sábado, 28 de janeiro de 2017

45ª sessão: dia 31 de Janeiro (Terça-Feira), às 21h30


«The Right Stuff (Os Eleitos), a adaptação de Philip Kaufman do aclamado retrato de Tom Wolfe sobre os astronautas originais da NASA, é "O" épico americano da última grande fronteira e uma aproximação genuinamente romântica da primeira geração de cowboys do espaço.» 

Assim escreveu Sean Axmaker sobre o filme da nossa próxima sessão. Investimento pessoal do realizador que deu o litro e inclusive se zangou com muita gente para levar a sua avante, muito falado e visto na altura, detentor de um elenco portentoso e surpreendente, caiu nos últimos anos num relativo esquecimento, apesar de muitos cineastas da vaga americana dos anos 90 o terem em grande estima. 

E assim propomos uma redescoberta pelas pulsões e visões aventureiras dos homens que nunca se contentaram com o adquirido. Como nos westerns, precisamente. O fascínio do desconhecido e do passo para o abismo como gesto inaugural.

Kaufman disse em entrevista a Richard Rushfield que "o filme inteiro não é sobre alguém em específico. É mesmo sobre qualquer coisa chamada o estofo certo. O estofo certo é o herói do filme. É uma qualidade que transmigra de alguma forma de uns para os outros. Quero dizer, no nosso filme e no livro do Tom Wolfe, parece que começa com Chuck Yeager, mas podia-se certamente traçá-lo mais para trás, fosse a Teddy Roosevelt ou ao Oeste Americano ou a Ernest Hemingway, que deu parte da definição que Tom Wolfe usou – graça sob pressão – como uma das qualidades do estofo certo. Portanto nos anos 60, nós não estávamos muito cientes de como essa qualidade se ligava ao passado Americano, à identidade Americana. Foi um momento extraordinário no tempo, mas foi no meio da corrida espacial. É daí que vem a espécie de Campeonato Mundial. Somos nós contra os Russos, e foi essa ânsia em ganhar que pôs as pessoas excitadas. E claro, foi maravilhoso quando John Glenn entrou finalmente em órbita, e como aponta Tom Wolfe, essa foi provavelmente a última altura em que todos os Americanos conseguiram concordar em alguma coisa, em que aplaudiram todos da mesma maneira."

Para os Cahiers du Cinéma e pela altura da estreia do filme, Charles Tesson escreveu que "quando Kubrick estava a realizar 2001, a NASA e o seu programa Apolo estavam a poucos meses de caminhar na lua. Pura coincidência? Que há em comum entre uma ficção que foi composta num estúdio e a verdadeira viagem para o espaço sideral, entre uma imagem de vídeo borrada em que se vê uma figura que mal se mexe e as cores de Cinema Scope em 70mm? Em relação a The Right Stuff, podíamos dizer que funciona como a síntese destas imagens, 15 anos mais tarde. (...) The Right Stuff é um documentário reconstituído mas é principalmente um filme de ficção científica no seu estado mais puro (uma ficção sobre a ciência) que, independentemente do seu guião é capaz de representar uma sombra do real. (...) André Bazin, que foi sempre atraído por um cinema de exploração, reconheceu que este tipo de documentário levantava um duplo problema: uma questão técnica e a da moralidade. “Fazer batota para melhor poder enganar o espectador a ver a realidade dos acontecimentos,” costumava dizer ele. E ao ver The Right Stuff, podíamos dizer que se encaixa perfeitamente neste modelo."

No seu Dictionnaire du Cinéma, Jacques Lourcelles escreve que "o filme exprime dois pontos de vista em simultâneo sobre o seu tema: nostalgia e exaltação (moderada) na descrição da era dos grandes pioneiros solitários, a maior parte das vezes ignorados pelo grande público; ironia e espírito crítico na descrição da era contemporânea. Antigamente, o piloto era o único soberano a bordo, antes e durante a operação. De seguida, devido à complexidade do material empregado, ele mal tinha direito a uma palavra sobre os preparativos e não tinha praticamente liberdade nenhuma, iniciativa nenhuma durante o próprio vôo. As missões espaciais, no que diz respeito à passividade forçada daqueles que as realizam, começam a parecer missões-suicidas. Esta dualidade de pontos de vista faz a riqueza do filme sem afectar a sua unidade. Ela afastou em certa medida o grande público do filme, atraído cada vez mais por obras monolíticas e desprovidas de qualquer subtileza. E The Right Stuff, que merecia um triunfo mundial, não teve bem o sucesso esperado. A mise en scène de Kaufman, clássica, comedida, luminosa, serena, evita a ostentação e a vaguidão. Quer-se herdeira dos grandes clássicos americanos, particularmente de Hawks, mantendo ao mesmo tempo o que há de mais precioso - o sentido crítico, uma certa irrisão discreta - na obra de um Robert Altman, por exemplo. Sob o plano da interpretação, o filme é particularmente brilhante. Kaufman reuniu no seu elenco alguns dos melhores talentos do cinema americano actual. À frente deles, uma composição admirável de Sam Shepard, uma espécie de Gary Cooper moderno. Se é permitido mostrar-mo-nos reservados em relação aos escritos (teatro e argumentos) de Sam Shepard, o seu talento como actor é inquestionável e espera-se que se possa desenvolver harmoniosamente nos anos vindouros. Lembremos que Sam Shepard entrou até agora noutros dois excelentes filmes: Frances (Graeme Clifford, 1982), uma biografia muito bem conseguida da actriz Frances Farmer, sobretudo na parte que trata dos seus problemas psicológicos e dos seus conflitos com a classe médica, e Country (Richard Pearce, 1984), uma evocação quase documental das dificuldades dos agricultores americanos de hoje."

