domingo, 7 de dezembro de 2025

426ª sessão: dia 9 de Dezembro (Terça-Feira), às 21h30


An Affair to Remember de Leo McCarey, esta terça no Lucky Star – Cineclube de Braga

 
Durante o mês de dezembro, o Lucky Star – Cineclube de Braga apresenta o habitual ciclo de Natal. Neste mês serão exibidos dois clássicos, cujas narrativas decorrem na época natalícia, e uma sessão especial para os mais novos, composta por curtas-metragens de animação. Como é habitual, as sessões regulares ocorrem às terças-feiras na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, às 21h30.
 
A sessão “Curtinhas para Todos” acontece no dia 17 de dezembro, às 14h30, também na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.

Hoje é exibido An Affair to Remember (1957), realizado por Leo McCarey, remake a cores de Love Affair (1939), do mesmo cineasta. Durante uma viagem de cruzeiro, Nickie Ferrante, um playboy sedutor, e Terry McKay, uma cantora independente, conhecem-se e apaixonam-se. Apesar de ambos estarem comprometidos, prometem reencontrar-se seis meses depois, no topo do Empire State Building, para confirmar se o amor resiste ao tempo. Mas o destino interfere, um trágico acidente impede o encontro e o futuro dos amantes toma um rumo incerto. Com Cary Grant e Deborah Kerr, McCarey assina um dos romances mais intemporais do cinema norte-americano.

O filme foi nomeado para quatro Óscares: Melhor cinematografia, Melhor Guarda-Roupa, Melhor Banda Sonora e Melhor Canção Original. Apesar de não ter vencido, tornou-se um clássico absoluto. Revalorizado ao longo das décadas e tido como um dos filmes mais românticos de sempre, ficou imortalizado na cultura popular, como em Sleepless in Seattle ou Sintonia de Amor, de 1993.

Leo McCarey (1898 - 1969) alternou entre drama e comédia ao longo da sua carreira. Começou nos estúdios de Hal Roach, onde trabalhou com Laurel & Hardy, e ganhou dois Óscares de Melhor Realização por The Awful Truth (1937) e por Going My Way (1944).
 
Destacam-se ainda os filmes: Love Affair” (1939), Duck Soup (1933) e Ruggles of Red Gap (1935), Good Sam (1948) e My Son John (1952). O seu trabalho influenciou várias gerações de realizadores pela forma como articulava elementos cómicos e dramáticos na estrutura narrativa, evitando a separação rígida dos géneros.

As sessões do Lucky Star ocorrem no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva às terças-feiras às 21h30. A entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da biblioteca e três euros para o público em geral. Os sócios do cineclube têm entrada livre. A sessão “Curtinhas para Todos” é gratuita.

Até terça!


quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

A Christmas Carol (1938) de Edwin L. Marin



por Jessica Sérgio Ferreiro 
 
Durante o mês de dezembro, o Lucky Star – Cineclube de Braga apresenta o habitual ciclo de Natal. Neste mês serão exibidos dois clássicos, cujas narrativas decorrem na época natalícia, e uma sessão especial para os mais novos, composta por curtas-metragens de animação. O ciclo abre com um dos filmes natalícios mais emblemáticos de Hollywood, A Christmas Carol (1938), de Edwin L. Marin, que ocupa um lugar especial no cinema de Natal. Na próxima sessão será a vez de An Affair to Remember (1957), de Leo McCarey, um dos romances mais influentes da história cinematográfica norte-americana, realizado por Leo McCarey e protagonizado por Cary Grant e Deborah Kerr. An Affair to Remember é uma obra de elegância intemporal, onde o amor, o azar e o destino se cruzam num melodrama que marcou profundamente a cultura popular. 
 
A Christmas Carol (1938) é uma das adaptações mais marcantes do célebre conto de Charles Dickens, que permanece, desde 1938, como uma das versões canónicas da história de Ebenezer Scrooge. Este filme sucedeu a várias versões anteriores, incluindo a primeira adaptação cinematográfica muda Scrooge, or, Marley’s Ghost (1901), de Walter R. Booth, igualmente fundamental e pioneiro, que inaugurou a presença deste conto no grande ecrã. Não obstante, a versão de 1938 é essencial para compreender como o conto de Natal se consolidou como tradição audiovisual.
 
