domingo, 4 de fevereiro de 2018

79ª sessão: dia 6 de Fevereiro (Terça-Feira), às 21h30


Começa Fevereiro e Chaplin abraça a modernidade, expondo as injustiças sociais dos seus tempos e pagando depois o preço. Tempos Modernos é a nossa próxima sessão e foi o primeiro filme em que se ouviu a voz de Charlot, mas a fronteira entre o "falado" e o "mudo" é indestrinçável. Ficam as danças e os combates do vagabundo com as máquinas infernais, para sempre no nosso imaginário porque a batalha ainda não acabou.

Sobre o nascimento do projecto, Chaplin escreveu na sua autobiografia que "lembrei-me de uma entrevista que tinha tido com um jovem repórter bem esperto no New York World. Ao ouvir que eu estava a visitar Detroit, falou-me do sistema de esteiras transportadoras lá – uma história lancinante da grande indústria a atrair jovens saudáveis para fora das suas quintas e que depois de quatro ou cinco anos no sistema de esteiras se transformaram numa pilha de nervos.

"Foi essa conversa que me deu a ideia para Tempos Modernos. Usei uma máquina de alimentação como utensílio de poupança de tempo, para que os trabalhadores pudessem continuar a trabalhar durante a hora do almoço. A sequência da fábrica resolvia-se com o vagabundo a ter um colapso nervoso. O enredo desenvolveu-se a partir da sequência natural de acontecimentos. Depois da sua cura, ele é preso e conhece uma rapariga que também foi presa por roubar pão. Eles encontram-se num carro-patrulha da polícia repleto de infractores. Daí em diante, o tema são dois seres sem importância a tentar lidar com os tempos modernos. Estão envolvidos na Depressão, nas greves, nos motins e no desemprego. A Paulette estava vestida com trapos. Quase chorou quando lhe pus borrões na cara dela para a fazer parecer suja. "Esses borrões são pontos de beleza," insisti eu.

"É fácil vestir uma actriz de forma atraente em roupas elegantes, mas vestir uma florista e torná-la atraente, com em Luzes da Cidade, foi difícil. As roupas da rapariga em A Quimera do Ouro não foi um problema tão grande. Mas o vestuário de Paulette em Tempos Modernos precisou de tanto pensamento e subtileza como uma criação da Dior. Se as roupas de uma rapariga são tratadas sem esmero, as manchas parecem teatrais e pouco convincentes. Ao vestir uma actriz como um malandro da rua ou uma florista eu quis criar um efeito poético e não afastar-me da personalidade dela."

O grande Gerald Mast, mais uma vez em Comic Mind, escreveu que "Tempos Modernos, ao contrário dos filmes iniciais de Chaplin, mostra várias influências cinematográficas claras. Começa com uma montagem que é Eisenstein evidente. Chaplin faz um dissolve entre um plano de ovelhas a serem encaminhadas para um redil para a matança e um plano de homens a saírem de uma entrada do metro para dentro de uma fábrica. Tanto o método de montagem como a imagética animal são ecos de Greve. As paredes áridas da fábrica e os padrões geométricos das máquinas lembram inequivocamente Metropolis de Lang. Mas o paralelo mais próximo é entre Tempos Modernos e À Nous la Liberté de René Clair. Como no filme anterior de Clair, Chaplin faz um paralelo entre prisões e fábricas. No entanto, a ironia de Tempos Modernos é que Charlie está melhor—melhor alimentado, melhor protegido, mais em paz com os seus companheiros—na prisão do que fora dela. Mas não é aí que Clair quer chegar. Quando Clair acha a sociedade industrial tão sufocante como a prisão, na sua metáfora, Chaplin acha a prisão mais confortável e segura do que uma sociedade caótica, assolada pela fome e dominada pela Depressão. E se a acção final de Clair, em que os dois amigos deixam a sociedade e se fazem à estrada como vagabundos, também se repete em Tempos Modernos, é igualmente verdade que Charlie tinha andado a voltar as costas à sociedade e a vaguear pela estrada há 20 anos. No entanto, os dois filmes pareceram tão semelhantes aos olhos da Tobis Klangfilms, a companhia que produziu o filme de Clair, que eles processaram Chaplin por plágio. Eventualmente desistiram da queixa quando Clair, honrado com os paralelos de Chaplin, convenceu os seus patrões que a influência de Chaplin tinha sido enorme para ele. 

