domingo, 24 de julho de 2016

24ª sessão: dia 26 de Julho (Terça-Feira), às 21h30


Na nossa última sessão antes das férias de Verão vamos assistir a The Chase, quarto filme de Arthur Penn e uma das etapas essenciais dos anos 60, em que convivem vultos e estrelas da velha Hollywood (Miriam Hopkins, Henry Hull, E. G. Marshall) e da nova (Jane Fonda, Robert Redford, Robert Duvall, James Fox), mediados doridamente por quem as atravessou às duas (Marlon Brando, Angie Dickinson) nessa noite quente em que Bubber Reeves volta a casa.

A anteceder o filme de Penn teremos Nan o Kucheh, primeiro trabalho do recentemente falecido Abbas Kiarostami, que tanta falta nos vai fazer...

Arthur Penn não gostava do resultado final de The Chase, que foi montado nas suas costas por Sam Spiegel, o produtor do filme. Admitiu no entanto a Damien Love que aprendeu bastante sobre retratar a violência e acabou por o usar em Bonnie & Clyde. "Aprendi, sim. Em The Chase, tentei fazer uma pequena experiência com slow-motion, e logo que as rushes foram vistas pelo chefe do estúdio da Warner Brothers, veio uma nota muito severa para mim: Não Há Mais Slow-Motion. Portanto, quando começámos a fazer aquela grande luta, em que Marlon é mesmo espancado selvaticamente pelas pessoas na cidade, Marlon sugeriu que, uma vez que tínhamos tão bons actores, que ambos conhecíamos muito bem do Studio, que, em vez de fingir os murros, podíamos mesmo dar os murros, só que um bocado mais lentamente, e depois o que fizemos foi dar menos à manivela, portanto estávamos a filmar qualquer coisa entre 18 a 20 fotogramas por segundo, e então quando se projecta a toda a velocidade, tem lugar uma surra realmente selvagem, com o Marlon a fazer algumas coisas completamente maravilhosas. De algumas eu não estava à espera, como rolar pela secretária abaixo, para o chão, e quando ele sai do tribunal, para os degraus de cimento, tentei convencê-lo a usar um duplo para isso, e ele recusou."

O grande crítico inglês Robin Wood, no seu livro sobre o cineasta americano, alongou-se sobre The Chase, escrevendo entre muitas outras coisas, o seguinte: "A primeira (pensar-se-ia) obra-prima indiscutível de Penn tem tido na verdade, em Inglaterra pelo menos, reconhecimento um pouco escasso, tanto de críticos como do público em geral. A inteligência do realizador informa cada sequência: não apenas uma inteligência cerebral, mas uma inteligência em que a emoção e a percepção intuitiva têm os seus papéis essenciais, e em que a claridade de visão mais rigorosa é equilibrada (mas não anulada ou comprometida) pela generosidade emocional. É talvez o filme mais completo de Penn. Não que seja necessariamente preferível a Bonnie and Clyde, mas contém certas características que não se incluem nesse filme, o que lhe dá uma dimensão extra, comparativamente. 

"The Chase dá o retrato mais completo de Penn de uma determinada sociedade, levando a análise à condenação intransigente, por implicação, da sociedade baseada-em-dinheiro em geral. Até ao final do filme toda a gente do mais alto (Val Rogers) ao mais baixo (o negro Lester) se revelou uma vítima por igual. A natureza essencial da sociedade retratada (vivamente particularizada, carregando no entanto o alcance implícito mais amplo possível) é sugerida cedo no filme pela cena no banco de Val Rogers: na superfície, uma hipocrisia e um uso de máscaras que tudo permeiam; por baixo dela, uma sensação de necessidades frustradas e corrompidas continuamente forte o suficiente para ameaçar a fachada quebradiça. O brinde com champanhe a Val Rogers no seu dia de aniversário, organizado com eficiência obsequiosa por Damon Fuller, transmite subtilmente a posição de Val. Toda a apresentação de Rogers é um bom exemplo da generosidade bem pouco sentimental de Penn. A ‘imagem' de Rogers - que ele próprio aceita claramente como real - de um cidadão eminente minuciosamente decente e responsável, modesto mas perfeitamente em controlo, não é inteiramente alheio à realidade. Penn mostra-nos um homem que não é inerentemente perverso, de todo: a sua corrupção subtil, revelada gradualmente à medida que o filme progride, sente-se como qualquer coisa inerente à sua posição e não à sua natureza. Como ele é rico, é respeitado universalmente; mas o respeito é pelo dinheiro, não pelo homem, e portanto falso e precário. Quando se erguem os copos de champanhe, as meninas que assistem sorriem em adoração: são totalmente sinceras, tanto quanto elas sabem estão mesmo a sentir alguma coisa pelo homem. E a extensão da ilusão própria de Val é sugerida pelo seu prazer evidente pelo tributo: está tão preso aos valores monetários como qualquer pessoa. 

