A próxima sessão do Lucky Star, Hell to Eternity, foi sugerida por Mário Fernandes, aventureiro e bandoleiro cinéfilo que nos mostrou em Maio o primeiro filme de Sam Peckinpah, The Deadly Companions.
Foi Mário Fernandes que disse que "quando chegarem a 1960, não te esqueças de programar Hell to Eternity do poeta experimental Phil Karlson. O gajo que filma 15 minutos de strip-tease, corta para as detonações na ilha do inferno Japonês e emudece o filme para o cortejo fúnebre - a pouco e pouco ouvimos passos e o último estalar dos dedos de um soldado. É foda. Abraço." E preparou um vídeo que vai anteceder a sessão de dia 19.
Phil Karlson, artilheiro da chamada série-b do cinema clássico americano, fascinante e atormentado artesão, foi irmão de armas de Richard Fleischer, Anthony Mann, Edgar G. Ulmer, Joseph H. Lewis, Jack Arnold e Budd Boetticher, e sobre o seu Hell to Eternity, disse que, "apesar de tudo, eles não sabiam o bem que me estavam a fazer, porque eu estava a experimentar com tudo o que fazia, a tentar apanhar os meus troços de verdade aqui e acolá, que tentava esgueirar nestas coisas de que eles nem sequer estavam conscientes. Na verdade, eles eram mesmo o oposto. Eram os tipos de ala-direita mais conservadores que se pudesse ver. Não faziam ideia do que se estava a passar no que dizia respeito ao verdadeiro conteúdo. Mais tarde, com o Steve Broidy, depois do Trem Carr ter saído, e começámos a ter lá os Mirisches, comecei então a fazer estes filmes que realmente diziam qualquer coisa.
"Todos os filmes bem sucedidos que eu fiz foram baseados em factos. Claro, entra lá muita ficção, mas a ideia base é verdadeira. O último filme que eu fiz para a Allied Artists, há treze anos, foi Hell to Eternity [1960], e Hell to Eternity é um dos filmes mais importantes que hei-de fazer porque era a história verdadeira dos Nisei, do que aconteceu neste país. Mas a Allied Artists, mesmo nessa altura, olhou para ele como uma grande história de guerra que se podia fazer por um preço. Não faziam ideia do que eu estava a fazer. Mas quando o filme teve tanto sucesso, começaram a ver coisas nele que nunca tinham visto antes. Esqueçam o facto de que usei cinco mil japoneses e cinco mil fuzileiros que estávamos a arranjar por dinheiro nenhum. Eu filmei-o em Okinawa no Japão por menos que $800,000. Desafio qualquer companhia a fazer esse filme por $5,000,000, hoje."
Deixemos então Bill Krohn apresentar-nos Phil Karlson: "Nascido em Chicago em 1908, Philip Karlson, nascido Karlstein, era metade-judeu e metade-irlandês (cf. There Goes Kelly). A mãe dele era uma actriz dos Abbey Players em Dublin que se tornou uma estrela nos palcos Yiddish da América. Ele herdou a veia artística dela e estudou pintura no Art Institute de Chicago, mas o pai dele insistiu que ele se licenciasse em Direito pela Universidade da Califórnia. Fazendo uns biscates na Universal enquanto estudava, subiu na hierarquia ajudando em filmes que iam desde comédias de Abbot e Costello a filmes importantes com Marlene Dietrich.
"Perdemos-lhe o rasto entre 1941 e 1944, quando volta a aparecer com A Wave, a Wac and a Marine, o primeiro filme dele como realizador e o primeiro de quinze filmes que fez para a Monogram, a companhia de série-B a que Godard dedicou À Bout de Souffle. Produzido anonimamente por Lou Costello, o espectáculo carnavalesco brechtiano de Karlson sobre a relação entre Hollywood e a guerra pairou sobre as cabeças do público rural da Monogram. Portanto, em vez de fazer um The Best Years of Our Lives ou um Detective Story, ele fazia Kilroy Was Here, sobre um homem assombrado por um fantasma ridículo da guerra, e The Missing Lady, uma brincadeira porca borguesiana em que as personagens às vezes usam a câmara como um espelho para verificar as suas aparências.
"A Monogram usou o nome Allied Artists pela primeira vez para distribuir Black Gold, que Karlson filmou durante um ano em exteriores entre rodagens de filmes baratos em Hollywood para conseguir as cores certas das estações. A companhia usou o nome outra vez para lançar Phenix City Story, tornando-se uma casa independente portentosa depois desse sucesso, e depois outra história real, Hell to Eternity, em 1960. Só o estúdio em que Karlson aprendeu a atirar um número burlesco para impedir o segundo acto de murchar poderia lançar um filme em que o primeiro Acto é o internamento de Japoneses-Americanos, o segundo Acto uma orgia em Honolulu, e o terceiro Acto o suicídio em massa de soldados japoneses em Iwo Jima. Durante o segundo Acto a câmara de Karlson, no meio da guerra, acompanha, num quarto, as correntes libidinosas como faria John Cassavetes em Faces."
Até Terça!
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