O filme centra-se em Ebenezer Scrooge, um homem avarento e solitário que despreza o espírito de Natal. Na véspera, é visitado pelos fantasmas do Passado, do Presente e do Futuro, que o conduzem por uma metanoia completa. Produzido pela Metro-Goldwyn-Mayer, o filme tornou-se um clássico de Natal incontornável, firmando no cinema a figura de Scrooge como arquétipo. Substituindo inicialmente Lionel Barrymore, que ficou impossibilitado de representar o papel por motivos de saúde, Reginald Owen interpreta um Scrooge simultaneamente austero e vulnerável, cuja transformação interior se torna o centro emocional do filme. A atmosfera natalícia, recriada com detalhes de época, envolve o espectador numa Londres vitoriana caracterizada pela pobreza, mas onde o cunho moral da narrativa apela à solidariedade e à esperança.
 
A chegada do Fantasma de Jacob Marley é um dos momentos mais fortes do filme. A aparição de Marley, envolta numa atmosfera fantasmagórica prepara o tom moralista da narrativa. Outrora sócio de Ebenezer Scrooge, o Fantasma de Jacob Marley, regressa do além para alertar o velho forreta. Preso a correntes que materializam a culpa e a vida dedicada apenas ao lucro, Marley surge como figura inquieta e penitente, cuja visita serve de aviso: se nada mudar, Scrooge acabará condenado ao mesmo destino. É Marley, ainda, quem anuncia a chegada dos Fantasmas do Passado, do Presente e do Futuro, que irão guiar o protagonista até à redenção. Destaca-se, ainda, a cena com o Sr. Fezziwig, patrão respeitador dos seus trabalhadores, generoso e alegre, este episódio funciona como contraponto ao mundo frio, avarento e solitário de Scrooge.
 
O desenlace da trama culmina na manhã de Natal em que a transformação de Scrooge se conclui numa sequência cheia de energia, onde o personagem abandona o peso da amargura e se “reconcilia com o Mundo”. A cena em que compra o peru para a família Cratchit é emblemática e representa a generosidade e a partilha, inspiradas pelo espírito natalício. Por fim, o filme encerra com a prece compassiva: “Deus nos abençoe a todos”, exclamada por Tiny Tim, para rematar o corolário da história: a importância do cuidado e da bondade num mundo marcado por desigualdades sociais. 
 
 
 

domingo, 30 de novembro de 2025

425ª sessão: dia 2 de Dezembro (Terça-Feira), às 21h30


O Natal começa já na próxima terça com o cinema clássico no Lucky Star – Cineclube de Braga

Durante o mês de dezembro, o Lucky Star – Cineclube de Braga apresenta o habitual ciclo de Natal. Neste mês serão exibidos dois clássicos, cujas narrativas decorrem na época natalícia, e uma sessão especial para os mais novos, composta por curtas-metragens de animação. Como é habitual, as sessões regulares ocorrem às terças-feiras na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, às 21h30. A sessão para os mais pequenos acontece no dia 17 de dezembro, às 14h30, também na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva.

Hoje, 2 de dezembro, o ciclo de dezembro começa com o clássico “A Christmas Carol,” (1938), realizado por Edwin L. Marin, uma das adaptações mais marcantes do célebre conto de Charles Dickens que ocupa um lugar especial na história do cinema. Este filme sucede a várias versões anteriores, incluindo a primeira adaptação cinematográfica muda “Scrooge, or, Marley’s Ghost” (1901), de Walter R. Booth, filme igualmente fundamental e pioneiro que inaugurou a presença deste conto no grande ecrã. Não obstante, a versão de 1938 é essencial para compreender como o conto de Natal se consolidou como tradição audiovisual. 

O filme centra-se em Ebenezer Scrooge, um homem avarento e solitário que despreza o espírito de Natal. Na véspera, é visitado pelos fantasmas do Passado, do Presente e do Futuro, que o conduzem a um caminho de reflexão e mudança. Produzido pela Metro-Goldwyn-Mayer, o filme tornou-se um clássico incontornável desta época festiva, firmando no cinema a figura de Scrooge como arquétipo.

A interpretação de Reginald Owen como Scrooge confere ao personagem uma transformação profunda e convincente: da avareza gelada à descoberta da compaixão e da alegria, guiado pelas visitas dos Fantasmas do Passado, Presente e Futuro. A atmosfera natalícia, recriada com detalhes de época, envolve o espectador numa Londres vitoriana onde pobreza, solidariedade e esperança entram em confronto directo.  Embora a obra tenha conhecido inúmeras adaptações ao longo das décadas, a versão de Marin destaca-se pelo equilíbrio entre dramatização e fantasia, captando o espírito moral e humano presente no texto de Dickens. 

