quinta-feira, 2 de outubro de 2025

A Savana e a Montanha (2024) de Paulo Carneiro



por António Cruz Mendes
 
Nesta sessão do Cineclube, estamos perante uma obra de cinema feita com a intensão de impedir uma obra de engenharia. Trata-se, pois, de “cinema militante” e, como tal, a sua apreciação não pode deixar de ser política.
 
Como citadino impenitente, alguém que dificilmente se imagina a viver em Covas do Barroso, tenho que começar por manifestar a minha relutância a respeito de possíveis concepções idealizadas da vida naquelas paragens. Porém, não creio que Paulo Carneiro, que já tinha situado na região de Boticas o seu primeiro filme, Bostofrio (2019), caia nessa tentação. Aquilo que as suas imagens nos revelam não é apenas a beleza das suas serras, ameaçada pela perspectiva da abertura de minas de lítio a céu aberto, mas também a pobreza e o abandono a que se encontram votadas as suas gentes.
 
E nisso se resume o paradoxo do nosso tempo, onde o “progresso” convive com a miséria e os grandes avanços tecnológicos que permitiram a acumulação de uma imensa riqueza nas mãos de alguns, não libertaram muitos mais de uma existência penosa e medíocre. É a consciência dessa desigualdade que encontramos na população de Covas do Barroso. Quem ganha e quem perde com a exploração mineira? Habituados ao esquecimento, é com desconfiança que as pessoas que aí vivem reagem às promessas de mais emprego, zonas de lazer e protecção ambiental. Ouvimo-las dizer que “o lítio vai servir para produzir baterias para os carros dos ricos” e que aqueles que se propõem explorar as minas, “um dia, vão-se embora e deixam-nos os buracos”. É difícil não lhes dar razão. Afinal, é a sua sobrevivência como comunidade com uma identidade própria que está em causa. Em nome de quem pode ser ela sacrificada?
 
O filme de Paulo Carneiro balança entre o documentário e a ficção. Embora protagonizado pela população local, não hesitando quando se trata de nos revelar as condições em que vive e dando-nos conta das conversas e reuniões onde se fala do seu futuro, encena a sua luta recorrendo ao imaginário dos westerns. As imagens das procissões onde se invoca a protecção divina, alternam com desfiles de inspiração carnavalesca onde as gentes do Barroso se reinventam numa trupe de cowboys se prepara para defender a sua causa.
 
Essa ideia, informa-nos Paulo Carneiro, partiu dos próprios residentes. Numa manifestação de evidente ironia, foi essa a forma que engendraram, assumidamente lúdica e caricatural, de dar corpo à sua oposição a processos que vão conhecendo sobretudo pelas notícias que lhes chegam através da comunicação social. De resto, não há lugar para tiros. Não há sobre quem disparar porque os seus inimigos são invisíveis. Ninguém sabe quem se esconde sob o nome de Savannah Resources e que influências detêm sobre aqueles que, no governo, vão decidir sobre o futuro das suas terras. Aliás, nem isso é o mais importante. A fome insaciável de lucros, aquilo que rege a nossa vida económica, só se satisfaz com uma produção e consumo massivos de bens de duvidosa utilidade. O que faz, portanto, sentido não é garantir a prevalência do transporte público, mas sim promover o aumento da produção de carros eléctricos. E, face a isto, a classificação das terras agrícolas do Barroso como “Património da Humanidade” vale muito pouco.
 
E, no entanto, a população de Covas não desiste e diz-nos, como na canção de Carlos Libo, um cantautor local até então desconhecido, “junta-te à luta, vamos vencer”. 
 
 

Sem comentários:

Enviar um comentário