sábado, 2 de julho de 2016

21ª sessão: dia 5 de Julho (Terça-Feira), às 21h30


O nosso cineclube chega a Raoul Walsh, cineasta americano que foi discípulo e colaborador do fundador D. W. Griffith e que antes disso viveu no México, aprendendo não só os mais variados ofícios (medicina, condução de gado) como também a viver a vida. Em Hollywood, realizou mais de uma centena de filmes, do épico mudo (The Thief of Bagdad) aos filmes de guerra (Objective, Burma!, The Naked and the Dead), da comédia (Me and My Gal) aos grandes frescos históricos (The Big Trail, Band of Angels), dos filmes de gangsters (The Roaring Twenties, White Heat) aos filmes de aventuras (Captain Horatio Hornblower, The World in His Arms), da biografia (Gentleman Jim) aos westerns (Pursued, Colorado Territory), do musical (The Strawberry Blonde) ao melodrama (The Revolt of Mamie Stover). Tudo filmes que ultrapassam e superam os seus géneros fazendo portanto parte de uma obra perfeitamente coesa, mas também solta e fascinante e que termina com A Distant Trumpet, que é a nossa próxima sessão.

A anteceder o filme teremos uma apresentação em vídeo por Luiz Carlos Oliveira, Jr., crítico e professor de cinema brasileiro que já colaborou para as revistas FOCO, Interlúdio e Paisà, curou as mostras de cinema "Vincente Minelli - Cinema de Música e Drama" (em 2011) e "Jacques Rivette - Já não Somos Inocentes" (em 2013), escreveu o livro A mise en scène no cinema: do clássico ao cinema de fluxo (também em 2013) e escreveu e realizou ainda uma curta-metragem em 35 mm, O Dia em que não matei Bertrand, baseada no conto homónimo de Sérgio Santanna.

Em 1963, durante a rodagem de Trumpet, Raoul Walsh contou a história a Louis Skorecki e falou-lhe das suas ambições para o filme. Ouçamos: "Pois bem, vejamos. Sabe, é uma história muito longa para contar. É a história de um jovem tenente, saído recentemente de West Point, e que enviam para o Arizona profundo, para o Fort Discovery, um posto muito avançado, em pleno território Apache. Estes Apaches atravessam a região inteira, roubam o gado, pilham os ranchos e matam as pessoas. Ele chega lá e encontra um forte em péssimo estado. E, portanto, resolve pôr tudo em ordem. A primeira coisa que faz, a primeira missão é trazer madeira para o forte para reparar os danos mais graves. Enquanto corta essa madeira na floresta, os Apaches atacam-lhe a colónia, roubam as carroças: há muito pânico, os seus soldados fogem. Ele vê-se sozinho, e parte. Depois de um ou dois dias a cavalo, encontra uma diligência desgovernada, cujo motorista foi morto pelos Índios. Dentro da diligência, há só um passageiro: uma jovem mulher que deixou o forte. Ela era casada com um tenente, e ele já tinha estado com ele. Vai em socorro dela e leva-a pelas montanhas, enquanto os Índios perseguem a diligência e os cavalos que querem recuperar. Ele passa um dia inteiro e uma noite com essa mulher. Depois, no caminho de volta para o forte, são surpreendidos por uma tempestade terrível. Procuram refúgio numa caverna, e é aí que têm uma grande cena de amor. Já no forte, o tenente escreve uma denúncia sobre a deserção dos seus homens e decide acabar de uma vez por todas com aquela desordem. Quer fazer deles verdadeiros soldados: e portanto começa a treiná-los. A pé, a cavalo, fá-los fazer uma série de exercícios tão puxados, que ao fim mal têm forças para se manter em pé.

"A cena de amor entre o tenente e a rapariga - que de resto ainda não filmei - é a cena mais importante do filme. Como em todos os meus filmes, toda a história gira à volta dessa cena... Este western que estou a fazer vai ser, acho eu, um óptimo filme. Tenho tudo o que preciso: centenas de índios e soldados, uma boa história, grande tela e tudo o resto... Espero muito dele.

"Sabe, o que é preciso tentar fazer no cinema, é apresentar uma grande variedade de elementos diferentes num filme, fazê-los entrar em acordo entre si, para que o filme seja construído um bocado como uma peça de música, uma sinfonia.

"Também gosto muito do trabalho de William Clothier neste filme. É o primeiro filme que faço com ele e é um excelente director de fotografia, especialmente em exteriores. Muitos dos nossos directores de fotografia são pessoas que não sabem trabalhar sem ser no estúdio. Ele, pelo contrário, é um homem duro. Adora trabalhar em exteriores e é por causa disso que a iluminação que fez para este filme é tão sensacional. O Lucien Ballard, por exemplo, também fazia uma fotografia a cores muito boa, mas sobretudo em interiores. A sua arte é notável particularmente nas mulheres. Quanto a Sid Hickox, que trabalhou muito comigo durante uns quinze anos, fazia um preto e branco muito bom, e tínhamos uma colaboração muito próxima."

Olhando para trás, para Walsh, para Distant Trumpet e para si próprio em Raoul Walsh et moi, Skorecki escreveu que "Na cantina, um chefe índio com nariz de courgette madura empanturra-se de beringelas ainda mais maduras e carne de lombo. Noutra mesa um cavalheiro californiano finge remover o pedaço de algodão que tapa desajeitadamente o seu olho morto. É um tique nervoso, apenas um tique. De vez em quando, Raoul Walsh, porque é dele que se trata, põe-se a esfregar freneticamente esse olho cego como se o quisesse arrancar da sua órbita invisível. Estamos a 13 de Agosto de 1963, no plateau da Warner, na rodagem de A Distant Trumpet, esse belo western intemporal que será o melhor dos últimos filmes dos cinco hollywoodianos de um só olho (dizemos isto, mas alguns dias, é Lang ou Ford que preferimos, noutros pensamos que é Tex Avery; por André de Toth ninguém se levanta).

"– Horatio, tens a certeza que foi em 1963?

"– Escuta Mamie, apesar de seres uma Stover estás a confundir 1964, o ano da estreia de Distant Trumpet, com a data da sua rodagem, nove meses antes, em 1963.

"– É verdade que ele não dirigia os actores dele, meu Hornblower querido?

"– Sim e não. Fingia não se preocupar com nada, como se fosse só um realizador qualquer encarregado de vigiar o bom caminho das operações. Sabia o que era um western, ele, e como nós não sabíamos que mais fazer, víamo-lo como um contramestre, se quiseres.

"– Horatio, exageras como sempre!

"– Estou abaixo da verdade verdadeira, queres dizer.

"– E Troy Donahue? E Suzanne Pleshette? Não foi ele próprio, se bem me lembro, de resto, que contratou esse casal de adolescentes que arrulhavam longe dos holofotes?

"– Aí, enganas-te outra vez. Ele dizia que eram dignos de Errol Flynn e de Virginia Mayo, tinha um ar sincero.

"– E se isso fosse apenas para desempenhar o papel de contramestre, para ser regulamentar com os seus patrões da Warner?

"– Aí, Mamie, acertaste no alvo. Mesmo aos sete anos, em 1963, eu achava suspeito esse entusiasmo que ele tinha pelo louro efeminado de Troy. Na verdade, ele só gostava do grande índio com o enorme nariz. Esse, não parava de o mostrar, tinha orgulho de o ter encontrado."

Até Terça-Feira!

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