terça-feira, 25 de março de 2025

Disponível para Amar (2000) de Wong Kar-Wai




por António Cruz Mendes

A solidão, o desejo do amor e a impossibilidade da sua realização, são temas recorrentes na filmografia de Wong Kar-wai. Ainda na nossa última Folha de Sala, a Catarina Bernardo justamente o assinalou a propósito de Felizes Juntos. Podemos igualmente encontrá-los em Chunking Express ou em Anjos Caídos, também exibidos neste ciclo dedicado ao realizador de Hong Kong.
 
Porém, em Disponível para Amar, realizado três anos depois do filme da semana passada, o tom é mais melodramático e o ritmo do filme é radicalmente diferente. À dinâmica trepidante dos filmes anteriores, sucede uma cadência dolente, pontuada por imagens em slow motion e sublinhada pela banda sonora, pela valsa triste de Shigeru Umebayashi e pelas canções de Nat King Cole. São imagens perpassadas por uma condoída melancolia que denotam a fraqueza dos protagonistas perante as circunstâncias e os acasos da vida.
 
Chow Mo-wan, jornalista, e Su Li-zhen, secretária, ao contrário de outras personagens de Wong Kar-wai, não são figuras transgressoras. A sua vida é rotineira e nem a revelação da traição dos seus cônjuges suscita neles uma atitude de revolta. O seu mal-estar permanece sufocado, não se manifesta publicamente. Contudo, a sua situação aproxima-os e, lentamente, a partilha do seu desgosto vai-se transformando em compreensão e cumplicidade. Um caminho que os dois vão percorrendo, assinalado por pequenos gestos e olhares. À medida que a sua afeição se sedimenta, a cor vermelha passa a estar cada vez mais presente, seja nos corredores do hotel onde se encontram seja nos vestidos de Su. Contudo, nenhum deles tem a coragem de assumir a sua paixão.
 
Nunca vimos o rosto do Sr. Chang ou da Sra. Chow, que têm uma passagem muitíssimo fugaz nas primeiras sequências do filme. Sabemos que estão ausentes, mas a sua presença fantasmática será determinante. O patrão de Su mantém uma relação extraconjugal e o amigo de Chow frequenta prostíbulos, mas “nós não seremos como eles”, repetem-nos mais do que uma vez. Em diferentes momentos, close-ups dos seus dedos mostram-nos as suas alianças. O seu respeito pelas convenções, o receio do julgamento dos seus vizinhos, que tratam Su pelo nome do marido, impede-os de assumir o seu amor.
 
Em Disponível para Amar e até à sequência final, não vemos a luz do dia, nem planos abertos. Chow e Su estão sempre presentes, muitas vezes sozinhos, quase sempre alheados dos que os rodeiam. Os espaços claustrofóbicos do prédio onde habitam, percorridos por estreitas escadas e corredores, onde se acotovelam os seus hospedeiros, são uma expressão visual do seu confuso mundo interior, uma solidão povoada pelo olhar insistente dos outros. A câmara parece por vezes espreitar por estreitas aberturas os espaços onde cada um deles se refugia. Parece querer convidar-nos também a nós, espectadores, a sondar furtivamente a sua intimidade. Só à noite, em locais públicos, mas de facto desertos, conseguem reunir-se a sós. Ensaiam, então, confrontações e despedidas… Em vão. O senhor Chang terá regressado ou não a casa, mas a separação é inevitável. E nessa noite de chuva torrencial, a primeira e a última em que os vemos abraçados, Chow anuncia a sua partida para Singapura, onde prosseguirá o seu ofício de jornalista. 
 
As sequências finais decorrem no Cambodja, onde Chow foi cobrir uma visita do General De Gaulle, documentada por imagens de arquivo. Antes disso, em Singapura, ele evocou um antigo costume: quando alguém tem um segredo que não pode revelar dirige-se a uma floresta, abre um buraco numa árvore e guarda-o aí para sempre. É o que ele fará no templo de Angkor Wat, sob o olhar de um jovem monge budista. 
 
 
 

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