por José Oliveira
The Man from Laramie é o culminar de uma série de Westerns arrancados com ferros à pedra por Anthony
Mann e interpretados duramente por James Stewart. No espaço mítico e desmesurado do velho
Oeste a querer ser novo a mata-cavalos as perenes questões da ganância, da maldade e da justiça
falam com a natureza dos seres e das suas pulsões originais, inafastáveis e de utópica alienação,
palco onde a impassibilidade da natureza e de todas as coisas rodeantes serve de testemunha e de
eco para a batalha e para o ajuste prometidos de longe a longe. Importa não esquecer os restantes
filmes feitos pela dupla, de Thunder Bay a The Glenn Miller Story, que tanto evidenciaram as
questões das guerras dormentes como das verdades intrínsecas, isto para não se ir aos filmes com
Gary Cooper ou com Henry Fonda, bifurcações manejadas ou cruéis destinos. Em todos eles a
paixão e os valores a serem repostos nos devidos lugares foram uma e a mesma coisa – e toda a
demanda e desenlace do filme que vamos ver o provam, sem romantismos que não o estraçalhante e
generoso caminho cedido ao próximo.
Variação de King Lear e continuação da dramaturgia láctea de William Shakespeare (suprema
também a importância do grande argumentista Philip Yordan que com Mankiewicz ou Dmytryk
muitas vezes perguntou quem era quem), Mann coloca tudo ao nível do mineral, da poeira e dos
rostos e corpos empedrados pelo sentido de missão. Will Lockhart é alguém que vem mesmo de
longe pois sempre sentiu como sendo a sua casa o lugar do presente, e acompanhado pelo parceiro
(Charley, por Wallace Ford, belíssima personagem e actor) que como ele pertence à terra toda e ao
enleante correr do tempo, carrega consigo o indesculpável da maquinação humana. Nos seus olhos,
na sua contemplação, no seu ritmo e respirar totalmente despidos, abraça a fúria irracional do amor.
Chega ao Novo México, mas poderia ser ao extremo oposto, para encontrar o poder absoluto, a
fenda irreparável dos seios familiares forjados a sangue e a ouro, a pertença e a conquista a preto e a
branco, o mal escondido no recôndito mais sedutor - eternas contendas nas quais a fidelidade e a
entrega são reversos da medalha da loucura e da ambição.
É ditado antigo: um homem ferido de morte e com tal razão clara volve-se no mais selvagem entre
mil e no mais perigoso animal à face ou nas entranhas do universo. Will Lockhart, desconfiando, só
com o cheiro da ignominia e do instinto primitivo apurados para desmascarar o perfume que fede, é
um desses desamarrados, muito antes de a narrativa chegar ao ecrã. E quando todos começam a
perguntar o que faz mover tal raiva e tal obsessão, as figuras femininas tornam-se mulheres
completas e estátuas sacras, o reino mineral a fazer-se carne e aura. São elas, a nova e a velha,
ambas sedentas e pacificadas, separadas pelos séculos e unidas na fonte primordial da nascença, que
vão resgatar e orientar a luz essencial – a junção sempre a tempo dos velhos ou o crepúsculo antes
do The End que promete todas as primaveras que o vociferar fatalista da tragédia em explanação
não permitiu experimentar.
Fortes oposições estéticas e morais em desenvolvimento: a indiferença etérea e seca da paisagem;
pinturas encarnadas e douradas do momento abissal em revelação. Na cena que incendeia
irremediavelmente a cólera - passada num mar de sal entre humilhações supremas e fraternidade
vilipendiada – ou naquela em que no centro do mundo e no meio do nada esse amigo imediato de
Lockhart que antes lhe disse que só trocaram umas dez palavras mas que logo o conheceu e logo
gostou dele o protege e se deixa proteger – cena que rima com toda a disponibilidade gratuita dos
amantes – entre a infinita profundidade de campo exterior recortada sem limites e a fertilidade das
salas e dos quartos onde se selam os pactos e se aproxima a temperatura do sangue, Mann,
encenador sem meias medidas que estica as horizontais aos limites da perdição e o dentro ao altar
de todas as ousadias, coloca geometricamente nas formas as vastas questões abstractas para elas se
tornarem precisas nas respostas e no fundo. Vendo-se tudo tão bem pela lente e pelo movimento
atento, liberto no espaço e dirigindo-se à matéria, chega-se à essência e ao coração. The Man from
Laramie é absolutamente moderno e revolucionário, arcaico e longínquo.
Sem comentários:
Enviar um comentário