domingo, 2 de dezembro de 2018

120ª sessão: dia 4 de Dezembro (Terça-Feira), às 21h30


Para Dezembro, temos encontro marcado com o finlandês que nos meses de Inverno se vem refugiar a norte deste nosso "jardim à beira-mar plantado", Aki Kaurismäki, e com o seu último filme, segundo tomo de uma suposta trilogia sobre a crise dos refugiados. O primeiro foi Le Havre, de 2011, e o segundo é O Outro Lado da Esperança, a nossa próxima sessão.

Em entrevista para O Observador, Kaurismäki disse que "a comédia é uma arma muito poderosa e é por isso que os ditadores de todos os tempos a odeiam e temem. É também uma maneira de chegar ao coração e à cabeça do público. Todos sabemos que esta situação é terrível. Porque é que alguém iria ver um filme que insiste nisto? Houve reacções semelhantes quando os refugiados do contentor em Le Havre vestem as suas melhores roupas quando saem de casa. Os africanos têm sempre roupa limpa. Quaisquer que sejam as condições em que vivam. É um bocadinho tacanho ficar chocado se um refugiado tem um telemóvel. É o único elo que os liga a casa. Já agora, será que esses críticos que escreveram isso pensam o mesmo de O Grande Ditador, do Chaplin?"

No seu blog, Some Like it Hot, Carlos Melo Ferreira escreveu que "o mais recente filme do finlandês Aki Kaurismäki, O Outro Lado da Esperança/Torvan tuolla puolen (2017), pode considerar-se inspirado na curta-metragem O Taberneiro que fez para Centro Histórico, encomenda de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Com um outro desenvolvimento e um outro enquadramento narrativo, evidentemente. Mas liga-se também, e até principalmente, como segundo tomo de uma "trilogia dos portos", com Le Havre (2012), o filme francês do cineasta, pela sua temática: os refugiados. 

"Após uma excelente abertura sem palavras, em que eles se cruzam pela primeira vez, tudo se passa entre um refugiado sírio, Khaled/Sherwan Haji, e o abastado dono de um restaurante, Wikström/Sakari Kuosmanen, que depois de largar o negócio e a mulher faz a sua pequena fortuna ao póquer numa das mais curiosas cenas do filme. O refugiado, que tem um amigo iraquiano, na Finlândia há mais tempo do que ele, tem as maiores dificuldades em ser aceite num país em que as autoridades consideram que nada de especial se passa no seu, contra o que dizem os noticiários televisivos mostrados logo a seguir. Mas tudo se torna fácil para ele a partir do momento em que consegue obter documentos de identificação falsos da qualidade dos verdadeiros numa cena bem humorada."

Já Inês Lourenço escreveu para o À Pala de Walsh que "(...) o essencial neste Toivon tuolla puolen (O Outro Lado da Esperança, 2017) está, por exemplo, na belíssima cena em que um grupo de sem-abrigo, saídos da escuridão como zombies anjos-da-guarda, se atiram a um bando de arruaceiros, à pancada, para defender um refugiado por eles atacado. Ou naquela outra em que a angústia silenciosa desse refugiado, Khaleb, sozinho num pequeno bar, é contrariada pelo histerismo de um músico de rua, equipado de guitarra e harmónica, que ao lado canta energicamente “I hold you, I hold you tight. We’ll make love through the night…”. O essencial de Kaurismäki é, por outras palavras, essa ternura que se manifesta de forma inusitada, no mais lacónico dos cenários, com um profundo humanismo que dispensa muita ginástica facial (há, aliás, um momento em que outro refugiado diz a Khaleb que não mostre grandes sorrisos, porque se arrisca a ser tomado por maluco). 

"Ao cineasta finlandês interessam as histórias “invisíveis” da realidade, como a de Tulitikkutehtaan tyttö (A Rapariga da Fábrica de Fósforos, 1990), que nasceu da unidade mínima de um fósforo. Conta ele que pensou apenas: quem fez o fósforo? Talvez uma rapariga. E por aí adiante. Do mesmo modo, a história de Khaleb, um refugiado sírio que procura uma nova vida na cidade de Helsínquia, é mostrada em Toivon tuolla puolen como uma realidade que se ignora, ou que se faz por ignorar (nomeadamente, negando que haja guerra em Alepo, de onde vem o jovem, e assim, negando-lhe asilo). Neste segundo título da trilogia portuária iniciada com Le Havre (2011), que já contemplava a situação de um menino imigrante clandestino, Aki Kaurismäki confronta muito diretamente os seus compatriotas com a situação dos refugiados. E fá-lo na mesma lógica narrativa de Le Havre, encontrando um benfeitor para Khaleb, desta vez num ex-vendedor de camisas (Sakari Kuosmanen) – alter-ego do realizador? – que decidiu comprar um restaurante prestes a ir à falência. Eis a delícia: este restaurante será o posto central da dialética do próprio Kaurismäki. A saber, o local onde a modernidade procura entrar, na forma de pratos de sushi, sob a vigilância de uma jukebox e de um poster de Jimmy Hendrix. É nesse espaço antiquado, onde se pratica o ato ilícito de acolher um refugiado, que reina a tragicomédia da kaurismakilândia, sempre a medir as personagens na sua humanidade e na relação com um tempo que não lhes diz nada – assim como um carro moderno nada diz ao realizador."

Até Terça!

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