sábado, 14 de abril de 2018

90ª sessão: dia 17 de Abril (Terça-Feira), às 21h30


O "primeiro filme sem referências cinematográficas" (Godard), o "primeiro filme moderno do cinema sonoro" (Rohmer) e a primeira longa-metragem de Alain Resnais, Hiroshima, meu Amor, é a nossa próxima sessão, nas salas de cinema do Braga Shopping. Escrito pela grande Marguerite Duras, que foi nomeada para o Óscar de Melhor Argumento Original, o filme passeia-se pelas possibilidades formais de um amor proibido, assombrado pelos destroços da guerra e da injustiça de homens contra homens, tomando o mundo completamente de assalto na sua estreia, em 1959.

Alain Resnais, respondendo a várias perguntas no Séminaire du Film et Cinéma, em 1960, debruçou-se sobre a sua forma de dirigir os actores, dizendo que "dificilmente posso falar de um método sobre um passado tão curto. O que me interessa, é que o actor esteja o mais à vontade possível. Tenho um grande respeito, um grande amor pelo actor. Tem um ofício muito difícil, muito delicado, pede-se-lhe imenso. Se estiver a chover, não se filma, se o actor estiver doente, filma-se na mesma! Para mim, a primeira coisa é evitar-lhes aborrecimentos, tanto quanto possível. Além disso, gosto que saibam perfeitamente o texto deles. Também gosto que saibam perfeitamente a sua colocação: as marcações, os gestos, os lugares, em relação ao enquadramento. Depois de isso estar tudo no ponto, eu tento um primeiro take dando só um sentimento, dando o máximo de liberdade. A partir desse primeiro take, podemos modificar as coisas, acrescentar, remover... mas tento sempre preservar um primeiro take bem fresco, não fazer uma coisa pré-fabricada."

Marguerite Duras, a mítica escritora e realizadora francesa que assinou o argumento do filme, em entrevista ao marido, Dionys Mascolo, para a revista Cinéma 59, disse que "Resnais trabalha de forma obsessiva. De qualquer forma, ele é como eu não acreditava poder-se ser em forma nenhuma, tirando a do romancista. Nestas condições, exigimos ser livres. Por isso é que uma cláusula do contrato estipulava que seríamos absolutamente livres de fazer o que quiséssemos. E ainda por isso é que só recebemos somas irrisórias por este filme. Mas foi tudo como queríamos; estamos contentes. 

"O que quero esclarecer, é que não aprendi nada sobre cinema com Resnais, que ainda assim era o ser que melhor conhecia o cinema que jamais tinha encontrado. O que eu aprendi, muito simplesmente, é que o cinema não difere das outras artes e fiquei feliz, sim, muito feliz. Mergulhei no filme. Ainda assim, as imagens surpreenderam-me quando as vi. As de Nevers, por exemplo. Descobri nelas um exotismo inverso. A França era no fim do mundo. Era exótica em relação ao Japão. É muito raro ver-se assim superadas as previsões poéticas duma imagem e no entanto foi isso que me aconteceu com Resnais."

Jean Douchet, que nos falou de Hitchcock o ano passado, escreveu sobre o filme para a revista Arts, perguntando, "poder-se-ia imaginar Vélasquez, que acabou de terminar as suas Meninas, enquanto Picasso já tece as as suas maravilhosas variações? Certamente que não. Aqui acontece algo de semelhante. Com Hiroshima, meu Amor, Alain Resnais liberta o cinema do século XVII para o fazer mergulhar sem transições no coração do século XX. [...] Quebra o quadro da narrativa tradicional e introduz a técnica romanesca cara a Faulkner: o passado das personagens ou o passado histórico imerge em lampejos à superfície do presente e envenena-o ao mesmo tempo. Por outro lado, ao introduzir o cinema no cinema, Resnais iguala as obras literárias mais recentes de um Klossowski ou de um Borges: oferece-nos a reflexão em segundo grau, convida-nos para um jogo de espelhos [...]. Também um musicólogo podia encontrar a influência de Stravinski no ritmo e na montagem dos planos de Hiroshima, meu Amor

"Finalmente, do ponto de vista pictórico, este filme evoca o cubismo, Picasso e Braque. Moderno, Hiroshima, meu Amor também o é pelo seu tema. É a tragédia da impossibilidade da união e da plenitude de si mesmo. É a vitória da segmentação, da dissociação, do fragmentário. É impossível ser totalmente uno porque vivemos no instante e cada instante condena-nos ao nascimento mas também à morte de uma parte de nós próprios. Talvez seja esse o símbolo profundo da primeira imagem do filme. Vêem-se só dois corpos abraçados, indistintos entre ambos, enquanto uma chuva de cinzas os cobre. Pode-se imaginar que estas cinzas sejam as mesmas da bomba atómica, isto é, como aquela dos vestígios da guerra que ainda recai sobre o presente e o contamina. Mas eu prefiro vê-las como o símbolo de uma dialéctica do instante: ao mesmo tempo que estes indivíduos "se incendeiam um ao outro" (como é dito a um certo ponto no texto) já os cobrem as cinzas deste fogo, as cinzas do esquecimento."

Até Terça-Feira!

2 comentários: