Vindo dos bastidores e das rodagens de filmes de Robert Wise, John Lee Thompson ou John Sturges, John Flynn assinou o seu primeiro trabalho ainda nos anos sessenta, com Rod Steiger no papel principal. Por esses anos fora até aos anos oitenta de Best Seller, a nossa próxima sessão, mostrou-nos o que se passa dentro dos homens antes de cometerem grandes actos de violência, nunca para os justificar mas sim para os tentar compreender. Por isso a sua contenção clássica impressiona tanto, pelo que se passa entre os silêncios e os recuos até à investida explosiva que há-de transformar esses homens diante dos nossos olhos. Com James Woods, em Best Seller, passa-se exactamente o mesmo. A violência à flor da pele, os nervos em franja, o tique-taque do relógio enquanto o suor cai gota a gota no chão... Terça-Feira temos encontro marcado com o cinema de John Flynn. Contemos os minutos.
John Flynn falou do filme a Harvey F. Chartrand, em 2005, perguntando-lhe este se o filme era baseado no escândalo Watergate e respondendo-lhe Flynn que "Não, isso é um absurdo. Não há conexão com o Watergate. Eu reescrevi o argumento. O Writers Guild decidiu contra mim e eu não recebi nenhum crédito, pois eles decidiram que eu não tinha escrito pelo menos 51% do guião. Depois de Larry Cohen e eu superarmos esse conflito, tornámo-nos bons amigos e ele enviou-me outros guiões ao longo dos anos.
"A história original chamava-se Hard Cover. Mudamos o título para Best Seller na pós-produção, pois Hard Cover não testou bem com o público da pré-visualização. Então, uma mulher processou-nos a todos - a mim, a Cohen, James Woods e ao produtor Carter DeHaven. Essa mulher alegou que tínhamos roubado o enredo de um livro que ela escreveu, chamado Best Seller. Provámos que este não podia ser o caso, pois Larry Cohen tinha enviado um tratamento à Columbia antes dos direitos autorais do livro serem registados. É incrível, porém, porque havia semelhanças entre os enredos. O livro dela era sobre um assassino que escreve um best seller que incrimina as pessoas que o contrataram. No fim das contas essa senhora não queria dinheiro. Ela optou por um contrato de três filmes com a Hemdale Films. (risos)"
Philippe Garnier, aquando da retrospectiva da obra de John Flynn na Cinemateca Francesa em 2015, escreveu sobre a vida e a obra do realizador: "Nascido em 1932 em Chicago, Flynn seguiu a sua família até Manhattan Beach. Comprometido à guarda costeira aos 18 anos, inscreve-se na escola de jornalismo dessa unidade em Washington, depois na UCLA, onde obtém um diploma de letras. Um professor que estava a escrever sobre o romance e o Film Noir (o que não era tão evidente nos anos cinquenta) influenciou-o profundamente nessa época. O suficiente para que em 1958, Flynn se encontre a brincar aos mensageiros na rodagem de Odds Against Tomorrow. Romance de William P. McGivern, argumento de Abraham Polonsky, um elenco que contava com Ed Begley, Gloria Grahame e Robert Ryan : o jovem Flynn já estava no seu habitat. Wise coloca então Flynn sob a sua asa : é « script supervisor » em West Side Story, dirige as segundas equipas em Kid Galahad, com Presley, Two for the Seesaw com Mitchum. « Bob Wise e J. Lee Thompson : devo a minha carreira a esses dois » dizia Flynn.
"É ainda Robert Wise que o encaminha para o sucesso no fim dos anos sessenta, permitindo-o dirigir um pequeno filme na Europa : The Sergeant – a história de um militar de carreira devastado quando descobre os seus sentimentos para com um jovem recruta interpretado por John Phillip Law. É também nesta época que ele conhece a sua mulher, Marie Dominique, com a qual terá dois filhos. O que explica sem dúvida uma parte dos seus gostos em matéria de cinefilia, voluntariamente francófilos. Flynn conhecia perfeitamente a Série noire, era o tipo de homem para ter visto Le Cercle rouge dezassete vezes na sua vida. Melville é uma influência maior na sua obra, e já a vemos n'A Quadrilha, mas ironicamente nunca tão bem como no final equívoco que ele tinha escrito originalmente – cena que tentará (também em vão !) aplicar no fim de Rolling Thunder.
"Os seus filmes são tranquilos, no limite taciturnos. E ele interessa-se – coisa que só pode agradar aos franceses – pelos perdedores, pelos excêntricos e pelos ofícios pouco procurados. Fez por exemplo um filme pouco visto em 1983, Touched, sobre um palhaço de feira – o tipo que se faz cair à água disparando contra um alvo com balas de pressão. E é com um orgulho característico que ele nos diz para estender a mão, ao longo das suas procuras, ao homem que inventou o curioso sacerdócio de palhaço. Numa palavra, Flynn interessava-se nas pessoas « boas em qualquer coisa », como ele dizia: « boas no que fazem », sejam bons perfuradores de cofres, bons terroristas, bons palhaços ou bons assassinos contratados. Na vida, Flynn era também um desses homens « bons em qualquer coisa », que adorava acima de tudo falar da sua profissão, método e economia de meios."
Felipe Medeiros, que nos apresentou Ernst Lubitsch no início do ano passado, escreveu sobre Best Seller para a Foco: "Estabelecendo uma cadeia de vínculos intermediários bastante hábeis na apreciação da audiência, pode se dizer que Flynn concretizou tão bem quanto os manequins de Bresson essa busca “pelo mínimo estrito essencial”. É impossível não fugir de imagens como a revelação da traição da esposa do Major Raines enquanto ele lutava na guerra ou do modo desajeitado e lúdico com que James Woods tenta presentear o escritor do seu Pacto Fatal até ser abruptamente repelido, convertendo sua admiração também em ira.
"Essas são algumas das visões mais fortes da história do cinema americano. Os actores passam por entre três a cinco registos diferentes quase que sem expressão facial em questão de segundos. Eles não desperdiçam uma só nuance, porque no cinema de Flynn (e consequentemente no dos grandes encenadores) a consecução da construção das emoções dá-se no tempo e na pintura: a confluência entre o máximo de informações num mínimo de elementos."
Até Terça!
Até Terça!