terça-feira, 8 de junho de 2021

Ok-hui-ui yeonghwa (2010) de Hong Sang-soo



por António Cruz Mendes

“A vida é feita de pequenos nadas”, diz a canção. E, embora os seus “pequenos nadas” não sejam exactamente aqueles a que Sérgio Godinho se refere, o mesmo se poderia dizer dos filmes de Hong Sang-soo. Num festival de Cannes, inquirido por jornalistas sobre neles se beber muito e de muitas das suas personagens serem realizadores, respondeu dizendo que “só falo do que sei”. Ou seja, de álcool e de cinema. De facto, não é bem assim. É verdade que nos seus filmes se come e bebe muito, mas as suas personagens, sobretudo, conversam e procuram conhecer-se e relacionar-se. Procuram um amor que desejam eterno, mas que se revela fugitivo, provavelmente inalcançável. Hong Sang-soo parece contar-nos sempre a mesma história. Com pequenas, subtis diferenças, situações e personagens repetem-se de filme para filme. O conjunto da sua obra obedece ao modo musical do “tema e variações”. 

Trata-se de um realizador prolífico. Entre 1996 e 2021, realizou vinte e cinco longas-metragens e três curtas. São filmes de baixo orçamento, escritos, realizados e, na sua maioria, produzidos por si. Idealmente, o último deveria financiar a próximo. O seu ponto de partida é um esboço sumário do argumento, os diálogos são muitas vezes escritos pouco antes das filmagens e estas admitem facilmente o improviso. O resultado final são filmes enxutos, algo palavrosos – e muito bonitos. 

O Filme de Oki, é um filme sobre a vida e os amores de uma jovem estudante que faz um filme sobre a vida e os amores de uma jovem como ela. Mas, isso só nos é revelado no quarto e último episódio – que se chama também “O filme de Oki”. Nele, a protagonista, em voz off, conta-nos a sua história. Hesita entre o amor de um “homem velho”, um professor de cinema, e o amor de um “homem novo”, um estudante como ela. Entretanto, vai alimentando uma relação com os dois. Na verdade, já conhecíamos dos episódios anteriores as figuras que encarnam estas três personagens, Oki, Jongu e Song. 

O primeiro episódio, “Um dia de encantamento” serve-nos de introdução. O protagonista é Jingu, jovem realizador e professor assistente numa escola de cinema. Inseguro, mas tentando esconder a sua fragilidade sob uma aparente arrogância, interroga-se sobre a fidelidade da sua mulher, sobre a honestidade do seu antigo tutor, sobre a valia do seu trabalho. 

Na sala semi-deserta onde apresenta a sua última obra, uma curta-metragem, a moderadora questiona-o: “O seu filme tem muitas histórias. Que mensagem quis transmitir?” A resposta de Jingu poderia ter sido dada por Hong Sang-soo: “Eu só fiz o filme, não tinha nenhum tema em mente. O meu cinema é similar ao processo de conhecer pessoas, mas é menos complicado do que as pessoas. Conhecemos alguém e ficamos com uma impressão, fazendo um juízo baseado nessa impressão. Mas, no dia seguinte, voltando a ver essa pessoa, não poderá dar-se o caso de notarmos outros aspectos distintos e ajuizarmos a partir deles?”. 
 
A única pergunta que se segue é a de uma aluna que o acusa de ser responsável pelas consequências desastrosas de uma aventura amorosa. Na sua opinião, a questão é pertinente porque o filme de Jingu é apenas e só sobre a sua pessoa. 

No segundo episódio, “O rei dos beijos”, voltamos a encontrar Jingu, ainda estudante, e ficamos a saber da sua paixão por Oki, uma colega, possivelmente, amante do professor Song. 

No terceiro episódio, “Depois da tempestade de neve”, encontramos Song que, perante uma sala vazia – todos os alunos faltaram à sua aula, humilhado, reflete sobre a hipótese de se demitir. Mais tarde, chegam Oki e Jingu que lhe colocam uma série de perguntas incómodas às quais apenas consegue responder com evasivas. Sabemos que Hong Sang-soo foi professor nessa mesma escola. Até que ponto não será Song um seu alter-ego? 

No cinema de Hong Sang-soo, a arte e a vida enredam-se num novelo difícil de desembaraçar. Afinal, não será o cinema apenas uma forma de, com “pompa e circunstância”, nos dar a ver, amplificados, os pequenos e grandes dramas da nossa existência? Só por um exercício de auto-ironia se compreende que cada um dos quatro episódios de O Filme de Oki, sejam anunciados pelos acordes da Marcha de Elgar.

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