quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Le fantôme de la liberté (1974) de Luis Buñuel



por Luis Buñuel

Este novo título, já presente numa frase de A Via Láctea (“a vossa liberdade não passa de um fantasma”), pretendia ser uma discreta homenagem a Karl Marx, àquele “espectro que percorre a Europa e se chama o comunismo”, no início do Manifesto. A liberdade, que na primeira cena do filme é uma liberdade política e social (esta cena é baseada em acontecimento reais, o povo espanhol gritava de facto “Viva os grilhões” a favor do regresso dos Bourbons, por ódio às ideias liberais introduzidas por Napoleão), essa liberdade adquire rapidamente um novo sentido, a liberdade do artista e do criador, tão ilusória quanto a anterior. 

O filme, muito ambicioso, difícil de escrever e de realizar, foi algo frustrante. Inevitavelmente, alguns episódios são melhores que outros. Mas não deixa de ser um dos filmes que fiz que prefiro. A sua dinâmica é interessante, gosto da cena de amor no quarto da estalagem entre a tia e o sobrinho, também gosto da busca da rapariga que se perdeu (uma ideia que tinha há muito tempo), a visita dos dois comandantes da polícia ao cemitério, uma longínqua recordação do Sacramental de San Martín, e o final no jardim zoológico, aquele olhar insistente da avestruz que parece ter pestanas falsas. 

Hoje, quando penso nisto, creio que A Via Láctea, O Charme Discreto da Burguesia e O Fantasma da Liberdade, todos nascidos de um argumento original, forma uma espécie de trilogia, ou melhor, de tríptico, como na Idade Média. Encontram-se nos três filmes os mesmos temas, por vezes até as mesmas frases. Falam da procura da verdade, da qual há que fugir assim que pensamos tê-la encontrado, do implacável ritual social. Falam da indispensável busca, do acaso, da moral pessoal, do mistério que há que respeitar. 
 
A título de pormenor, indico que os quatro espanhóis que fuzilam os franceses no princípio do filme são José Luis Barros (o mais alto), Serge Silberman (com uma faixa sobre a testa), José Bergamín em pessoa, de padre, e eu próprio, escondido debaixo da barba e da sotaina de um frade.

in «O meu último suspiro», Edições Fenda, Lisboa, 2006.



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