quarta-feira, 21 de abril de 2021

Tokyo monogatari (1953) de Yasujiro Ozu



por António Cruz Mendes

Viagem a Tóquio é uma viagem entre dois mundos separados por uma distância que uma longa viagem de comboio não consegue vencer. Nos filmes de Ozu, não há flashbacks, só o presente importa. Apenas, podemos tentar imaginar o que terá sido a vida da família Hirayama na pequena vila portuária de Onomichi. Agora, os filhos mais velhos moram em Tóquio. Koichi casou, é médico e tem dois filhos, ainda crianças. Sighe, também casada, é dona de um salão de beleza. Keizo, vive e trabalha em Osaca e apenas Kyoko, a filha mais nova, professora primária, ainda vive com os pais. Shoji, outro dos seus filhos, morreu na guerra, deixando viúva a sua mulher, Noriko, que vive sozinha em Tóquio. 

O tema deste filme, a dissolução da família japonesa, é recorrente na filmografia de Ozu e a história pode, como sempre, contar-se em poucas linhas. Um casal, já idoso, visita os seus filhos que foram viver para longe e percebem que as suas vidas tomaram rumos diferentes e que os laços que os uniam já são muito fracos. No regresso, a mãe adoece e morre. A família junta-se por uma última vez no funeral. No final, o pai fica sozinho. Sighe e Minoru, um dos netos, podem parecer-nos particularmente frios e antipáticos. Noriko, um sorriso doce e radiante, é mais a afectuosa, mas aqui não há heróis, nem vilões. A vida é simplesmente assim e pode desiludir-nos muito, como nos diz Kyoko num dos diálogos finais. Resta-nos aceitá-la. 

Logo no início, uma vizinha abeira-se da janela da sua casa, quando o velho casal se prepara para partir para Tóquio. Os seus filhos “saíram-se muito bem”, diz-lhes, e devem “esperar ansiosos” pela vossa chegada. “Sim, tivemos muita sorte”, responde o pai. Não sabemos se se tratou apenas de uma resposta delicada ou se ela expressa, na verdade, os seus sentimentos. De qualquer maneira, as suas melhores expectativas sairão frustradas. Em Tóquio, uma grande e moderna cidade, os dois sentir-se-ão como estranhos. Aqui, diz a velha mãe, “se nos perdermos, nunca mais nos encontraremos”. E têm a mesma sensação em casa dos filhos. Todos procuram ser delicados e atenciosos, mas a presença dos pais é um estorvo para as suas vidas. Ocupados com o seu trabalho, falta-lhes tempo para lhes dar atenção, e os netos, para quem ele são uns desconhecidos, recebem-nos com frieza e antipatia. Numa belíssima sequência no exterior, a avó contempla o seu neto mais novo, brincando sozinho e pergunta, mais a si mesma do que a ele: “O que vais querer ser quando fores grande? Um médico, como o teu pai? Quando fores um médico, já cá não devo estar”. Os laços que uniam as diferentes gerações da sua família já não existem e o destino de cada um não depende dos outros. 

A cadência da acção, nos filmes de Ozu, é pontuada pelas conversas e pelos silêncios e é por eles que, lentamente, nos vai sendo revelado o abismo que separa os pais e os filhos. O ritmo das suas vidas, as suas preocupações, hábitos e interesses são outros e a comunicação é difícil. Para recuperarem a sua autonomia, Koichi e Saghi decidem pagar aos pais uma estadia num spa, nas termas de Atami. Mas, aí, o ambiente é demasiado excitado e barulhento. Depois de uma noite mal dormida, sentados num paredão, em frente ao mar, concordam que aquele sítio não é para eles, mas para gente mais nova. Como é que Kyoko se estará a desenvencilhar sozinha? Já viram Tóquio e Atami, já é tempo de voltarem para a sua casa. 

Antecipam o regresso a casa de Saghi, que os recebe com evidente desagrado. Os aposentos que ocupariam já estão reservados para um encontro de esteticistas e eles não querem voltar a importunar Koichi. Para onde ir, então? “Somos uns sem abrigo, agora”, diz o pai, sorrindo. A mãe ficará em casa de Noriko e o pai procura um amigo de Onomichi que, agora, vive em Tóquio. Podendo, passará aí a noite. 

Essa noite será propícia a confidências. Reúne-se Hattori e Numata, com dois velhos amigos. Embebedam-se e falam dos filhos. Um delas perdeu os dois na guerra e ele próprio um. Numata diz-se desiludido com o seu filho único, a quem terá dado demasiado mimo e que, agora, considera um falhado. “Perder um filho é difícil, mas viver com eles também não é fácil”. E o próprio Shukichi se confessa decepcionado com o seu filho mais velho, afinal apenas um médico de bairro. Esperamos sempre demais dos nossos filhos. “Alguns matariam os seus pais sem pensar duas vezes. Pelo menos, o meu”, diz Narata, “não faria isso”. 

A mãe, em casa de Noriko, dorme na cama do filho que morreu. Recordam-no as duas e ela aconselha a sua nora a esquecê-lo e a voltar a casar. “Quando envelheceres, vais sentir-te muito sozinha”. Noriko diz sentir-se feliz assim, mas, quando as luzes se apagam, deitada na sua cama, de olhos no tecto, o seu lindo sorriso desvanece-se e uma sombra de melancolia cobre-lhe o rosto. 

Na estação do comboio, no momento da despedida, juntam-se Koichi, Sighe e Noriko. O pai agradece-lhes: “Vocês foram muito amáveis para nós – todos vocês. Gostámos da nossa viagem”. E acrescenta, com uma delicadeza tingida de uma leve ironia: “Agora que nos vimos todos, escusam de nos visitar se alguma coisa nos acontecer”. De, facto, a mãe sente-se mal durante a viagem e chega muito doente a Onomichi. 

A família reúne-se e novo para o seu funeral. A tristeza de todos é sincera, mas, rapidamente, as exigências das suas vidas faz que todos regressem a casa. Kyoko queixa-se do egoísmo os seus irmãos, mas Noriko diz-lhe que, mais tarde, também ela perceberá que assim é a vida. Aliás, também ela se confessa “egoísta” num diálogo com o sogro pois, muitas vezes, esquece-se do seu marido e rende-se ao seu coração que anseia por uma vida nova. 

A última sequência do filme replica imagens da primeira. O movimento dos barcos, a escola primária, o comboio que parte… A vida retoma o seu curso. Até mesmo a vizinha que se veio despedir deles antes da partida para Tóquio assoma de novo à janela, mas, desta vez, para constar que algo mudou. Agora, o pai ficará sozinho.

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