por Jacques Lourcelles
Inédito em Portugal, 1935 – França (65’) ● Prod. Films Marcel Pagnol ● Real. MARCEL PAGNOL ● Gui. Marcel Pagnol ● Fot. A. Assouad ● Mús. Vincent Scotto ● Int. Henri Poupon (Merlusse), André Pollack (o director), Thommeray (o censor), André Robert (o supervisor geral), A. Rossi (o porteiro), Annie Toinon (Nathalie), Jean Castan (Galubert), o pequeno Jacques (Villepontoux), Rellys (o bedel), Rellys, filho (Bézuquet).
No liceu de Marselha, vinte alunos internos não saem para as festas de Natal. O supervisor Blanchard, último a chegar ao liceu, é encarregado do estudo da noite nesse 24 de Dezembro. Só com um olho como resultado de uma ferida de guerra, feio, aparentemente violento e em todo o caso severo, ele aterroriza os alunos. Eles chamam-no de Merlusse, porque tem a reputação de cheirar a bacalhau*. A pedido do censor e para ajudar um colega chamado à cabeceira da sua mãe doente, ele supervisiona o refeitório e depois o dormitório. Na manhã do dia seguinte, dia de Natal, todos os alunos têm a surpresa de encontrar um presente ao pé das suas camas. Atribuíndo-o imediatamente à generosidade escondida do supervisor, as crianças reúnem-se para dar cada uma ao mestre um objecto precioso que Blanchard vai encontrar nos seus sapatos. «A quem devo agradecer?» pergunta ele ao mais velho dos alunos – «Ao Pai Natal. Ele não vem muitas vezes ao dormitório. Mas quando se dá ao trabalho, vem para toda a gente». O director vai criticar esta iniciativa não regulamentar, mas anunciará ao mesmo tempo a Merlusse a sua nova promoção.
*Bacalhau em francês é “morue”.
► Se tivéssemos de designar apenas um filme para demonstrar o génio de Pagnol, o seu método, o seu conhecimento íntimo dos meios e das possibilidades do cinema e a riqueza e a universalidade das suas personagens, podíamos escolher este Merlusse, obra totalmente original a meio caminho entre a média-metragem e a verdadeira longa-metragem. Quanto ao método, ele é claro: o autor investe num lugar real (o liceu de Marselha) que, de certa forma, e como a Provença das suas obras mais célebres, vai contar ainda mais que as personagens; uma pequena equipa enfia-se no local modificando-o o mínimo possível e, no interior desse espaço onde a verdade já exala por todo o lado, Pagnol filma um pequeno drama, verdadeiro condensado de paixões humanas descritas num idioma admirável e sóbrio. Merlusse fornece a prova dos nove do génio de Pagnol porque este filme sem estrelas, sem sol e em que as personagens estão aprisionadas, extirpadas do seu ambiente natural (e do que é geralmente chamado de universo de Pagnol), dispensa a mesma
emoção, atinge a mesma força que Angèle ou La fille du puisatier e surpreende o espectador com as mesmas interpretações poéticas, variadas e precisas dos actores. Merlusse também é um filme sobre a fealdade, a diferença, a crueldade e o abandono, tudo coisas de que o cinema não falava de bom grado na altura em que Pagnol o escreveu. Por fim, o filme obedece à tradição do conto de Natal que quer que os acontecimentos evocados a desenrolar-se durante essa noite encantada modifiquem de forma positiva a vida das personagens da história, sobretudo quando elas estão desamparadas e tristes.
BIBLIO.: argumento e diálogos in «La Petite Illustration» (1935). Em volumes pela Fasquelle (1936). Nas «OEuvres dramatiques» (Gallimard, 1954). Nas «OEuvres complètes» (Éditions de Provence, tomo III, 1967, Club de l'Honnête Homme, tomo IV, 1970). Também nas Éditions Pastorelly, 1974 e Presses Pocket. Prefácio soberbo consagrado a Henry Poupon, recuperado no volume «Confidences» (Julliard, 1981, Presses Pocket, 1983). Descontente com o som, Pagnol rodou o filme duas vezes (Natal de 34, Verão de 35).
in «Dictionnaire du Cinéma – Les Films», Robert Laffont, Paris, 1992.