"(...) O clímax de The Chase dá uma imagem aterradora de colapso social em que todos os fios variados do filme se unem. O cenário do 'cemitério' de carros avariados leva-nos de volta a Mickey One e à ‘morte total’, mas aqui ganha força por ser usado de forma dramática quando no filme anterior era exclusivamente simbólico. Val aparece para salvar Jake, depois aparecem os convidados da festa dos Stewarts, depois os adolescentes, à medida que se espalham as notícias sobre o paradeiro de Bubber. Quando a violência ubíqua explode (literalmente, com fogo-de-artifício e pneus em chamas) em todo o lado, vemos Val a perder cada vez mais o controlo: por fim, o poder do dinheiro evapora enquando os impulsos instintivos frustrados se satisfazem com a destruição. O tratamento da cena é tão convincente em termos de personagens que é só depois que uma pessoa se apercebe de quão perto estamos, aqui, da alegoria. A condenação da sociedade está implícita na ambivalência confusa das reacções dos adolescentes: Bubber torna-se metade herói-popular, metade bode expiatório, enaltecido e perseguido, ao mesmo tempo símbolo de revolta e vítima necessária em quem a violência pode ser desencadeada pelo menos com alguma demonstração de justiça social. Eles não o podem ver é como um ser humano, como um deles. Vemos os começos de um mito Bubber Reeves (‘Lembras-te da minha irmã?’ chama uma rapariga ansiosamente pela janela do carro enquanto ele é levado para a prisão) a que se prende um dos temas favoritos de Penn. Só aqui, no momento em que Bubber parece estar em perigo de desaparecer sob a sua própria lenda, é que descobrimos que ele tem um nome (Charlie) além da alcunha infantil; quase imediatamente depois do qual é abatido nos degraus da cadeia. O sentido da violência como uma epidemia que se espalha a velocidade alarmante e inatingível é bastante reforçado pelo facto do assassino de Bubber ser um homem que até esse momento tinha ficado na periferia dos acontecimentos, mais espectador do que participante, aparentemente um dos menos dados à violência activa. 

"Inacreditavelmente, alguns críticos atacaram The Chase quando saiu em Inglaterra pela sua ênfase na violência. A violência é um tema que um artista que está vivo intuitiva e intelectualmente para o mundo em que vive dificilmente pode evitar hoje; e se há um tratamento mais responsável dela algures no cinema, ainda não o vi. Ao insistir na actualidade do filme, estou a pensar em mais do que na clara referência à morte de Lee Harvey Oswald no tiroteio de Bubber Reeves. Embora tudo em The Chase seja tão vividamente pormenorizado, seria um erro vê-lo só como um retrato de uma sociedade localizada. (Se é um retrato fiel do Texas contemporâneo ou não é uma questão bem fora da minha competência, e além disso parece-me de importância trivial. A sociedade de The Chase pode ser totalmente tomada como fictícia: a relação dele com as realidades fundamentais da civilização moderna permanecem não afectados.) Parece-me que faz um comentário trágico ao espírito actual do mundo: a sensação de que os valores tradicionais da civilização ocidental foram tão desgastados que já não são capazes de segurar as forças que tornaram mais explosivas por as suprimir. O filme capta enervantemente esse sentimento de violência latente ou em erupção que tem indubitavelmente uma importância especial para o Sul Profundo mas que em alguma medida está no ar que todos nós respiramos."

Até Terça-feira!

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