quinta-feira, 20 de novembro de 2025



por António Cruz Mendes

Jumana Manna nasceu nos EUA, mas cresceu em Jerusalém e estudou em Oslo. É uma artista plástica que se exprime através da escultura, da instalação e também do cinema. Forrageadores é um filme híbrido porque associa ficção e documentário. Em 2022, ganhou um Prémio Harrell de Melhor Documentário (Menção Especial) no Festival Internacional de Cinema de Camden em 2022 e venceu o prémio principal no Festival Olhares do Mediterrâneo em 2023.

A subjugação do povo palestiniano que vive em Israel tem aspectos políticos, económicos e culturais. Em Forrageadores, podemos perceber como essas diferentes dimensões se entrecruzam. As disputas em torno da recolecção e venda de plantas usadas na culinária palestiniana tradicional bastam para possamos compreendê-lo.

Ser capaz de nos oferecer uma visão ampla de uma situação complexa através de um pequeno exemplo, é uma das qualidades deste filme de Jumana Manna. Sem recorrer a diálogos ou quaisquer depoimentos, em poucos minutos, as primeiras sequências do filme põem-nos a par da situação. Na primeira cena, um plano geral visto a vol d’oiseau, vislumbrarmos um pequeno vulto andando de arbusto em arbusto. Depois, o grande plano de um homem de meia-idade, o rosto sulcado pelo tempo, a fumar sozinho dentro de um carro. Na terceira, outro carro estaciona e dois polícias saem dele para uma “última ronda”. Vigiam com os seus binóculos as colinas onde circulava a primeira personagem. Por fim, aquele que fumava dentro do carro, aproxima-se do carro da polícia e, calma e metodicamente, esfaqueia-lhe cada um dos pneus.

Na origem deste conflito que, sem sobressaltos, vemos desenrolar-se nos primeiros minutos do filme, está o za’atar e o akkoub, plantas usadas na cozinha palestiniana. Todos sabemos que a culinária tradicional de um país é uma parte relevante da sua identidade cultural. Noutras sequências de Forregeadores, vemos pessoas podando os arbustos que dão o za'atar. Estamos na Primavera. São imagens de grande beleza, serenidade e comunhão com a natureza. É uma prática quase ritual, tal como é a da preparação das comidas refeições e da refeição em família.

Porém, a recolecção do za’aar e do akkoub é proibida, aparentemente por se tratarem de espécies em perigo de extinção. Entretanto, a sua produção é permitida nas plantações de proprietários israelitas. De facto, ela é pouco consumida entre a população judaica, mas, os palestinianos residentes em Israel são um mercado importante. Além disso, todos os anos, a Cisjordânia é visitada por muitos milhares de palestinianos emigrados e a sua exportação é um negócio altamente lucrativo. Então, porque é que os palestinianos não fazem o mesmo, em vez de apanharem o za’atar selvagem? Porque não têm terra. Os terrenos onde cresce o za’atar e, que outrora pertenciam às suas aldeias, foram expropriados pelo Estado israelita. Além disso, não têm dinheiro para pagar os seguros que protegem os proprietários privados nos anos de colheitas más. Será que a lei israelita de “protecção da natureza” não visa outra coisa senão a de proteger esse comércio tão lucrativo de uma concorrência indesejável?

No filme, assistimos ao interrogatório policial de homens e mulheres palestinianos apanhados a apanhar ilegalmente za’atar. São filmados por uma câmara fixa em posição frontal. O polícia que os interroga fica fora de campo. É a nós, espectadores, que eles encaram. É, portanto, também a nós que nos cabe julgá-los. Como se defendem? Alegam que apenas fazem o que sempre fizeram os seus antepassados. Um deles recusa tratar-se de uma planta em perigo de extinção porque “ninguém a arranca pela raiz e todos os anos ela volta a crescer”. Muitos negam que o façam para comercializar, mas apenas para poderem alimentar a sua família. Um deles afirma que desobedece à lei porque “esta terra não é sua” e essa “é uma lei de merda”. Já foi condenado várias vezes, provavelmente sê-lo-á outras mais. “Que se dane!” A sua atitude é de resistência passiva, de “desobediência civil” perante uma lei injusta. Segue, provavelmente sem o saber, os ensinamentos de Thoreau, que também inspiraram figuras como Gandhi e Martin Luther King.

As sequências finais mostram-nos um casal de emigrantes que revisitam os sítios onde moraram. São imagens de serenidade e beleza, mas tingidas de nostalgia. Será que, um dia, poderão regressar? 

 

 

Folha de Sala 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário