quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

74ª sessão: dia 12 de Janeiro (Sexta-Feira), às 21h30


No auge absoluto da sua fama, conquistada com a sua personagem do vagabundo, presente em tantas curtas e em The Kid, estreado dois anos antes, Charles Chaplin largou os farrapos e ficou apenas atrás das câmaras, esperando lançar assim a carreira de Edna Purviance, sua musa e colaboradora na Essanay, na Mutual e na First National. Inspirado nas aventuras amorosas de Peggy Hopkins Joyce, estreou em 1923 A Woman of Paris, que será a nossa próxima sessão, apresentada em vídeo por Joseph McBride, um repórter de investigação que privou com Hawks, Ford, Capra ou Orson Welles e que lançará, este ano, um livro sobre o cineasta alemão Ernst Lubitsch.

O público americano não gostou deste lado mais dramático de Chaplin (ignorando ou fingindo que ignorava que ele estava presente em quase todos os seus filmes) e o filme foi um insucesso. Mas acabou por se tornar um marco na evolução da comédia norte-americana, tornando-se o elo improvável entre as críticas de costumes glamorosas de Cecil B. DeMille e a tenacidade cómica sofisticada de Lubitsch.

David Robinson, autor de Chaplin, His Life and Art, escreveu que "com A Woman of Paris, Chaplin inaugurou todo um novo estilo de comédia de costumes, e novos estilos de interpretação que se lhe adequavam. O próprio génio de Chaplin como actor cómico baseava-se na sua observação do comportamento humano. Agora, ele punha em prática as suas descobertas com um drama sério - explorando formas de revelar as agitações interiores dos corações e das mentes das suas personagens através das suas acções e expressões exteriores.

"Ele encontrou intérpretes ideais para as suas ideias com o brilhante Adolphe Menjou e em Edna Purviance, com a sua longa experiência em interpretar as ideias de Chaplin. Eles interpretam os seus papéis com uma subtileza miraculosa, e uma restrição sem precedentes, nesta altura. Chaplin fez um comentário profundo sobre as suas descobertas e sobre toda a arte da melhor interpretação para o ecrã: “Como reparei… os homens e as mulheres tentam esconder as suas emoções em vez de as tentar expressar. E foi esse o método que eu persegui… tornar-me o mais realista possível”."

João Bénard da Costa, no segundo volume dos seus Filmes da Minha Vida, escreveu que "A Woman of Paris abre com um dos avisos mais estarrecedores que já apareceu em qualquer filme. Textualmente, diz-se: «In order to avoid any misunderstanding I wish to announce that I do not appear in this picture. It is the first serious drama written and directed by myself.» Assinado: CHARLES CHAPLIN.

"Nenhum outro realizador, nesse ou em outro tempo, podia começar um filme assim. Ou, se começasse, o ridículo matava-o. Nenhum outro actor-realizador (ou actor passado a realizador) ousaria começar um filme assim, por mais célebre que fosse ou seja. Talvez não fosse vítima do ridículo, mas seria vítima dos misunderstandings que afirmava querer evitar.

"Basta um tal aviso para se perceber como Chaplin foi um caso único e para se perceber como Chaplin era já um caso único em 1923, ano da estreia de A Woman of Paris. Era - e sabia que o era - o mais famoso nome do cinema mundial e, talvez, o homem mais famoso do mundo.

"Mas essa fama devia-a à personagem que criara e interpretara, em mais de 70 filmes, desde a estreia de Making a Living, a 2 de Fevereiro de 1914, quando tinha 24 anos. Em 1923, aos 34, Chaplin era Charlot. Um sem o outro não eram concebíveis. Por isso, ao eliminar Charlot, e ao eliminá-lo pela primeira e única vez (antes de definitivamente o «matar» em The Great Dictator, dezassete anos depois), Chaplin sentiu-se obrigado a dizer quem era. Como se nos avisasse: vão ficar privados de mim, mas só de uma parte de mim. Eu, myself, Charles Chaplin, estou aqui, embora ausente. Eu, myself, escrevi e realizei o filme. Embora eu, myself, não apareça nele como Charlot."

No seu Dictionnaire du Cinéma - Les Films, Lourcelles escreveu que Woman of Paris é a "segunda longa-metragem de Chaplin depois de The Kid. É também o primeiro dos seus filmes em que não aparece como actor principal, experiência que só repetirá no decepcionante Condessa de Hong Kong. Aqui, Chaplin está no auge da sua arte e esta obra, aparentemente marginal na sua carreira, diz muito sobre si próprio e sobre a sua visão do mundo. É como se todo o cenário e todo o fundo social dos seus outros filmes passassem subitamente a primeiro plano, desaparecendo ao mesmo tempo a personagem de Charlot, a emoção melodramática e a vitalidade burlesca. Chaplin aparece aqui apenas como pintor de costumes – e que pintor de costumes ! – irónico e cruel, sem complacências nem compaixão pelo seu trio de personagens, aos quais deixou uma complexidade e uma amoralidade assombrosas. Durante toda a intriga, eles não terão senão aquilo que mereceram e o seu destino, dentro de um mundo impiedoso e finalmente « justo », vai ser digno dos seus caracteres em todos os aspectos. É esta a dura lição que emerge de um filme rodado sem argumento, ao critério da inspiração e da virtuosidade vertiginosa do autor. Invisível durante décadas, A Woman of Paris parece hoje extraordinário pela modernidade, pela aridez expressiva, pela sobriedade interpretativa, pela concisão na narrativa, pela acuidade da repartição, repleta de elipses fulgurantes. O classicismo é aqui absoluto. Nenhum ornamento, nenhum tempo morto. Menjou e os outros actores interpretam com uma força e uma economia de meios raríssimas neste começo dos anos 20, em que o filme teve o efeito de uma bomba, aos olhos dos mais lúcidos. Chegamos quase a lamentar que Chaplin não tenha deixado mais vezes os atributos e os acessórios da sua personagem para se exprimir apenas atrás da câmara. Mas o filme não foi bem sucedido e Chaplin retomou o seu personagem, que levou então para as encostas do Alaska."

Até Sexta-Feira!

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