segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

41ª sessão: dia 3 de Janeiro (Terça-Feira), às 21h30


Começamos o ano com o grande épico revisionista de Michael Cimino, apenas o seu terceiro filme mas já comparável aos grandes frescos históricos de David Wark Griffith ou John Ford, para nos mantermos na América (saíndo, podemos falar de Visconti ou Kurosawa, como de resto também Cimino falava muito). Heaven's Gate, grandiosa canção pelas almas perdidas que viram na América salvação mas só tiveram sangue, é a nossa próxima sessão.

Bruno Andrade (que nos apresentou Hawks e Ball of Fire, em Março do ano passado), editor da FOCO - Revista de Cinema, admirador e conhecedor profundo da obra de Cimino, apresentar-nos-á o filme.

Sobre o ponto de partida para o filme, Cimino disse a Bill Krohn na bela e grande entrevista que tanto temos citado, que "A história do Oeste, em geral, é inspiradora, transborda de acontecimentos; é uma fonte de fascínio constante. O episódio desta pequena guerra, quando me deparei com ele, fascinou-me. Não sei porquê, mesmo. Talvez tenha sido acima de tudo a lista da morte, redigida em formulário devido, ratificada pelo governo central e federal. É o que sempre me interessou; saber como se tomam as decisões que resultam na morte de pessoas. McNamara, Kissinger e os outros; este grupo senta-se a uma mesa e toma decisões políticas sobre o Vietname – mais bombas ou mais tropas? A decisão deles implica sempre a morte de milhares de pessoas. As decisões de guerra foram tomadas com as melhores razões do mundo, sem dúvida; razões legítimas como proteger a paz, proteger sistemas económicos e políticos. Acredito que elas são sempre tomadas com essas intenções, e de forma calma também! Um grupo de homens, sentados à volta de uma mesa, numa suite de hotel, enquanto comem o pequeno-almoço ou o almoço, a comer comida fina de bela porcelana, num ambiente agradável, a discutir calmamente quantas pessoas vão matar…"

O já falecido Robin Wood, cronista extraordinário dos anos 70 e 80, além de grande crítico, escreveu que "a estrutura de Heaven's Gate é mesmo outra, sendo a melhor analogia com a arquitectura. Cada cena ou segmento pode ser visto como um bloco de construção que encena (embora não de uma forma obviamente didáctica ou explícita) uma "lição histórica" no sentido Brechtiano do termo. Dentro de limites óbvios (o filme não tem uma narrativa discernível, com um princípio, meio, e fim nessa ordem), estes blocos relacionam-se livremente uns com os outros ao longo do filme inteiro, em vez de formarem uma progressão a, b, c . . . causal; eles resultam gradualmente numa estrutura de inter-relação temática complexa. É significativo que quando Cimino, depois das estreias norte-americanas desastrosas, montou ele próprio uma versão de duas horas e meia para estreia generalizada, produziu não só uma versão mais curta mas um filme diferente: não só usa takes perceptivelmente diferentes de alguns planos, como são transpostos segmentos narrativos inteiros para partes diferentes do filme, e é incluído um breve incidente que ele cortou da verão original. Isto também explica porque é que o filme parece sempre inacabado, seja em que versão fôr: a adição, remoção, ou transposição dos "blocos" podia ser um processo interminável, sendo a estrutura (libertada dos apertos da causalidade narrativa) logicamente inacabável (houve numa altura, segundo Steven Bach, uma versão de cinco horas e meia). É também significativo que uma das melhores sequências do filme, a magnífica sequência da patinagem, não tenha qualquer necessidade narrativa, nem para o desenvolvimento das personagens nem para aprofundar a trama, embora seja crucial para o "grande desígnio" do filme. Não há precedentes para este tipo de estratégia formal no cinema de Hollywood; para os encontrar, é preciso ir mais longe, para o Kurosawa de Tengoku to jigoku e Ikiru, ou para o Pasolini de Medea."

Miguel Marías, que já nos apresentou Exodus e foi, como Wood, dos poucos a defender o filme na altura da estreia, escreveu que "Não me importo grande coisa como espectador ou como crítico quanto possam ter custado os filmes, goste deles ou não. É um dado «culinário» que normalmente ignoro, bem como quase todo o público; pode ser de interesse para outros produtores ou para o fisco. Mas nem me faz confusão o muito que se investiu nem me põe contra ele  o suposto desperdício. A falta de meios pode explicar certas fraquezas, e o excesso algumas precauções asfixiantes, mas o orçamento não justifica por si só o êxito ou o fracasso de um filme. Quando se torna público o montante total costuma ser por alguma razão, e não é muito revelador se não se der uma explicação: há filmes que custam o mesmo, mas destinam quantidades muito diferentes ao lançamento publicitário e à tiragem de cópias, pelo que pode parecer que um gastou o dobro do outro. Também não aceito o argumento sofista de que com tanto dinheiro se podiam ter filmado dez filmes mais baratos, já que alguém esteve disposto a financiar esse projecto caríssimo e não demonstrou, em troca, o menor interesse por esses guiões de baixo custo hipotéticos e hoje ninguém produz tantos filmes ao mesmo tempo."

Até Terça-Feira!

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