Lugar certo, dia errado. É um mal-entendido que inicia este filme sobre um grupo de amigos desencontrados e que o destino os impede de se sentarem juntos à mesa mais do que uma vez. Este grupo de burgueses tudo tenta para poder partilhar uma refeição, mas as forças do mundo absurdo e irónico de Buñuel são mais fortes. Mesmo quando o apetite é grande, o azar é maior.
O grupo é impedido de continuar com a sua refeição um total de sete vezes, nas quais não se reúnem as condições mínimas para um convívio agradável e ininterrupto (até a comida e a bebida falham). Certamente, à terceira seria de vez (ou à quarta ou quinta). Tudo parece ir contra os planos deste grupo, que parece remar contra uma corrente de péssimos timings e de sonhos inoportunos.
Esta é uma comédia filmada de forma muito direta e sem rodeios, nada do seu estilo nos parece indicar que estamos perante uma sátira mordaz até que vemos um morto a ser velado no restaurante onde os amigos tentam jantar. O falecido é o dono do estabelecimento e os choros são da viúva, agora rodeada dos empregados do marido, à espera que a funerária o coloque num caixão, como dita a tradição cristã. Como é lógico, perde-se o apetite (a causa da morte não é revelada, pelo que intoxicação alimentar não está fora de questão) e o jantar é adiado outra vez. Esta é a segunda tentativa falhada numa saga cheia de imprevistos e transtornos (quer hilariantes quer macabros) para este grupo de amigos.
Mas afinal quem são estas pessoas para além dos seus inconvenientes? O que as une em amizade ou, talvez, em mera proximidade? Os três homens são parceiros no negócio ilícito da droga, facilitado graças à mala diplomática do Embaixador da República de Miranda, também ele envolvido num caso amoroso com uma das mulheres do grupo, por sua vez casada com um dos sócios do embaixador. Ela também é irmã de uma das outras integrantes do grupo. A terceira mulher é casada com o outro sócio do Embaixador. É por isso um grupo de pessoas reunidas por conveniência e circunstância e, claro, estatuto social. No entanto, mais nada sabemos sobre a vida íntima destas pessoas que se sentam à mesa. Fora dos seus empregados e conhecidos, das suas casas opulentas e dos seus carros de luxo, nada sabemos sobre a sua família mais extensa ou sobre as suas ocupações profissionais. Poucos detalhes são dados sobre a sua personalidade ou sobre os seus interesses, para além da bebida que preferem à mesa. Nada sobre eles é profundo ou distinguível, e por isso o seu charme é meramente discreto, longe de ser notável.
Esta é então uma história de uma classe social insípida, cuja única preocupação são os seus deleites carnais e a sua agenda social. Os inconvenientes que lhes surgem são a coisa mais interessante sobre eles, sejam eles obras do acaso ou do inconsciente. Não é de estranhar que Buñuel prefira por vezes mostrar os sonhos das outras pessoas que nem sequer pertencem ao grupo, e que parecem entram nas vidas destas personagens para lhes trazer uma partilha desafiante, um catalisador para refletir e mudar.
Contudo, o comportamento do grupo permanece inalterado e focado no seu único objetivo: jantar. Como consequência, este torna-se mais difícil de alcançar e nem no reino dos sonhos ele é atingido. Aliás, neste filme tudo o que é real parece um sonho, e tudo o que é um sonho parece real. Não podemos ter certeza de nada, nem do final, nem mesmo quando este parece ser permanente (não o é).
A imagem mais marcante do filme é repetida várias vezes e, inclusive, repete-se na cena final: o grupo de amigos caminha por uma estrada no meio do nada. O destino parece ser o mesmo de sempre: uma sala de jantar. Mas suspeitamos que, uma vez mais, o desfecho será sempre o mesmo e a refeição ficará suspensa. Infelizmente para estes burgueses, a fome, ao contrário do charme, nunca é discreta.