quarta-feira, 27 de julho de 2016

The Chase (1966) de Arthur Penn



por João Palhares

É a personagem interpretada por Janice Rule (terrível personagem, terríveis as humilhações a que sujeita o marido interpretado por Robert Duvall, esse “filosofo de Sábado à noite”) que pouco depois de The Chase começar, fala do olhar de “Bubber” Reeves, dizendo que “he just stared. You know how he does, that funny stare, like everything is goig all wrong and he just can’t figure out why”. Nós vemos esse olhar no final do filme por três vezes. Quando “Bubber” olha para Jake numa maca e depois para Anna, que lhe responde da mesma moeda, sem saber porque terá acontecido o que aconteceu e, por fim, para a mãe que lhe abana cinco mil dólares à cara como se resolvessem tudo, passado e futuro. 

“Bubber” vai parar à cidade natal por partida do destino. Com fome e com pressa vai para Norte em vez de ir para Sul e em direcção à cidade dos pais e da mulher como se um íman terrível o puxasse até si. O burburinho que se vai multiplicando até resultar em fogo e sangue e o interesse das pessoas desta cidade pelo evadido não é mera curiosidade que se sacia por vê-lo em carne e osso, mas sim parte integrante delas, fantasma de sonhos, vontades e até crimes passados delas e que ao regressar traz tudo de volta consigo. Não por culpa dele mas dos outros. Por isso as coisas correm tão mal e por isso não andamos longe doutro filme que já aqui vimos (Some Came Running), em que outro homem voltava a casa mas para acordar os fantasmas doutra cidade (e a presença da actriz que interpretava Gwen French nesse filme triste e maravilhoso em The Chase parece confirmar este parentesco). “I was thinking of myself at that age, all the things I wanted and believed would happen,” diz Edwin, a personagem que interpreta Duvall. É esta a frase que lhe vale a alcunha de “Saturday night philosopher” dada pela mulher. 

Calder (uma das grandes composições de Marlon Brando, ao lado das dos filmes que fez com Kazan e Coppola e com o próprio Penn, em The Missouri Breaks, western fabuloso e misterioso) assiste a tudo isto da sua delegacia com um olhar não muito diferente do “funny stare” de Reeves, acusado de aceitar o dinheiro de Val Rogers quando o enfrenta e faz de tudo para separar as coisas, recusando presentes, terras e dinheiro na mesma noite e na festa de aniversário de tanto dinheiro e de tantos disfarces de Rogers. Tem que prender os inocentes e deixar os verdadeiros culpados à solta para não haver sangue nas ruas, enquanto “Bubber” se aproxima e a ânsia e os impulsos regados a álcool vão fazendo cada vez mais estragos. Defendendo o que é certo com grande impassibilidade não pode evitar a terrível carga de porrada na cadeia ou a morte nos degraus, quando o burburinho se faz trovão e tempestade (já cantava José Mário Branco: “os homens pequenos, quando são demais, não fazem por menos: tornam-se fatais”). Desaparece como os grandes amargurados do cinema americano (John Wayne em The Searchers, James Coburn em Pat Garrett & Billy the Kid...) e deixa os lobos entregues a si próprios. 

Parte da força e da raiva de The Chase talvez se devam à perseverança de Penn em combater o seu produtor e o seu estúdio, desiludido com muitas decisões e entraves injustas que lhe impuseram, o que acaba por contagiar o filme e confundir-se com outras perseveranças, combates, desilusões e entraves. Era cavalo de batalha dos grandes vultos da politica dos autores dizer que não interessa o que se filma, mas sim como se filma. Autor é, portanto, quem resiste e ilumina os criadores que tem à sua volta e ao seu dispôr com uma tenacidade feroz e apaixonante. De Nicholas Ray a Sam Peckinpah com passagem em Arthur Penn.

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