quarta-feira, 18 de maio de 2016

The Man from Laramie (1955) de Anthony Mann



por José Oliveira

The Man from Laramie é o culminar de uma série de Westerns arrancados com ferros à pedra por Anthony Mann e interpretados duramente por James Stewart. No espaço mítico e desmesurado do velho Oeste a querer ser novo a mata-cavalos as perenes questões da ganância, da maldade e da justiça falam com a natureza dos seres e das suas pulsões originais, inafastáveis e de utópica alienação, palco onde a impassibilidade da natureza e de todas as coisas rodeantes serve de testemunha e de eco para a batalha e para o ajuste prometidos de longe a longe. Importa não esquecer os restantes filmes feitos pela dupla, de Thunder Bay a The Glenn Miller Story, que tanto evidenciaram as questões das guerras dormentes como das verdades intrínsecas, isto para não se ir aos filmes com Gary Cooper ou com Henry Fonda, bifurcações manejadas ou cruéis destinos. Em todos eles a paixão e os valores a serem repostos nos devidos lugares foram uma e a mesma coisa – e toda a demanda e desenlace do filme que vamos ver o provam, sem romantismos que não o estraçalhante e generoso caminho cedido ao próximo. 

Variação de King Lear e continuação da dramaturgia láctea de William Shakespeare (suprema também a importância do grande argumentista Philip Yordan que com Mankiewicz ou Dmytryk muitas vezes perguntou quem era quem), Mann coloca tudo ao nível do mineral, da poeira e dos rostos e corpos empedrados pelo sentido de missão. Will Lockhart é alguém que vem mesmo de longe pois sempre sentiu como sendo a sua casa o lugar do presente, e acompanhado pelo parceiro (Charley, por Wallace Ford, belíssima personagem e actor) que como ele pertence à terra toda e ao enleante correr do tempo, carrega consigo o indesculpável da maquinação humana. Nos seus olhos, na sua contemplação, no seu ritmo e respirar totalmente despidos, abraça a fúria irracional do amor. Chega ao Novo México, mas poderia ser ao extremo oposto, para encontrar o poder absoluto, a fenda irreparável dos seios familiares forjados a sangue e a ouro, a pertença e a conquista a preto e a branco, o mal escondido no recôndito mais sedutor - eternas contendas nas quais a fidelidade e a entrega são reversos da medalha da loucura e da ambição. 

É ditado antigo: um homem ferido de morte e com tal razão clara volve-se no mais selvagem entre mil e no mais perigoso animal à face ou nas entranhas do universo. Will Lockhart, desconfiando, só com o cheiro da ignominia e do instinto primitivo apurados para desmascarar o perfume que fede, é um desses desamarrados, muito antes de a narrativa chegar ao ecrã. E quando todos começam a perguntar o que faz mover tal raiva e tal obsessão, as figuras femininas tornam-se mulheres completas e estátuas sacras, o reino mineral a fazer-se carne e aura. São elas, a nova e a velha, ambas sedentas e pacificadas, separadas pelos séculos e unidas na fonte primordial da nascença, que vão resgatar e orientar a luz essencial – a junção sempre a tempo dos velhos ou o crepúsculo antes do The End que promete todas as primaveras que o vociferar fatalista da tragédia em explanação não permitiu experimentar. 

Fortes oposições estéticas e morais em desenvolvimento: a indiferença etérea e seca da paisagem; pinturas encarnadas e douradas do momento abissal em revelação. Na cena que incendeia irremediavelmente a cólera - passada num mar de sal entre humilhações supremas e fraternidade vilipendiada – ou naquela em que no centro do mundo e no meio do nada esse amigo imediato de Lockhart que antes lhe disse que só trocaram umas dez palavras mas que logo o conheceu e logo gostou dele o protege e se deixa proteger – cena que rima com toda a disponibilidade gratuita dos amantes – entre a infinita profundidade de campo exterior recortada sem limites e a fertilidade das salas e dos quartos onde se selam os pactos e se aproxima a temperatura do sangue, Mann, encenador sem meias medidas que estica as horizontais aos limites da perdição e o dentro ao altar de todas as ousadias, coloca geometricamente nas formas as vastas questões abstractas para elas se tornarem precisas nas respostas e no fundo. Vendo-se tudo tão bem pela lente e pelo movimento atento, liberto no espaço e dirigindo-se à matéria, chega-se à essência e ao coração. The Man from Laramie é absolutamente moderno e revolucionário, arcaico e longínquo.

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