sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Prova d'orchestra (1978) de Federico Fellini



por José Amaro

Como é possível realizar um filme cujo título dá pelo nome “ensaio de orquestra”, com um cenário de um “ensaio de orquestra”, partituras, instrumentos musicais, músicos (?) e maestro e, mesmo assim, não ser um filme sobre música, músicos ou orquestras e, mesmo assim, ser um belíssimo filme? É possível porque estamos perante uma obra de Fellini que utiliza todo este ambiente, orquestra, músicos, maestro, de forma metafórica para espelhar uma sociedade em crise, força dos individualismos egoístas que impossibilitam a cooperação necessária a uma harmonia musical ou a uma harmonia societal, num tempo de catarse em Itália, decorrente, entre outros mal estares, do sequestro e posterior assassinato de Aldo Moro às mãos das brigadas vermelhas. Todo este ambiente acompanhado por aquela que foi a última trilha sonora criada por Nino Rota para Fellini. 
 
O filme começa, enquanto é apresentada a ficha técnica, ao som do ruído de buzinas e sirenes ruidosas, a legendar um ambiente urbano caótico, como que a retratar uma Itália caótica. 
 
Começamos por ver o velho copista que, de forma nostálgica nos fala das memórias que nos enquadram o passado do local onde se passa todo o filme, uma antiga capela da Roma medieval e da orquestra cujos músicos começam a chegar e a instalar-se. Estes, de forma desconfiada, olham para a presença da câmara de uma televisão que está a realizar um documentário (um documentário dentro de um filme). 
 
Os músicos começam a interagir contando as suas histórias e a tentar mostrar a importância maior de cada um dos seus instrumentos, na orquestra. Depois dos músicos, chega finalmente o maestro e começa o ensaio, mas este é conturbado e quando o maestro exige repetições, o sindicado impõe-se e começa uma rebeldia com os músicos a não querem reconhecer a autoridade do maestro. É, então, ordenado um intervalo que os músicos aproveitam, uns para conviver descontraidamente outros para falar do maestro e outros ainda, para falar dos seus instrumentos. 
 
Voltamos a ver o copista e as suas nostalgias, nomeadamente as histórias acerca de maestros mais autoritários com o consentimento dos músicos. Assistimos também a considerações do maestro sobre a importância da sua função no passado. 
 
Com o regresso do maestro, depois do intervalo e de uma falha de luz, assiste-se a uma insurreição dos músicos. Aos gritos e palavras d`ordem nas paredes, estes provocam o caos total levando-os, nomeadamente, a disparos. 
 
Só a destruição de uma das paredes da igreja interrompe o caos, acalmando todos os presentes levando os músicos a se submeterem ao maestro. Este, tão frágil no início, consegue finalmente, de forma autoritária, impor-se, com um discurso que de italiano passa a alemão como que a trazer-nos à (má) memória a maléfica figura alemã.

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