sexta-feira, 6 de outubro de 2023

2001: A Space Odyssey (1968) de Stanley Kubrick



por Jacques Lourcelles

Como disse Jacques Goimard (cf. Biblio.): «2001 é o primeiro filme desde Intolerância que é simultaneamente uma superprodução e um filme experimental». Ao contrário de várias produções holywoodianas, esta, quanto ao sentido e à forma, emana de um homem só e não passou de mão em mão, apesar de ter uma génese bastante longa (1964-1968), durante a qual o orçamento inicial aumentou de seis milhões para dez milhões e meio de dólares. No entanto não é de modo nenhum a obra de um só homem e, em primeiro lugar, a contribuição do argumentista e escritor de FC Arthur C. Clarke foi muito importante. No início de 1964, Kubrick propôs a Clarke escrever um argumento tendo em vista um filme de FC que ao princípio tomaria a forma de um romance escrito a duas mãos. O ponto de partida do romance e do filme foram as novelas de Clarke The sentinel (escrita em 1948), bem como Encounter in the Dawn (1950) e Guardian Angel (1950). O trabalho de escrita e a preparação do filme duraram até 29-12-1965, data do primeiro dia de rodagem. A própria rodagem estendeu-se por cerca de sete meses (nos estúdios Boreham Wood, na Inglaterra), e a pós-produção (mais de duzentos planos do filme precisaram de efeitos especiais) só chegou ao fim no início de 1968. O trabalho e a inspiração de Kubrick visavam dois objectivos em paralelo: realizar o filme de FC mais espectacular feito até à data (com as maquetes e os efeitos especiais mais esmerados e sofisticados, especialmente graças ao talento de Douglas Trumbull) e oferecer uma espécie de poema filosófico sobre o destino do Homem na sua relação com o Tempo, com o progresso e com o universo. Esta dupla ambição resulta numa obra de construção muito original e muito arriscada, feita de quatro blocos relativamente autónomos, o que faz também realçar o virtuosismo de Kubrick e a sua vontade em percorrer o campo quase completo do género (como nota Bernard Eisenschitz in Cahiers du Cinéma 209: «A mestria de Kubrick aparece na justaposição e na combinação de quatro grandes motivos característicos: FC pré-histórica, antecipação a curto prazo, viagens interplanetárias e por fim as grandes galáxias, mutantes no hiperespaço»). Basicamente, 2001 é um filme de angústia – uma angústia difusa, como que glacial, cuja substância é por assim dizer consubstancial à existência do homem no universo. É a angústia – física e metafísica – do homem perdido nos espaços infinitos, mas também velado, em todas as épocas, pela próxima etapa – inelutável – do progresso científico, que não deixará de ser ainda mais destrutivo que construtivo para ele. Mas 2001 também é um filme de especulação: a influência dos extra-terrestres (que se manifesta pelo monólito) e a mutação final do herói vão gerar talvez uma forma de vida e de desenvolvimento menos decepcionante e menos imperfeita que a que conhecemos. A este respeito, o filme pode ser julgado optimista. Mas enquanto o pessimismo de Kubrick é sentido como uma evidência durante a maior parte do filme (onde mesmo a vida quotidiana dos personagens, tornados simples servos das máquinas e do cérebro que as comanda, cria uma monotonia deprimente semelhante ao «tédio mortal da imortalidade» referido um dia por Cocteau), o seu «optimismo» permanece puramente especulativo e, enquanto tal, existe apenas como um imenso ponto de interrogação. Optimismo muito relativo, a bem dizer, uma vez que tudo o que poderia acontecer de melhor ao homem viria de outro sítio, e sem que este o tivesse decidido. Kubrick parece difundir mesmo a hipótese de que toda a evolução científica do homem pode ser determinada pela intervenção de extra-terrestres. No plano formal, Kubrick alterna com uma plenitude maravilhosa o aspecto contemplativo (a progressão das naves pelo espaço) e o aspecto dramático (vide o extraordinário duelo entre Keir Dullea e o computador Hal 9000, que não terá a última palavra). Salpica os vastos espaços de angústia disseminados pelo filme com zonas estreitas de humor. Humor ora relativamente secreto (troca de banalidades entre os astronautas), ora mais evidente (utilização da música de Johann Strauss). Tudo o que se sabe da elaboração do filme, das hesitações e tentativas de Kubrick mostra que ele quis ir cada vez mais longe na direcção do silêncio, da economia, do segredo e do mistério. Suprimiu assim o comentário off do início, reduziu ao mínimo o número de membros da equipa da Discovery e renunciou a mostrar os extra-terrestres. Esta direcção foi muito benéfica para o filme. Estimulou, como nunca se tinha ousado fazer num filme com este orçamento, a imaginação do espectador. (E é significativo que a maioria dos comentários escritos sobre 2001, tanto na Europa como nos Estados Unidos, sejam no geral de um nível altíssimo). Teve igualmente como efeito apagar no estilo a tendência de Kubrick em sublinhar de forma pesada os seus efeitos e as suas intenções: de todos os seus filmes, 2001 é o mais sóbrio, o mais completo e o mais bem conseguido. No que diz respeito à história da FC cinematográfica, 2001, que na sua estreia criou um choque cujo eco ainda hoje não se extinguiu, situa-se na crista de uma década em que o género se ia tornar predominante, depois de ter sido minoritário e marginal durante cinquenta anos em Hollywood. 

N.B. Arthur Clarke escreveu uma continuação ao seu romance de onde foi extraído um filme, 2010 (título português idêntico), realizado por Peter Hyams (1984). Keir Dullea reencontrou o seu papel. Desenvolvendo sobretudo um tema político, encorajando uma aliança entre americanos e russos, a obra tinha pouca envergadura e era mesmo muito inferior a alguns dos outros filmes de FC de Hyams como Capricorn One (1978) ou Outland (1981). 

BIBLIO. : alguns meses depois da estreia de 2001 saiu o livro (homónimo) do filme, assinado apenas por Arthur C. Clarke, Nova Iorque, New American Library, 1968 (traduzido pelas Publicações Europa América). A planificação do filme (643 planos) apareceu na L'Avant-Scène no 231-232 (1979), antecedida de um prefácio importante de Jacques Goimard de quem também recomendamos a crítica escrita a quente para a Fiction de Novembro de 1968: o autor confessa aí a sua perplexidade e a sua admiração diante de uma obra que, não o esqueçamos, pareceu à época, mesmo aos olhos dos especialistas, muito esotérica. Sobre a rodagem e as trucagens, ver Jerome Agel: The Making of 2001, Nova Iorque, New American Library, 1970. (Para esta recolha de textos e de documentos, o autor teve acesso aos dossiers de Kubrick. Obra considerada até há pouco tempo como o campeão de vendas dos livros americanos sobre cinema.) Também leremos Arthur C. Clarke: The Lost Worlds of 2001, Nova Iorque, New American Library, 1972 (diário de bordo do argumentista); Carolyn Geduld: Filmguide to 2001: a Space Odyssey, Indiana University Press, 1973 (estudos, cronologia e bibliografia); Jean-Paul Dumont e Jean Monod: Le Foetus astral, Christian Bourgois, 1970 (sem dúvida o primeiro estudo estruturalista sobre um filme). 

in «Dictionnaire des films. **De 1951 à nos jours Suivi d’Écrits sur le cinéma», Robert Laffont, Paris, Novembro de 2022.
Tradução: João Palhares



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