As sessões do Lucky Star ocorrem no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva às terças-feiras às 21h30. A entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da biblioteca e três euros para o público em geral. Os sócios do cineclube têm entrada livre.
 
Até terça-feira! 



quinta-feira, 27 de novembro de 2025

NO OTHER LAND (2024) de Basel Adra, Rachel Szor, Yuval Abraham e Hamdan Ballal



Por Laura Mendes
 
O último filme que compõe o ciclo “Palestina Livre: O Cinema como Resistência” traz-nos um dos mais recentes registos da invasão, ocupação e anulação de um sem-número de vidas palestinianas. Estreado em 2024, realizado por um conjunto de ativistas pró-Palestina – entre eles, dois israelitas, Yuval Abraham e Rachel Szor –, No Other Land reclama o direito à imagem e à sua divulgação, no seio de um conflito armado.
 
De caráter brutalmente documental, inunda-nos, desde logo, de sinais de perigo: Basel Adra chega-nos com luzes e mensagens em pano de fundo, a tensão do acontecimento porvir está sempre presente e o jornalismo é, aqui, inseparável do ativismo, já que a tentativa de ocultação e humilhação impele a uma cada vez maior luta do jornalista pela verdade. Porque este é um jornalismo de mão, e o telemóvel, mediador por excelência, deixa de ser um objeto banal, onde o consumo de notícias é privilegiado, e passa a ter um papel fulcral na produção e documentação do real.
 
A problemática central de No Other Land é o registo imagético, a forma como a imagem não trabalhada, o retrato visceral, são ocultados, fortemente censurados, e como o combate dos filhos do ativismo contra a falsa autoridade faz uso da câmara para a denúncia e divulgação de práticas desumanas. Sendo este um conflito que atravessa anos e décadas, temos acesso a alguns dos registos feitos pelos pais de Basel – também eles ativistas –realçando o caráter geracional da luta travada através da tecnologia, da consciencialização, da atitude pública.
 
Uma luta de comunidade, que une pessoas – e vemos a centralidade do ato da manifestação conjunta – cuja dinâmica de entreajuda consegue (na maioria das vezes) ultrapassar as dissidências culturais e políticas: a certa altura, Yuval, israelita e co-realizador do filme, é confrontado com os atos cometidos por parte do seu país, sendo a conversa rapidamente interrompida pela necessidade de trabalhar na reconstrução de algumas casas – um momento que nos revela como o espaço para o diálogo, para o debate e formulação de problemas e soluções é posto em causa, e muitas vezes travado, por necessidades básicas, tal como o é um lugar onde viver.
 
A união dentro desta população é incontornável, fruto da brutalidade injusta que sofrem juntos, vendo nós na violência filmada, mais do que a homenagem ao próximo, ao amigo resistente, a insurreição contra o apagamento destes atos destrutivos. Tratando-se de um combate corpo a corpo, a câmara adquire uma materialidade confrontacional – como arma, denuncia e questiona práticas abusivas mas, à semelhança do que acontece com quem a segura, é também vítima da força impiedosa – palavra contra palavra, imagem contra imagem, o panorama abre-se e torna-se esta uma história de poder.
 
Assistimos ao desabar de Masafer Yatta sob a proteção de leis enviesadas, em nome da substituição fria e cruel da vida pelo armamento – em causa, o conjunto de declarações que afirmam que esta é uma terra israelita, exclusiva para treino militar, tendo como consequência a expropriação e expulsão de palestinianos aí residentes. Escolas e habitações destruídas, poços tapados, vários mortos e feridos às mãos do governo israelita personificado nos militares e, principalmente, em Ilan, essa figura cínica e impenetrável, conhecida da população que tantas vezes tentou o apelo à paz, à humanidade.
 
A contínua missão pela visibilidade mediática é dolorosa, incoerente e, por vezes, paralisadora, mas exige de quem é por ela responsável uma ação paciente e reivindicadora. Apesar de tudo, é o desespero que tende a vencer – observamo-lo na mãe de Harun Abu Aram (alvejado e deixado incapacitado pelos colonos, tendo posteriormente falecido), ao ver jornalistas entrar e sair da gruta feita sua casa, ambicionando partilhar a história do seu filho, no entanto sem que nada mude. Quando a família assiste ao que diz a televisão sobre a sua própria situação, temos o expoente da impotência, uma meta-reflexão que, dirigindo-se a nós, perpassa questões tal como a imunidade mediática, a insensibilidade a que somos sujeitos face às assoberbantes notícias que consumimos todos os dias, e de que maneira esta nossa condição paradoxalmente ausente e passiva tem repercussões irremediáveis para as pessoas que vivem em estado permanente de perigo e angústia.
 
