Considerado uma obra de arte por ser o único filme do realizador, A Tragédia de Bushidô (1960) transporta-nos para um Japão onde fortificava um sistema baseado no código samurai, no qual, sempre que um senhor feudal morria, um samurai era escolhido para ser executado, permitindo-lhe assim acompanhar o seu mestre na morte e preservar a honra do clã. Com uma narrativa repleta de tragédia e crítica social, Eitaro Morikawa explora o conflito entre o tradicional e o moderno, e revela a impiedade de um sistema fundamentado na lealdade absoluta, que, no final, beneficia apenas aqueles que estão no topo da hierarquia social.
A história passa-se no Japão feudal e acompanha Iori, um jovem samurai de 16 anos, que recebe a ordem de cometer seppuku (suicídio ritual) para seguir o seu senhor na morte, um costume tradicional para preservar a honra do clã. Criado por sua cunhada Oko, esposa de seu irmão mais velho, Iori encontra nela uma figura materna e, ao mesmo tempo, uma presença ambígua dentro do código moral da época. Diante da iminente execução do jovem, Oko faz um pedido ao marido: passar a última noite com Iori para lhe ensinar os prazeres da vida antes que ele morra. Essa decisão gera um intenso conflito emocional e moral, acentuando as contradições do samurai.
Na manhã seguinte, no entanto, um decreto inesperado chega à família: a ordem de suicídio de Iori foi revocada por proibição do seppuku. O jovem, que até então havia aceitado o seu destino como inevitável, agora vê-se perdido diante de uma vida que já havia aceitado abandonar. A narrativa desenrola-se em torno da desconstrução da obediência cega à tradição e do impacto psicológico desse sistema, mostra como a honra e a obediência absoluta podem resultar em consequências trágicas.
O filme questiona se a honra imposta pelo samurai realmente glorifica os seus seguidores ou se apenas perpetua um ciclo de sofrimento e obediência irracional. A história de Iori torna-se, assim, uma metáfora sobre a brutalidade de um sistema que valoriza o sacrifício acima da vida.
A Tragédia de Bushidô é uma obra visualmente rigorosa que revoluciona a estética tradicional do jidai-geki e abandona a grandiosidade épica a favor de uma mise-en-scène intimista e opressiva. O filme utiliza enquadramentos geométricos e uma iluminação contrastada para enfatizar a rigidez do código de honra samurai e transforma o espaço fílmico numa prisão visual para os personagens.
O uso da luz e da sombra remete ao expressionismo, criando um ambiente de clausura. Os interiores são filmados com profundidade dramática, onde portas deslizantes e biombos não apenas dividem os personagens, mas também simbolizam barreiras morais e psicológicas intransponíveis. Os cortes secos e a montagem económica reforçam a rigidez da narrativa, sem excessos melodramáticos, apenas a dureza do destino e das tradições.
O movimento de câmara é contido, refletindo o peso das decisões impostas pelo samurai. No entanto, quando há deslocamentos são milimetricamente calculados e podem sugerir a tensão interna dos personagens. As cenas do pôr-do-sol, especialmente as que envolvem Oko e Iori, são carregadas de uma sensualidade reprimida, com sombras projetadas sobre os corpos num jogo de iluminação que sugere tanto desejo quanto inevitabilidade.
No fim, A Tragédia do Bushidô é uma experiência estética que ultrapassa o seu enredo, utiliza cada enquadramento, cada sombra e cada composição para reforçar a tensão entre a tradição e o desejo, ordem e desobediência. O filme é uma pintura fílmica da repressão, onde a beleza das imagens contrasta com a brutalidade do destino de seus personagens.
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