quarta-feira, 27 de julho de 2016

Nan va Koutcheh (1970) de Abbas Kiarostami



por João Palhares

Abbas Kiarostami, cineasta iraniano que nos deu o belíssimo Khane-ye doust kodjast, em que um miúdo atravessa o que parece ser o mundo inteiro para entregar um caderno ao colega da escola, Bād mā rā khāhad bord e Klūzāp, nemā-ye nazdīk, mais conhecido como Close-Up e que tomou de assalto o mundo do cinema, começou por trabalhar em design gráfico, fazendo os genéricos de alguns filmes antes de se aventurar na realização com Nan va Koutcheh, escrito pelo seu irmão. Kiarostami contou a Shahin Parhami em 2004 que “na altura em que estava a trabalhar para o Instituto de Desenvolvimento Intelectual das Crianças e dos Jovens Adultos nos finais dos anos 60, li muitos guiões, mas saltou-me à vista este em especial. A linha temporal unificada atraiu-me particularmente. A história em si tem só a duração de doze minutos, portanto não havia grande necessidade de dividir o tempo. Mas também estava ciente que dividir o quadro temporal para mostrar a passagem do tempo faz os cineastas submeterem-se a clichés e convenções. Portanto foi um desafio interessante para mim aproximar o tempo fílmico do tempo real o máximo possível sem usar essas convenções. 

“Nan va Koutcheh foi a minha primeira experiência em cinema e devo dizer que muito difícil. Tive que trabalhar com uma criança muito jovem, um cão e uma equipa não profissional, tirando o director de fotografia, que chateava e se queixava a toda a hora. Bom, o director de fotografia de certa forma tinha razão porque eu não segui as convenções do cinema a que ele se tinha habituado. Insistiu que dividíssemos as cenas. Por exemplo, ele queria tirar um plano geral do miúdo a aproximar-se, um plano aproximado da mão do miúdo e depois o miúdo entre em casa e fecha a porta, um plano do cão quando vai dormir para a porta, etc. Mas eu achava que se os conseguíssemos a ambos (miúdo e cão) num plano só, isto é, entrando no enquadramento, o miúdo a entrar em casa e o cão a adormecer à porta, teria um impacto mais profundo. 

“Eu acho que esse foi o plano longo mais difícil que filmei na minha vida. Para esse plano em particular tivemos que esperar quarenta dias; mudámos de cão três vezes (um deles até tinha raiva). Apesar dos problemas todos que enfrentámos aconteceu finalmente ou fez-se luz. De certo modo este filme é devido em grande medida à minha falta de conhecimento no que diz respeito a convenções fílmicas. Agora, quando penso nisso, chego à conclusão que tomei a decisão certa. Acredito que dividir as cenas – embora possa contribuir para o ritmo do filme – pode muito bem prejudicar a realidade e o conteúdo do filme.”

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