A dimensão política externa aqui representada assenta na fé na comunidade internacional, na esperança de que os retratos íntimos do que se passa na Palestina cheguem até nós, estimulem uma reação naqueles que podem lutar por quem mais precisa. Revela-se, inclusive, a influência exercida por nomes poderosos e estruturais, com a menção à visita de Tony Blair, ex-primeiro ministro britânico (note-se o papel deste país no conflito), cuja presença impediu a demolição de uma escola, anos depois destruída – asseverando a simultânea fragilidade destas ações políticas às quais, na verdade, apenas subjazem interesses e manobras camuflados por valores humanos e democráticos.
 
Ainda que uma obra aclamada – galardoada com vários prémios internacionais de cinema, inclusive o Óscar de Melhor Documentário –, não se revelou um escudo contra as forças hostis; pelo contrário, não só foi Basel Adra alvo de várias rusgas a sua casa –atos repetidamente perpetrados durante os quatro anos de gravação do documentário, e após o lançamento do mesmo –, como também um dos elementos da equipa do filme, Awdah Hathaleen, foi morto, provando a perpetuidade deste ciclo de violência, desrespeito e perseguição, ao mesmo tempo que uma massiva incapacidade de travá-lo. No Other Land mostra-nos, acima de tudo, de que modo o cinema deixa de ser o espaço que nos envolve, e fabulando territórios nos quais acreditamos, transformando-se, ao invés, no intermediário do real – atentando-nos para ele – que, de tão afastado e manipulado, passa por imaginário. 
 
 
 

domingo, 23 de novembro de 2025

424ª sessão: dia 25 de Novembro (Terça-Feira), às 21h30


Esta terça, “No Other Land” no Lucky Star – Cineclube de Braga

Durante o mês de novembro, o Lucky Star – Cineclube de Braga apresenta o ciclo “Palestina Livre: O Cinema como Resistência”, dedicado a quatro obras fundamentais do cinema palestiniano contemporâneo. De diferentes épocas e gerações, estes filmes partilham uma mesma urgência: a de pensar o território, a memória e a sobrevivência cultural de um povo que resiste através da imagem. Como é habitual, as sessões ocorrem às terças-feiras na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, às 21h30.

Na próxima terça-feira, 25 de novembro, o ciclo encerra com No Other Land (2024), realizado por Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor, um dos documentários mais marcantes e urgentes surgidos do contexto palestiniano nos últimos anos.
 
Filmado ao longo de vários anos na área de Masafer Yatta, na Cisjordânia ocupada, o filme acompanha, a partir de dentro, a luta das comunidades palestinianas ameaçadas de expulsão pelo exército israelita. O olhar que o filme propõe não é o de observadores externos, mas o de quem vive diariamente a violência estrutural, a demolição de casas e a erosão sistemática das possibilidades de futuro.

Construído a quatro mãos, por realizadores palestinianos e israelitas que trabalham lado a lado, No Other Land torna-se também um gesto político sobre a própria possibilidade da cooperação no meio do apartheid e da violência física e simbólica que o sustenta. A câmara funciona como testemunha, mas também como ferramenta de resistência que regista, denuncia e devolve visibilidade às vidas que o poder ocupante e colonial tenta destruir.

Após a sua estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale) em 2024, onde ganhou tanto o Prémio de Melhor Documentário da Berlinale como o Prémio do Público Panorama, o filme foi galardoado com o Óscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem na 97.ª edição, a primeira vez que um filme palestiniano recebeu tal honra. Recebeu ainda o Prémio de Melhor Documentário de Longa-Metragem nos IDA Awards e o prémio de Melhor Documentário Individual – Internacional nos Grierson British Documentary Awards, para além de vários prémios do público noutros festivais como o CPH:DOX, Visions du Réel e o IndieLisboa.

As sessões do Lucky Star ocorrem no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva às terças-feiras às 21h30. A entrada custa um euro para estudantes, dois euros para utentes da biblioteca e três euros para o público em geral. Os sócios do cineclube têm entrada livre.

