enfrentam a diferença. Nick ama Mabel, mas a sua reação é marcada pela impulsividade, censura ou repreensão e, por vezes, violência emocional. O filme mostra que a verdadeira "doença" pode estar numa sociedade incapaz de escutar, acolher e aceitar a fragilidade do outro.
 
Quanto a instabilidade emocional de Mabel se acentua, é internada num hospital psiquiátrico durante seis meses, não apenas como medida terapêutica (ineficaz), mas também como gesto de silenciamento por parte de sua família. O internamento não consegue ajudar Mabel, nem as suas dificuldades são compreendidas pelos demais. Este serve apenas para afastá-la, de modo a preservar, de certa forma, a imagem da família. O realizador retrata este aspecto para fazer uma crítica ao modo como as instituições, as pessoas e a sociedade, em geral, encara a doença psiquiátrica, sendo, por isso, incapaz de compreender, oferecer apoio e ajudar ativamente. As soluções simplistas e desumanizadoras, como o confinamento, parecem servir apenas para afastar a pessoa com doença psiquiátrica para não perturbar a convivência familiar e em sociedade.
 
A crítica proposta pelo diretor ressalta a tendência da sociedade em excluir ou reprimir o indivíduo, ao invés de enfrentarem as questões emocionais e psicológicas de maneira saudável. Esse afastamento reflete a recusa em lidar com a complexidade da saúde mental em prol de um padrão normativo estabelecido que define o que é ser “normal”.
 
No desfecho do filme, ao retornar do hospital psiquiátrico, Mabel emerge sem a espontaneidade que anteriormente a definia. Sua identidade foi gradualmente apagada durante o período de internação, levando-a a uma condição de subordinação. Essa transformação simboliza a perda da autenticidade e da liberdade emocional, resultante da tentativa de controlo e exclusão promovida pela sua família.
 
Cassavetes optou por uma mise-en-scène naturalista, trazendo um estilo mais cru e realista que resulta numa autenticidade emocional que se distancia do típico filme clássico de Hollywood. O filme tem aparência documental devido ao uso de câmara à mão e do recurso aos planos longos. O facto de utilizar bastante luz natural nas cenas, transmite uma sensação claustrofóbica e íntima do ambiente doméstico. A proximidade da câmara nos rostos dos atores, uma característica marcante nos filmes de Cassavetes, contribui para intensificar essa sensação de intimidade e desconforto.
 
Inicialmente, John Cassavetes tinha escrito e idealizado esta obra para ser uma peça de teatro, que seria interpretado por sua esposa, Gena Rowlands. No entanto, ela considerou que não seria uma boa ideia, pois a carga emocional da personagem Mabel seria tão intensa que se tornaria desgastante ter de interpretá-la diariamente. A própria atriz chegou a comentar que, após as gravações do filme, precisou de uma pausa para recuperar do impacto emocional causado pelo papel.
 
Apesar do filme parecer improvisado em algumas partes, os atores seguiram o guião. No entanto, os gestos, o silêncio e as pausas ao longo do filme transmitem uma sensação de improvisação e uma profunda sensibilidade emocional.