por António Cruz Mendes
Duas atrizes alternam-se durante o filme na representação do papel de Conchita. Há quem diga que isso é assim para realçar o facto de nenhum homem conhecer verdadeiramente a mulher que ama. Outros dizem que isso serve para sublinhar a ideia de que “Conchita” são todas as mulheres. Luís Buñuel desmerece as duas interpretações e diz-nos que se tratou de um mero acaso. Maria Schneider tinha sido convidada para interpretar Conchita, mas as coisas não correram bem e foi necessário substituí-la. Luís Buñuel teria sugerido então ao produtor que fossem duas atrizes a fazê-lo: revezar-se-iam quando uma delas estivesse mais stressada. Era uma boutade, mas Serge Silberman achou que seria uma boa ideia e assim se fez. A história é verdadeira, mas devemos confiar inteiramente na suposta inocência da sugestão de Buñuel? Os realizadores não costumam gostar de mostrar o seu jogo.
Conchita é esse “obscuro objecto de desejo” de Mathieu. É possível que a sua inacessibilidade não signifique outra coisa senão a impossibilidade da consumação de um desejo que se replica à medida que aparentemente se satisfaz, numa corrida sem fim onde apenas a insatisfação, a dor ou o tédio, permanecem. Um tema antigo que podemos encontrar em Schopenhauer. Ou talvez Conchita seja apenas mais uma representação do fascinante, mas inacessível para os homens, mundo interior das mulheres, tema já abordado por Buñuel em Belle de Jour, com Catherine Deneuve no papel de Séverine. E não se reconhecerá o próprio Buñuel, que tinha 69 anos quando filmou Tristana e 77 quando filmou Este Obscuro Objecto do Desejo, nas personagens interpretadas nesses filmes por Fernando Rey?
O seu filme adapta um romance publicado em 1898. O seu título, traduzido à letra, é A mulher e o fantoche (o título inspira-se no quadro de Goya, El Pelele). O livro de Pierre Louÿs conquistou a atenção das gerações futuras e a sua adaptação para cinema realizada por Buñuel não foi de forma alguma a primeira. Já Reginald Barker o tinha feito em 1920 (The Woman and the Puppet), Jacques Baroncelli em 1929 (La Femme et le Pantin), Joseph von Sternberg em 1935 (The Devil is a Woman, com Marlene Dietrich) e Julian Duvivier, em 1959 (La Femme et le Pantin, com Brigitte Bardot).
Podemos interpretar este interesse recorrente do cinema pelo romance de Pierre Louÿs como um sinal da intemporalidade da chamada “guerra dos sexos”, aqui encarnada por Mathieu e Conchita, guerra onde cada um dos contentores usa as armas de que dispõe. Ou, numa visão mais “politicamente correcta”, recusar ver em Mathieu, velho e rico, julgando que o dinheiro tudo pode comprar – todos os homens”, e Conchita, sedutora e manipuladora (que não gosta de trabalhar, mas apenas de dançar) – “todas as mulheres”, mas exemplos dos opositores dessa “guerra”, tal como ela se trava no seio da burguesia.
Neste último caso, obteríamos uma explicação para as imagens finais do filme de Buñuel. Os episódios da guerra entre Mathieu e Conchita decorrem pontuados pelos atentados terroristas que assinalam uma outra guerra que decorre “lá fora”, no mundo dos outros. Essas duas guerras parecem evoluir em paralelo, sem se tocarem. No entanto, não será bem assim e, no final, encontram-se na explosão que vitima os dois amantes, finalmente reconciliados – ou não. É um final que parece ilustrar uma versão simplificada mas muito difundida da dialéctica marxista: afirmação-negação-negação da negação. A contradição Mathieu-Conchita resolve-se pela destruição dos dois.
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