por António Cruz Mendes
Thunderhoof é um western bastante atípico. Não vamos nele encontrar nenhuma referência à saga da “conquista do oeste”, a essa epopeia lendária onde se confrontam o bem e o mal, a lei e a desordem, a civilização e a selvajaria, que o cinema divulgou e ainda hoje informa o
olhar dos EUA sobre o seu passado e explica algumas posturas presentes.
Em vez disso, num território desolado, paisagens agrestes, terras áridas apenas percorridas
pelo vento, onde condições mínimas de sobrevivência parecem permanentemente ameaçadas, desenrola-se um drama edipiano.
Em cena, apenas três actores. Quatro, talvez, se considerarmos o protagonismo de Thunderhoof, um magnífico cavalo selvagem, um dos poucos que ainda percorrem aquelas terras de ninguém, figura de um simbolismo complexo que terá um papel determinante na trama da narrativa.
Kid precisa de “matar o pai”, o velho Scotty que, há muitos anos, lhe salvou a vida quando o retirou das areias movediças onde se afundava. Uma história mais do que uma vez evocada, mas que é também uma alusão à pobreza e ao desamparo em que, presumivelmente, se encontrava the kid, “o miúdo”, quando Scotty o colocou sob a sua protecção.
Mas, Scotty é ele próprio a areia movediça que impede Kid de se libertar e de se realizar como homem. A fuga é a sua primeira opção. Ela parece-lhe imperiosa, tanto mais que Scotty se encontra agora casado com Margarita, o seu amor de juventude. Contudo, essa saída está-lhe vedada. Scotty obriga-o a ficar, precisa dele para capturar Thunderhoof.
Por ele, Scotty está disposto a arriscar a vida. Aquele cavalo que “meio México” tenta em vão
capturar é a pedra basilar sobre a qual assentará o rancho onde vai construir um lar na companhia de Margarita.
Margarita, também ela resgatada por Scotty de uma situação de pobreza, vê-se assim no centro de um triângulo amoroso. Não saberá Scotty da paixão de Kid? Com certeza que sim mas, em face disso, confiante no seu poder, adopta uma atitude sarcástica e desafiadora. O desejo do rapaz de nada vale ao lado da sua vontade. A tensão existente entre os dois rapidamente se exacerba, levando-os a confrontar-se numa luta travada à beira de um abismo.
Numa cena ocorrida na casa abandonada, milagrosamente encontrada no meio de nenhures, equipada com tudo o que poderiam almejar, Kid, agora limpo e barbeado, toca guitarra e Margarita canta. Ambos fantasiam uma futura existência, longe de Scotty, de ranchos e de cavalos, numa idealizada Nova Orleães, cenário de festas e alegria. Scotty, no quarto ao lado, doente e com uma perna partida, ouve-os. Os seus sonhos e os de Kid só se poderão realizar com a morte de um deles.
O final, muito deus ex machina, parece-nos forçado. Mas, em 1948, num filme produzido nos EUA, um desfecho menos conforme com a moral dominante teria que se confrontar com sérios obstáculos. Phil Karlson não soube ou, mais provavelmente, não quis travar essa luta. Ainda assim, deixou-nos a história magnífica de um “desejo selvagem” que, como os cascos de um cavalo que resiste a ser domesticado, ressoa “como um trovão” nas terras áridas e desertas do México.
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