quarta-feira, 24 de maio de 2017

Rough Riders (1997) de John Milius



por José Oliveira


John Milius, argumentista e cineasta da geração dos movie brats, comparsa de Francis Ford Coppola (foi pedra angular no mítico Apocalipse Now que ainda veremos no nosso ciclo), colaborador de Steven Spielberg (1941, entre alguns outros nem creditados) ou Don Siegel (Dirty Harry, também na sombra), tem uma longa e diversa carreira a que prestamos homenagem com Rough Riders, a sua última realização. 

Poderíamos e deveríamos ter mostrado o lancinante, ferido e musculado, hino à amizade que é Big Wednesday ou mesmo Conan the Barbarian - Arnold Schwarzenegger perto dos Deuses e das estrelas - mas esta obra de 1997 produzida para a televisão mostra bem da mão e do poder de Milius em espelhar através das grandes batalhas do passado o panorama de hoje. E, obviamente, o seu saber na encenação e no storytelling que torna lamentável o longo silêncio posterior. 

Desta vez, e subvertendo com as melhores intenções a folha de sala, deixamos na íntegra um texto que o crítico brasileiro Matheus Cartaxo escreveu para a edição da Foco – Revista de Cinema dedicada a John Milius (Agosto - Setembro 2013). Serve também para homenagear esta valorosa revista online que irá brevemente conhecer uma antologia impressa pela editora A23. E também para lembrar os Encontros Cinematográficos do Fundão, onde será lançado o livro, este ano dedicados a Andrea Tonacci, Michael Cimino e Alberto Seixas Santos, que nos deixaram recentemente, e onde estarão vários nomes que já apresentaram filmes no nosso cineclube, tais como Miguel Marías, Bruno Andrade, Matheus Cartaxo ou Sérgio Alpendre. Longe dos holofotes e da pressão do prémio, da promoção de carreira ou das festas bajuladoras, é o lugar onde melhor se pode ver, partilhar e discutir o grande cinema ainda resistente. Passem por lá, é já no próximo fim de semana. Então, o texto de Matheus Cartaxo, e uma boa sessão: 

«Da prisão, eu trouxe 800 desenhos e 100 roteiros. Eu saí da prisão como outras pessoas saem de Oxford.



Sergei Paradjanov

O anúncio da guerra percorre os vários estratos da sociedade americana e chega à mansão de uma família aristocrática, onde um pai tenta convencer o filho a desistir de ir ao campo de combate. Este lhe responde: “Consegue entender que eu temo mais morrer como um menino rico na sua cama do que nunca saber o que é a fome, o ódio, a dor? Nunca saber o que é a honra ou a coragem? Maldito seja. Eu mereço saber”.

Bravos Guerreiros nos fala do sentimento de onipotência da juventude, da ambição de conquistar o mundo até o ponto onde se percebe que ele não está para brincadeiras. Chegará o momento em que o que se tem a fazer é revirar as fotografias que restaram - como no começo do filme faz um senhor, ex-combatente - e espantar-se: “Meu Deus! Como éramos jovens!”. Uma trama de lembranças começa a se desenrolar.



Assim como a montagem de fotografias dos créditos puxam o novelo da memória, a própria visão de um filme me parece o momento em que os sentimentos que foram comprimidos ao longo da duração do seu material adquirem a sua real dimensão. Astruc escreveu sobre a possibilidade de um espectador ver filmes como quem consulta um arquivo à procura de “críticas literárias, romances, ensaios da matemática, história, variedades”. Para ele, a expressão do pensamento é o problema fundamental do cinema.



Seria possível que víssemos filmes com o intuito de revisitar sentimentos que vivemos, como os de estar apaixonado, ter filhos, visitar o Grand Canyon ou ter oitenta anos? O que é ter dez anos? Serge Daney responderia: O Tesouro do Barba Rubra. O que é sair da casa dos pais rumo ao desconhecido? A resposta poderia ser: Bravos Guerreiros, filme cuja energia é própria do atrito entre o homem e o mundo.



Antes de entregarem-se à batalha, os voluntários passam por treinamentos. Grupo heterogêneo, entre eles há ladrões de diligências, jogadores de polo, índios Sioux (“que mataram o General Custer”), mexicanos e também o general Teddy Roosevelt, responsável pela articulação da guerra a qual se pode dizer que ele inventou para aprender a ser presidente, como há quem saia formado de uma prisão soviética ou de uma grande universidade.



As mudanças pelas quais Roosevelt passa durante o filme são paradigmáticas. No começo, ele é como uma criança excitada por ver de perto um campo de combate, tem um ar ingênuo, manda fazer roupas novas. O filme causa um estranhamento, parece como que “fora do tempo”, e em certa medida pela presença de Roosevelt: nos campos de batalha contemporâneos (isso também serve para a arte) a sua excitação, seu espírito pouco afeito à sobriedade burocrática, seria sem dúvida a primeira das vítimas.



Mais tarde, Roosevelt presenciará a morte de um soldado. A violência desse momento é como um golpe de cinzel na sua alma; faz com que ele silencie e se afaste com os ombros caídos. Milius o filma de costas, vemos as suas mãos indo ao rosto, ouvimos o que parece ser um choro silencioso, contido. Neste épico de formação, Teddy Roosevelt está para Milius como Lincoln esteve para John Ford.

Como no filme de 1939, a aventura se encerra (ou começa) no alto de uma montanha. Ford filmou Henry Fonda trajando a famosa cartola do presidente americano marchando rumo à História após sair de um pequeno vilarejo americano. Milius filma um futuro presidente cercado igualmente pelos homens simples cujos sacrifícios o impulsionaram a crescer. A icônica fotografia tirada nessa cena faz par com a efígie de Lincoln. Depois dela, esses filhos pródigos, enfim, retornam às suas casas, como homens.»

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