domingo, 14 de maio de 2017

60ª sessão: dia 16 de Maio (Terça-Feira), às 21h30


The Sunchaser é a última longa-metragem do Michael Cimino que nos tem ocupado uma tão merecida retrospectiva espalhada pelos anos e pelas décadas do cinema americano. Neste belo filme que ocupa certamente lugar cimeiro na sua obra e em que um jovem delinquente e um médico entediado e privilegiado se fazem à estrada em busca dos horizontes dos seus desejos, tudo se conjuga e pacifica, levantando a suspeita de que Cimino sabia já em 1996 que este seria o seu último filme. 

Na próxima Terça-Feira temos então viagem marcada pelas paisagens da América, com Cimino, 'Blue', o Dr. Reynolds e os mágicos, adivinhos e curandeiros de saberes milenares que se cruzam no seu caminho. Não faltem.

Michael Cimino, que da sua América natal não viu a mais pequena manifestação de curiosidade ou interesse em relação a este filme, teve que ir a França para falar sobre ele. A Elisabeth Lebovici, para o Libération, Cimino disse que "o início do filme é numa cela verdadeira e os gritos que se ouvem são assim dia e noite: há lá dentro crianças que ficam encarceradas em roupa interior durante um ano! Um amigo, negro, que dirige este centro de detenção para menores em Los Angeles, disse-me: «Sabes, Michael, é um filme que cura.» Não é uma qualidade própria ao western?

"Este filme não se inscreve em género nenhum. Quis fazer um cinema que superasse o western, o policial, o filme de gangsters, que existisse de forma autónoma. Para voltar a Pollock, aí está um pintor que tentou criar uma imagem fora de toda a noção pré-fabricada dos géneros. O meu objectivo também é esse."

Jean-Baptiste Thoret, autor do livro Michael Cimino, les voix perdues de l'Amérique, para o qual viajou com o realizador pelas paisagens que sempre o fascinaram, escreveu para o site do canal Arte sobre vários pormenores dos filmes de Cimino, debruçando-se também sobre The Sunchaser, notando que "incontestavelmente, corre sangue de curandeiro nas veias de Michael Cimino, para quem a Natureza grandiosa e elementar do Novo Mundo possui poderes curativos. Em Sunchaser, Blue tem só uma ideia na cabeça: atingir essa montanha mágica descrita por Dibé Nitsa num livro que ele descobriu na prisão. Esta montanha é só uma concepção, uma ilusão que o permite avançar, mas Blue acredita na sua visão que, no fim do filme, acaba por se materializar nos traços de um Medicine Man, uma miragem verdadeira que o transporta por trás da montanha, para uma última e grande viagem no seio dos espíritos Índios. « Para vocês, não há nada ali em cima a não ser rochedos, neve e dor », diz uma jovem índia ao pragmático Harrelson. « Uma dor muito profunda. Mas para a nação Navajo, é uma estada dos espíritos. A forma que a terra toma para contar as suas histórias. Se não estiverem prontos para ouvir, não vão lá ». Dito de outra maneira, prontos para ver. Foi preciso um road movie de uma hora e meia, e uma viagem ao coração do espaço americano, para que o Dr. Reynolds abandonasse os seus preconceitos, as suas categorias de julgamento (o verdadeiro/o falso, a alucinação/a realidade…), e ultrapassasse os estereótipos (« Estão aqui pela conjunção harmónica? » lança Anne Bancroft, uma cientista pós-hippie que desfaz os argumentos dos cépticos). Porque Cimino quer acreditar na compatibilidade possível entre os valores cartesianos de um e a espiritualidade do outro. O plano geral ou de conjunto, típico do estilo de Cimino (e a importância dos céus, signos de um misticismo ateu) exprime tanto o destino de uma humanidade dominada por uma Natureza mais vasta que ela como uma incerteza existencial do homem confrontado com a imensidão das paisagens. É por acaso que o doutor Reynolds começa a perceber os contornos do sonho ciminiano face ao espectáculo grandioso do Grand Canyon?"

Jesús Cortés, que o ano passado nos apresentou Phantom Lady de Robert Siodmak, escreveu sobre The Shunchaser no seu blog, notanto que "a partir da metade e ainda com mais intensidade no último terço do filme, a troca de experiências (entre 'Blue' e Reynolds) cansa-os e não os converte em heróis (televisivos, naturalmente). A estrutura do filme, que parecia muito vaga, mostra-se então inteligente e valiosa, dobrando a importância de cada detalhe antes dado por imaterial. 

"Blue e Reynolds desapareceram à frente dos nossos olhos, simplesmente, e encarnaram as projecções que Cimino consegue desenterrar de arquétipos ainda possíveis. Por eles implica-se Cimino, por eles está ele disposto a render-se à lírica e à fantasia. 

"Ser "totalmente homem" (um mensch, como diziam em The apartment), sacrificarmo-nos por algo em que acreditamos ou devíamos ter acreditado, escalar um cume impossível (que não nos oferece nada, certamente, para que nos sintamos no direito de ser recompensados), sacrificar a reputação por um amigo, quebrar a lei por uma boa causa ou escapar dela campo fora numa das cavalgadas (em cadillac) mais emotivas da história do cinema... a alma do filme está nesses gestos frequentemente desesperados. 

"Se esta não vale a pena, talvez não valha a pena filmar história nenhuma."

Até Terça-Feira!

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