domingo, 18 de dezembro de 2016

40ª sessão: dia 20 de Dezembro (Terça-Feira), às 21h30


James Stewart, Donna Reed, Thomas Mitchell, Ward Bond, Lionel Barrymore, Gloria Grahame e Frank Capra vão dar um salto pela velha-a-branca e espalhar pela nossa sala o encanto mágico natalício com It's a Wonderful Life, a nossa quadragésima sessão, que festejará a quadra festiva.  Venham então até nós as crianças, e os adultos que já nunca mais assim foram.

Baseado num conto de Philip Van Doren Stern chamado The Greatest Gift, It's a Wonderful Life foi mesmo considerado pelo seu realizador, Frank Capra, o seu melhor trabalho, e acabou por o mostrar todos os anos à família, pelo Natal. Disse ele que “era a história que toda a vida procurara. Uma cidadezinha. Um homem. Um homem bom, ambicioso. Mas tão preocupado em ajudar os outros, que deixava perder as oportunidades da vida. Um dia, perdeu a coragem. Desejava nunca ter nascido. E esse desejo era-lhe satisfeito. Meu Deus, que história! O gênero de história que fará dizer às pessoas quando eu for velho e estiver a morrer: foi ele quem fez The Greatest Gift”.

João Bénard da Costa escreveu um belo texto (não são sempre?) sobre o filme, dizendo que "A história da vida de George Bailey é a história de coisas tão bonitas, como Gloria Grahame a fazer parar o trânsito, o “graduation ball” de 1928, com James Stewart a dançar o “Charleston” como Fonda dançava a valsa no Young Mr. Lincoln; aquele espantoso mergulho coletivo; Donna Reed “the prettiest girl in town”; o roupão caído, ela atrás dos arbustos e a morte do pai; os “discursos” de Stewart (sempre vagamente demagógicos); o “point me in the right direction”; o telefonema a três e o beijo a dois (a câmera sem se mexer, num dos mais prodigiosos planos que alguma vez alguém assinou); a “wedding night”; e o beijo de Ernie a Bert (essa seqüência é inadjetivável); James Stewart, o charuto e o aperto de mão a Barrymore; a guerra em filigrana, e tanto mais. Mas é também, em surdina, o elogio do sacrifício e por breves apontamentos (um olhar de Stewart para o irmão ou para a mãe, o espantoso e patético personagem de Thomas Mitchell) a insinuação que basta um leve toque e podemos ver o negativo de tudo isso. 

"E a noite da inexistência de Stewart é esse negativo. Os mesmos geniais secundários, fraternais e solidários, “mudam de filme” e quem vence são outros arquétipos deles, patentes nos casos de Beulah Bondi, Ward Bond, de Frank Foylen. Aparentemente, esses eram os que não tinham razão para mudar. Se percebemos que o farmacêutico tivesse ido parar 20 anos à cadeia, não fosse George, se percebemos que o irmão tivesse morrido, não fosse George, se percebemos (já mais forçadamente) que Donna Reed tivesse ficado solteirona e de óculos, não fosse George, porque mudaram tanto todos os outros, porque são todos tão agrestes e rudes? E - o que é mais - porque mudou a cidade toda (mudou até de nome) convertida num vasto lupanar, entre stripteases e luzes agressivas? E por que é que o único personagem que George não re-visita é Lionel Barrymore, o único que não podia ter mudado? Pode um homem só transformar tanto a vida de todos? Capra diz-nos que sim, mas diz-nos que sim, não no real, mas no “filme mostrado” por Deus a Clarence e, depois, na noite que resultou do “truque” do Anjo. De certo modo, “It’s a Wonderful Life”, (mas no cinema...) “it’s an awful city” mas com batota.

"É por isso que a explosão final é tão forte. Porque tudo o que até aí fora um pouco mágico (coisa de anjos e estrelas) se encarna naquela noite de Natal, em que a presença do Anjo é apenas a de uma discreta campainha, sob a força do plano de George com os filhos ao colo e os dólares que vêm de tudo e de todos."

Jacques Lourcelles deu amplo destaque ao filme no seu Dictionnaire du Cinéma, escrevendo que "colocando-se a si mesmo sob a invocação de Leo McCarey que Capra considerou sempre como um mestre, se não o seu mestre, este sublime conto de Natal é o filme mais rico e mais completo de Capra. Ele combina não só a comédia e o drama como apela ao romanesco, à poesia e até ao fantástico para contar a história de um destino ligado, no seio da comunidade em que tem lugar, a todos os outros destinos dessa comunidade e, por extensão, a toda a humanidade. O propósito do filme, de qualquer maneira, é muito mais contar a história desse laço do que a de um indivíduo. E este conto que quer sublinhar a solidariedade de todos os homens fornece, na sua intriga, uma demonstração tão cintilante como comovente. Nos primeiros três quartos do filme, Capra revela-se hábil, enredado, por vezes tocante. No último quarto, supera-se e o espectador apercebe-se que não está só a lidar com um filme excelente como muitos que Capra fez, mas com uma obra-prima, como as que os melhores realizadores oferecem uma ou duas vezes em toda a sua carreira. O último quarto do filme leva o espectador – bem como o herói – a rever tudo o que passou até ali numa outra luz e sob outro ponto de vista. Permitindo ao herói contemplar por algum tempo um mundo em que ele não tivesse nascido, Capra (e o seu bom anjo Clarence) obrigam-no a sentir a natureza irremediável de cada um dos seus actos. Como se tratam principalmente de actos úteis e inspirados pelo bem, o facto de os suprimir da superfície da terra torna-se uma verdadeira catástrofe. Mas, para além da bondade da personagem, é o carácter de responsabilidade absoluta, infinita, de cada acção humana que é aqui demonstrado através da infinidade de reacções em cadeia que ela provocou. Se Capra fosse um pessimista (e o seu herói um anti-herói), It’s a Wonderful Life seria o filme mais negro da história do cinema, uma espécie de A Verdade e o Medo mas pior. Quando a RKO propôs o conto de Philip Van Doren Stern a Capra, ele achou que « era a história que procurou toda a sua vida » (cf. na sua auto-biografia). Já tinham sido escritos três argumentos completos a partir dele, por Dalton Trumbo, Marc Connelly e Clifford Odets, sem dar satisfações à firma. Capra confiou uma nova re-escrita do argumento aos Hackett (Francês Goodrich e Albert Hackett) e produziu o filme através da sua casa de produção Liberty Films que tinha fundado com William Wyler e George Stevens para conseguir uma independência absoluta. A interpretação de James Stewart é uma das mais surpreendentes de toda a sua carreira : dá ao filme, simultaneamente, a sua credibilidade base e a sua coroação final na autenticidade e emoção ; dificilmente se vê outro actor que pudesse ter encarnado George Bailey tão naturalmente. Mesmo que se tenha sentido com frequência muito sozinho no meio das dificuldades da rodagem, Capra mostrou-se satisfeito – é o mínimo que se pode dizer – com o resultado. Exprimindo a sua impressão no lançamento, escreve na sua auto-biografia : « Achei que era o maior filme que já tinha feito. Melhor : achei que era o maior filme que alguém já tinha feito. »"

Até Terça-Feira e Feliz Natal!

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