quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

O Monge Apostador (1963) de Shôgorô Nishimura



 Por António Cruz Mendes

É bem conhecida a aposta de Pascal: Deus existe ou não? Não existem provas indesmentíveis da sua existência, mas temos que decidir a nossa vida em função da resposta que dermos a essa pergunta. Ora, se apostarmos na sua existência e ela se revelar verdadeira, teremos um ganho infinito – podemos alcançar uma vida de eterna felicidade. Por outro lado, se ele não existir, a nossas perdas serão finitas, de importância relativamente pequena. Então, por que não apostar na existência de Deus? 

Aquilo que está em questão, para Shundô Harumichi, não tem a mesma transcendência, mas ele confronta-se com um dilema semelhante: Se o templo de Hojûin, o negócio que sustenta a sua família, está arruinado, se a sua reputação é deplorável, se lhe é impossível angariar os donativos necessários à sua reabilitação, então por que não apostar o seu pecúlio nas corridas de bicicletas? 

O argumento de Pascal foi rejeitado por muitos teólogos porque, partindo de uma posição agnóstica, se resolvia num cálculo de perdas e ganhos excessivamente semelhante ao dos homens dos negócios. Mas, no caso de Harumichi, esse problema não se coloca. Afinal, como ele próprio diz, realizar cerimónias fúnebres pode ser um dever de um monge, “mas quando se pede dinheiro em troca, já não se trata de religião. É um negócio”. 

Aliás, um negócio que ele nunca quis assumir. Obrigou-o a isso a morte do irmão e a pressão paterna e a sua aposta não deu os resultados esperados. Pelo contrário, conduziram-no, numa vertigem suicida, a uma sucessão de perdas que o conduziram ao álcool e à miséria. As tragédias acarretadas pelo vício do jogo têm sido um tema tratado por muitos autores. Na literatura, recordo O Jogador, de Dostoievki, ou 24 Horas da Vida de uma Mulher, de Stefen Zweig. Este último foi adaptado para o cinema por Robert Land, em 1931, e muitos outros filmes debruçaram-se sobre o assunto. Como nestas obras, em O Monge Apostador podemos seguir o processo de degradação moral a que o vício de jogo conduz a sua vítima. No entanto, o tema é aqui tratado de uma forma singular, entretecido com uma história de família que lentamente se vai desvendando e com uma outra história que decorre em paralelo, a história de Sokito, uma jovem violada pelo padrasto e explorada por uma proxeneta que procura protecção junto de Harumichi, o seu antigo professor. Curiosamente, um pretendente de Sokito, é o filho da velha alcoviteira, talvez atrasado mental, que passa o seu tempo a “filmar” com um brinquedo aquilo que se vai passando à sua volta… 

Neste cruzamento de várias histórias, o filme acaba por nos oferecer uma perspectiva do Japão do pós-guerra, uma sociedade onde a pobreza ainda persiste, sendo ela, como nos diz um colega de Haramuchi, “uma aflição que atravessa o cérebro” e que faz com que “os homens fiquem psicóticos” e percam “o seu raciocínio”. 

A dada altura, parece que o filme vai decidir-se num banal happy end... Mas, Nishimura contraria essa expectativa na sua cena final, de uma divertida ironia, onde vemos Harumishi assumir um novo papel, que lhe permite finalmente conciliar muito pragmaticamente a pregação dos ensinamentos budistas e os seus conhecimentos do mundo das apostas nas corridas de ciclismo. Enfim, um “monge apostador”.


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