por João Palhares
No teatro Robert-Houdin em Paris (que comprou em 1888) e na recta final do século XIX, Marie-Georges-Jean Méliès encantava o público francês com os seus números de magia, quando assistiu às primeiras apresentações públicas dos filmes dos irmãos Lumière e dos seus operadores. Não conseguindo comprar a câmara e o projector a Louis Lumière, que lhe terá dito que o cinema não tinha futuro, pôs as mãos à obra e adaptou pessoalmente uma câmara que conseguiu comprar em Inglaterra, aplicando os seus talentos como mágico à medida que ia descobrindo efeitos possíveis, quase sempre em acidentes de projecção. Enquanto os anos iam passando, os efeitos de Méliès iam ficando cada vez mais sofisticados e abriam um oceano de possibilidades para a arte do cinema. Exposições multiplicadas, cadeiras automáticas, cenários rotativos e cheios de entradas secretas, calabouços mágicos... O génio de Méliès abria assim caminho para os grandes engenheiros do cinema, de Allan Dwan a Jacques Tati, de Buster Keaton a Pedro Costa.
A dupla herança dos Lumière e de Méliès foi muitas vezes posta em diálogo interno, começando por se dizer que os primeiros teriam inventado o documentário e o segundo a ficção (há já mais de cem anos, para verem a falsa pertinência em se discutirem as fronteiras entre o documentário e a ficção como se fosse uma coisa absolutamente nova. Quantos simpósios, quantas mesas redondas, este ano? Enfim.), recusando-se depois essa noção e dizendo que foi ao contrário, que a ficção estava nos Lumière e o documentário em Méliès (e lembre-se um diálogo de La chinoise (1967) de Jean-Luc Godard, em que o personagem de Jean-Pierre Léaud rematava uma conversa perguntando “o que fez o Méliès na altura? Ele filmou a viagem até à lua. Méliès filmou a viagem do Rei da Jugoslávia ao presidente Fallières. Agora, podemos dizer, que eram reais acontecimentos da actualidade. Tu ris-te, mas é verdade. Ele criou os eventos da actualidade. Ele recriou os eventos da actualidade. Mas eram acontecimentos da actualidade. Eu diria até que Méliès é brechtiano. Não se esqueçam disso, ele era brechtiano.”), até aos dias de hoje, em que se dirá que os irmãos pioneiros são a cabeça do cinema, onde está alojada a alma, e Méliès o corpo, onde bate o coração.
Le voyage à travers l'impossible, de 1904, acompanha um grupo de cientistas numa viagem em comboios modificados e personalizados para uma viagem ao centro do sol, depois dos foguetões da Voyage dans la Lune (1902). E nunca é despropositado ver os novos mundos que o francês deu ao mundo, no seu estúdio de vidro em Montreuil, com cenários impressionistas e tramas surrealistas. A ficção científica pode ter pouca ciência mas criou as fundações e o imaginário para todo esse cinema, encantando-nos no processo com sequências de planos que fluem como um rio, coloridos antes da cor ser um processo, encadeados antes da montagem ser um conceito. O assombro é inigualável. É essa a impressão que fica desta viagem, recomendando-se também o outro filme "impossível" de Méliès, o fabuloso Déshabillage impossible (1900).
Le voyage à travers l'impossible, de 1904, acompanha um grupo de cientistas numa viagem em comboios modificados e personalizados para uma viagem ao centro do sol, depois dos foguetões da Voyage dans la Lune (1902). E nunca é despropositado ver os novos mundos que o francês deu ao mundo, no seu estúdio de vidro em Montreuil, com cenários impressionistas e tramas surrealistas. A ficção científica pode ter pouca ciência mas criou as fundações e o imaginário para todo esse cinema, encantando-nos no processo com sequências de planos que fluem como um rio, coloridos antes da cor ser um processo, encadeados antes da montagem ser um conceito. O assombro é inigualável. É essa a impressão que fica desta viagem, recomendando-se também o outro filme "impossível" de Méliès, o fabuloso Déshabillage impossible (1900).
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