A nossa próxima sessão é bastante especial pois trata-se ainda de recuperar uma obra ímpar dos anos setenta que estranhamente tem sido abafada pelos historiadores, pela crítica e mesmo por Cineclubes ou Cinematecas mais atentas. Electra Glide in Blue criou bastante polémica na altura por supostas posições ideológicas, para hoje se perceber que só falava dos temas mais antigos do mundo: solidão, medo, morte. São policias e hippies em rota de colisão, poderiam ser índios e cowboys, crentes ou ateus. Trata-se do único filme realizado por James William Guercio, que logo se fartou de tanta ignorância e se virou para a música, colocando como produtor no mapa bandas como os Blood, Sweat & Tears, ou os Chicago. Robert Blake vive o papel da sua vida, num modo de acolher paisagem e homem que de uma assentada une John Ford, Michael Cimino e Clint Eastwood. Fundamental.
Francisco Rocha, criador e autor do blog My Two Thousand Movies, um dos maiores e mais honestos cinéfilos do planeta e arredores e um dos maiores fãs de Electra Glide in Blue (que diz ser sobre a "queda do sonho americano"), vai apresentar o filme em vídeo.
James William Guercio, no fim do comentário áudio do DVD de Electra Glide in Blue debruçou-se sobre ele e sobre a canção que escreveu de propósito para o filme, Tell Me, dizendo que "a América é um grande sonho mas o Vietname foi um período muito duro e pensar nisso também é portanto, a meu ver, não era um filme fascista e eu falei a respeito disso aos europeus, que pensavam isso, mas eu não achava que era o que este filme significava, para mim. O que ele significava, para mim, era a nobreza da experiência americana e, sabem, pessoas como o meu pai que trabalharam a vida inteira e é por isso que deviam ouvir a letra, "digam-me que não é tarde demais". Era de pensar que isso ia juntar as pessoas e era o que eu queria fazer. Mas era uma história policial bem modesta."
James William Guercio, no fim do comentário áudio do DVD de Electra Glide in Blue debruçou-se sobre ele e sobre a canção que escreveu de propósito para o filme, Tell Me, dizendo que "a América é um grande sonho mas o Vietname foi um período muito duro e pensar nisso também é portanto, a meu ver, não era um filme fascista e eu falei a respeito disso aos europeus, que pensavam isso, mas eu não achava que era o que este filme significava, para mim. O que ele significava, para mim, era a nobreza da experiência americana e, sabem, pessoas como o meu pai que trabalharam a vida inteira e é por isso que deviam ouvir a letra, "digam-me que não é tarde demais". Era de pensar que isso ia juntar as pessoas e era o que eu queria fazer. Mas era uma história policial bem modesta."
Olivier Père, o director artístico do Festival de Locarno e programador da Cinemateca Francesa, talvez quem mais tenha ajudado a re-descobrir este filme esquecido (de que revela o final, neste excerto - fica o aviso), confessou que "entre os « road movies » mais ou menos directamente gerados pelo sucesso de Easy Rider (A Estrada Não Tem Fim, Corrida Contra o Destino), há um que pode ser visto como o contraponto exacto do filme sobrevalorizado de Dennis Hopper. Electra Glide in Blue (nome das grandes cilindradas pilotadas pelos motociclistas da polícia) na verdade tem como herói um polícia íntegro, idealista até à ingenuidade, percorrendo as estradas do Arizona na sua moto. Ele é interpretado pelo estranho Robert Blake, que 25 anos mais tarde assombrará a Lost Highway de David Lynch, e cuja pequenez é objecto de vários gags visuais no filme. Um inquérito rotineiro sobre um suicídio duvidoso fá-lo-á tomar consciência da corrupção geral que reina na polícia. Aos heróis traficantes de droga sucede-se um polícia que terá uma morte simétrica às de Easy Rider, fuzilado na estrada por hippies. Electra Glide in Blue é o único filme do produtor musical James William Guercio, cinéfilo que só jura por Ford e A Desaparecida. Quando recebe carta branca para realizar um filme de baixo orçamento, Guercio aproveita para assinar um western moderno, entre respeito fetichista e re-leitura crítica. Contrariamente a outros filmes populares dos anos 70 (Zabriskie Point, por exemplo), Guercio não quer dinamitar as mitologias americanas, mas pô-las à prova com os tempos modernos e continuar a engrandecê-las no plano cinematográfico. Ele torna as paisagens fordianas e reproduz os enquadramentos e as cores d'A Desaparecida (com a cumplicidade de Conrad Hall, um dos maiores directores de fotografia da sua geração), enquanto que os interiores adquirem uma autonomia estética com um tratamento visual oposto. As rupturas no tom também se multiplicam ao longo da estória, do humor à ultra violência com uma perseguição manchada de sangue quase surrealista. Guercio está muito mais próximo de Michael Cimino que de Dennis Hopper. A ironia pós-moderna e uma certa excentricidade não chegam a esconder a melancolia profunda e a nostalgia apaixonada do cinema primitivo americano.
"É por todas estas razões que Electra Glide in Blue é um objecto atípico, um verdadeiro hapax. Guercio não filmará mais nada depois deste filme, acusado de fascismo na sua estreia (porque o personagem principal é um polícia e porque os hippies são descritos como ectoplasmas nada simpáticos) depois caído no esquecimento (apesar da selecção oficial no Festival de Cannes) até Vincent Gallo ou os Daft Punk o citarem como uma influência maior (ver The Brown Bunny ou os robots de couro preto a errar no deserto de Electroma)."
Até Terça-Feira!
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