terça-feira, 10 de dezembro de 2019

156ª sessão: dia 12 de Dezembro (Quinta-Feira), às 21h30


A nossa próxima sessão, Diva - Simplesmente uma Homenagem, surge quando sabemos da morte de um dos nossos primeiros sócios honorários, inspirações supremas e maior dos amigos, o sempre entusiasta e lutador José Lopes. O bom do Zé Lopes. Tendo representado sempre o melhor da nossa cultura (estar com ele e ouvi-lo era como estar ao lado dos gigantes que conheceu e admirava, de Zeca Afonso a Pedro Hestnes, passando por Mário Viegas ou Luiz Pacheco), dedicamos-lhe esta e todas as sessões com muita saudade mas sem saudosismos - seria assim que ele o desejaria, com o dedo indicador içado e decidido -, esperando que o seu exemplo e as suas muitas lições nos continuem a guiar pelos anos e pelas vidas.

Voltando ao nosso filme, mas podendo estar a falar exactamente da mesma coisa, o texto de apresentação da Rádio e Televisão de Portugal sobre este documentário de Manuel Mozos diz-nos que "sem Amália Rodrigues, o Portugal do século XX teria deixado uma memória claramente diferente. Desde o momento em que encarnou em si todo o conceito de “portugalidade” Amália passou a carregar consigo o fardo de um emblema nacional dentro e fora de portas. Como disse Caetano Veloso, numa célebre atuação no Coliseu dos Recreios em finais da década de 80, abraçar Amália era a mesma coisa que abraçar Portugal inteiro.

"Mas Amália Rodrigues, assumindo a pose das verdadeiras estrelas, que sabem o que valem sem se deixar intoxicar pelo valor que lhe atribuem, sempre se afirmou como um veículo para expressar o que a sua alma ditava e não uma porta-voz dos desígnios nacionais. Face a todas as contrariedades, Amália Rodrigues manteve fielmente a postura que criara para si desde que pegou no fado e o moldou à sua maneira, tirando-o das tabernas em direção aos mais prestigiados palcos do mundo. 

"Amada por uns e odiada por outros, a cantora nunca se deixou ultrapassar pelos acontecimentos e, mesmo se com alguma ingenuidade à mistura, conseguiu passar por cima de todas as situações adversas, saindo pela porta grande sem ter de as contornar sinuosamente."

Há dois meses, o autor do precioso blogue dedicado a Amália Rodrigues, Jorge Muchagato, escrevia que "a voz de Amália, na sua poética intraduzível, radical e única, esquiva às palavras, pode ser também um lugar, uma terra; a papoila vermelha no meio da seara, o sol a morrer no mar e a mudar em lume o céu, o olhar dos cães, o mar no destino dos veleiros e no destino da praia, um feixe de ervas selvagens coroadas de malmequeres e de flores silvestres; e de ramos quebrados de Outono, «um caminho de silvas e de nardos / Uma intensa ternura que persigo / Rodeada de cardos por tantos lados» diz o fado Amêndoa Amarga, escrito por Ary dos Santos, uma ausência de razão quando a razão se acha saturada do absurdo do arbítrio da vida. A minha primeira voz de Amália foi a do terceiro disco de folclore, Amália Canta Portugal III, editado em 1972. 

"O aniversário do meu avô Luís ocorria no final de Dezembro. Nesse Inverno de 1978 eu ofereci-lhe uma cassete da Amália – pareceu-me bonita a fotografia da capa, a Amália sentada na relva a olhar o mar, o seu perfil cheio de enigmas, definido entre os rochedos que avançavam oceano dentro e o céu tão luminoso que chegava à ausência da cor, o branco. É provável que a verdade seja a de ter comprado a voz da mulher da fotografia. Tão sozinha, aquela mulher de olhar perdido no mar. Mas a verdade é que fui eu quem passou os dias a ouvir a cassete: canções alegres acompanhadas com guitarras e violas… mas a voz, no entanto, estava cheia de noite e de tristeza, a própria voz para além do canto e das canções, de um triste indefinível qualquer, de uma profunda densidade emotiva por detrás do «Ai Malhão, Malhão / Põe-te em lugar que t’eu veja / Não faças andar meus olhos / A bailar pela igreja» e isso compreendia-se bem quando cantava «Atirei um tiro à pomba / A pomba no ar voou / Enleou-se naquela roseira / E a maldita pomba sempre lá ficou»."

Em entrevista a João Gonçalves em 1985, Amália Rodrigues dizia que "eu não vou pela ideia de cantar um fado como se o cantasse pela primeira vez, porque tenho muita facilidade em improvisar e só entendo o fado assim. De uma maneira geral, o fado tem muito pouco de melodia (a não ser em músicas como as do Valério, do Portela, do Janes ou outros). O fado clássico, que era aquele que havia antigamente – porque nenhum compositor escrevia para o fado, a não ser na revista – não tinha praticamente melodia. Eu, se cantasse sempre da mesma maneira, maçava-me imenso e começava a pensar que podia maçar os outros. Não sou capaz de fazer igual amanhã porque eu não sei como é que fiz ontem nem como é que vou fazer amanhã… 

"(...) nunca esperei nada, por isso vivo sempre surpreendida com aquilo que me acontece. Pelo contrário, estou sempre à espera do pior. Eu gostava muito de morrer sem ouvir um não do público. Morrer, mas não retirar-me. Gostava de ficar no coração das pessoas."

Até Quinta-Feira!

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