Até terça-feira!


quinta-feira, 20 de novembro de 2025

FORAGERS (2022) de Jumana Manna



por António Cruz Mendes

Jumana Manna nasceu nos EUA, mas cresceu em Jerusalém e estudou em Oslo. É uma artista plástica que se exprime através da escultura, da instalação e também do cinema. Forrageadores é um filme híbrido porque associa ficção e documentário. Em 2022, ganhou um Prémio Harrell de Melhor Documentário (Menção Especial) no Festival Internacional de Cinema de Camden em 2022 e venceu o prémio principal no Festival Olhares do Mediterrâneo em 2023.

A subjugação do povo palestiniano que vive em Israel tem aspectos políticos, económicos e culturais. Em Forrageadores, podemos perceber como essas diferentes dimensões se entrecruzam. As disputas em torno da recolecção e venda de plantas usadas na culinária palestiniana tradicional bastam para possamos compreendê-lo.

Ser capaz de nos oferecer uma visão ampla de uma situação complexa através de um pequeno exemplo, é uma das qualidades deste filme de Jumana Manna. Sem recorrer a diálogos ou quaisquer depoimentos, em poucos minutos, as primeiras sequências do filme põem-nos a par da situação. Na primeira cena, um plano geral visto a vol d’oiseau, vislumbrarmos um pequeno vulto andando de arbusto em arbusto. Depois, o grande plano de um homem de meia-idade, o rosto sulcado pelo tempo, a fumar sozinho dentro de um carro. Na terceira, outro carro estaciona e dois polícias saem dele para uma “última ronda”. Vigiam com os seus binóculos as colinas onde circulava a primeira personagem. Por fim, aquele que fumava dentro do carro, aproxima-se do carro da polícia e, calma e metodicamente, esfaqueia-lhe cada um dos pneus.

Na origem deste conflito que, sem sobressaltos, vemos desenrolar-se nos primeiros minutos do filme, está o za’atar e o akkoub, plantas usadas na cozinha palestiniana. Todos sabemos que a culinária tradicional de um país é uma parte relevante da sua identidade cultural. Noutras sequências de Forregeadores, vemos pessoas podando os arbustos que dão o za'atar. Estamos na Primavera. São imagens de grande beleza, serenidade e comunhão com a natureza. É uma prática quase ritual, tal como é a da preparação das comidas refeições e da refeição em família.

Porém, a recolecção do za’aar e do akkoub é proibida, aparentemente por se tratarem de espécies em perigo de extinção. Entretanto, a sua produção é permitida nas plantações de proprietários israelitas. De facto, ela é pouco consumida entre a população judaica, mas, os palestinianos residentes em Israel são um mercado importante. Além disso, todos os anos, a Cisjordânia é visitada por muitos milhares de palestinianos emigrados e a sua exportação é um negócio altamente lucrativo. Então, porque é que os palestinianos não fazem o mesmo, em vez de apanharem o za’atar selvagem? Porque não têm terra. Os terrenos onde cresce o za’atar e, que outrora pertenciam às suas aldeias, foram expropriados pelo Estado israelita. Além disso, não têm dinheiro para pagar os seguros que protegem os proprietários privados nos anos de colheitas más. Será que a lei israelita de “protecção da natureza” não visa outra coisa senão a de proteger esse comércio tão lucrativo de uma concorrência indesejável?

No filme, assistimos ao interrogatório policial de homens e mulheres palestinianos apanhados a apanhar ilegalmente za’atar. São filmados por uma câmara fixa em posição frontal. O polícia que os interroga fica fora de campo. É a nós, espectadores, que eles encaram. É, portanto, também a nós que nos cabe julgá-los. Como se defendem? Alegam que apenas fazem o que sempre fizeram os seus antepassados. Um deles recusa tratar-se de uma planta em perigo de extinção porque “ninguém a arranca pela raiz e todos os anos ela volta a crescer”. Muitos negam que o façam para comercializar, mas apenas para poderem alimentar a sua família. Um deles afirma que desobedece à lei porque “esta terra não é sua” e essa “é uma lei de merda”. Já foi condenado várias vezes, provavelmente sê-lo-á outras mais. “Que se dane!” A sua atitude é de resistência passiva, de “desobediência civil” perante uma lei injusta. Segue, provavelmente sem o saber, os ensinamentos de Thoreau, que também inspiraram figuras como Gandhi e Martin Luther King.

As sequências finais mostram-nos um casal de emigrantes que revisitam os sítios onde moraram. São imagens de serenidade e beleza, mas tingidas de nostalgia. Será que, um dia, poderão regressar? 

 

 

Folha de Sala