"Embora até Huff, o biógrafo de Chaplin, achasse À Nous la liberté melhor filme que Tempos Modernos na sua perspectiva em 1951, esse julgamento não parece válido 20 anos depois. Há uma ironia e um cinismo subjacentes em Tempos Modernos que parecem bem mais apropriados ao seu tema social do que o optimismo ingénuo e fantasioso de Clair. Tempos Modernos regressa ao tom cáustico de Easy Street e Sunnyside, sem nunca se esquecer de ser engraçado ao mesmo tempo. Pelo que quer que o filme possa ter sido influenciado, ainda é Chaplin puro."

Já Jacques Lourcelles, na sua entrada sobre Tempos Modernos no Dictionnaire du Cinéma - Les Films, escreveu que "oo longo dos anos, as durações dos filmes de Chaplin alongam-se tanto como as das rodagens e do intervalo que separa duas obras. (A rodagem dos Tempos Modernos durou dez meses e foram impressos cerca de cem mil metros de película.) Simultaneamente, a ambição e a universalidade do autor aumentam, mas o seu sucesso, nem sempre (o de Tempos Modernos vai ser muito misto). Inspirado muito parcialmente por A nous la liberté de René Clair, Chaplin fornece aqui um grande fresco sobre (e contra) o maquinismo, atacado em nome da dignidade do indivíduo. O filme é também uma sátira direccionada contra a mecanização de toda a vida social, que leva ao julgamento dos homens apenas em função do rendimento e das aparências. Quantos mal-entendidos e confusões nesta intriga! Eles tanto têm lugar na prisão e na fábrica (outra cadeia) como na rua e fornecem ao autor uma fonte interminável de gags e de situações cómicas. Chaplin é um individualista desmedido, tanto como personagem como criador. Cinco anos depois da estreia das Luzes da Cidade (Fevereiro de 1931, em Nova Iorque), ele insiste em oferecer ao público um filme sonoro mas não falado em que os «diálogos» consistem principalmente de burburinhos, latidos e gritos diversos e, por fim, numa canção de palavras amorfas interpretada pelo próprio Chaplin, cuja voz ouvimos pela primeira vez. O som permanece objecto de escárnio, para ele, e sujeito a muitos gags: ex. o cão que ladra quando ouve os barulhos de estômago da mulher do pastor que visita a prisão. Em Chaplin, o riso vem ao mesmo tempo do que é mais profundo no tema (a sociedade vista como lugar privilegiado do triunfo das mâscaras e das imposturas) e de uma virtuosidade rara em empregar ou em recusar esta ou aquela técnica (aqui, a sonorização usada contra o diálogo). Tecnicamente, o estilo de Chaplin, sob uma simplicidade aparente, torna-se cada vez mais amadurecido e sofisticado: ver por exemplo a penúltima sequência do restaurante e a sua mistura de planos fixos (dentro da cozinha) com planos em movimento, logo que Chaplin entra para a pista e na sala em que jantam os clientes. Paulette Goddard interpreta uma das heroínas menos interessantes da obra de Chaplin. A sua personagem, desprovida de relevo e de emoção, serve sobretudo para assegurar, no final, a vitória do amor aliado ao individualismo contra o anonimato servil e a crueldade da sociedade. Tempos Modernos surge como o filme mais dinâmico e mais sereno do autor. Certo, o indivíduo é essencialmente a vítima da sociedade, mas é uma vítima que de vez em quando se pode rir daquilo que o oprime, passando pelas fissuras e pelas engrenagens da máquina.

"Nota: O terceiro episódio da série « Unknown Chaplin » de K. Bronwlow e David Gill contém uma cena cortada dos Tempos Modernos : sarilhos de Chaplin com um polícia no meio de um trânsito muito intenso."

Até Terça!

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