Até Terça!

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Apresentação de Jerry Tu és Louco, por Andy Rector




(podem-se activar ou desactivar as legendas portuguesas no vídeo)

Cracking Up (1983) de Jerry Lewis



por João Palhares

Jerry Lewis nasceu Joseph Levitch e entrou muito cedo para o mundo do espectáculo, em digressão com os pais (como Buster Keaton, como os irmãos Marx, como a Elaine May de A New Leaf), Daniel e Rachel Levitch. Abandonou a escola para se fazer à estrada e tentar a sorte sozinho, actuando aqui e ali, com muitos altos e baixos, até conhecer Dean Martin aos dezanove anos, e juntos fazerem parelha em clubes nocturnos e em pouco tempo invadirem a rádio e a televisão, na mítica série The Colgate Comedy Hour, difundida de 1950 a 1955. A anarquia reinava nesses números tantas vezes improvisados, em que cantor (Martin) e comediante (Lewis) se completavam e articulavam plenamente, exalando energia e encanto, em interpretações que partiam da harmonia para acabar no caos absoluto, com tonalidade e dissonância a rodos, deixando quase a rebolar no chão quem os visse ao vivo (há bastantes histórias e testemunhos). O sucesso seguia-os para onde quer que fossem e no início dos anos 50 eram as maiores estrelas do país. Entraram juntos em quase vinte filmes até se separarem misteriosamente e ainda no auge do seu sucesso, no que foi uma separação traumática para Lewis, o mais novo dos dois, e que via em Martin uma figura paternal. 

Foi ainda com Martin que Lewis conheceu Frank Tashlin, outro grande mentor na sua vida (depois do pai e de Dean), que realizou para eles Artists and Models e Hollywood or Bust, talvez os melhores filmes da dupla. Com Tashlin e sem Martin, Lewis faria ainda Rock-A- Bye Baby, The Geisha Boy, Cinderfella, It's Only Money, Who's Minding the Store? e The Disorderly Orderly. Durante estas rodagens, Lewis ia passando tempo com técnicos e pessoal dos estúdios movido apenas pela curiosidade e fazendo mil perguntas sobre processos e materiais, aprendendo tudo o que podia sobre a realização de um filme. E então, por alturas de Cinderfella, que a Paramount queria lançar no Verão e o actor no Natal, Lewis desencanta um guião em duas semanas, entre muitos espectáculos e compromissos e depois de um ataque cardíaco durante a rodagem do filme de Tashlin. Mostrou-o a Billy Wilder e convidou-o para realizar o filme, mas o austríaco disse-lhe que se ele queria que as coisas fossem a seu gosto e sem concessões o melhor era ser ele a realizá-lo, "It's your baby". Lewis não fez por menos e além de o realizar, escrever e interpretar, também o produziu (o trailer do filme brincava com isto, mostrando Lewis nos quatro papéis). Ia-o montando nos camarins e nos bastidores dos seus espectáculos, depois de uma rodagem-relâmpago. The Bellboy foi então o filme de Verão da Paramount e o primeiro de Lewis como realizador. 

E aí começaram as experiências visuais e sonoras de Lewis, numa sucessão contínua de gags colados por uma trama mínima - Jerry à solta num hotel. Prestando homenagem aos seus heróis do mudo, o realizador resgatava a arte perdida da pantomima inserindo-se na grande tradição da comédia americana, de Mack Sennett a Charles Chaplin, passando por Stan Laurel e Buster Keaton. Fazia avançar essa arte enquanto levava a cabo verdadeiras revoluções técnicas no seio da indústria, como o video assist, que o permitia ver o que fazia à frente das câmaras, atrás das câmaras, depois de cada take. Tornou-se rotina no mundo do cinema e hoje não há quem não use esse sistema. Em The Ladies Man, o seu segundo filme, construiu um enorme cenário onde se lançou a si próprio e a dezenas de mulheres numa aventura ainda mais abstracta, mas assente em coreografias bem concretas. A cena da primeira manhã nesse grande dormitório é reveladora do trabalho e dos processos complexos de Lewis, que desta vez resolveu levar a cabo uma revolução diferente (e que não pegou): em vez de usar as perches do estúdio (cabos de plástico com microfones ligados usados em todas as rodagens para gravar o som) instalou um sistema de captação sonora nas próprias paredes do cenário. Trabalhador e pensador exímio, com The Errand Boy deu outro passo em frente e iam compensando e transparecendo as horas de ensaios necessárias para apurar os mais pequenos movimentos, trabalhados de forma a parecerem improvisados, naturais.

Mas os temas existem: como singrar e viver neste mundo quando se pensa que não se tem lugar? A vontade de ser outra pessoa expressa nas deambulações solitárias das personagens desajustadas e sonhadoras de Jerry Lewis e personificada no duplo mulherengo e egomaníaco de Julius Kelp em The Nutty Professor, Buddy Love. Explorando o mito do livro de Robert Louis Stevenson (Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde), Lewis encontrou o dínamo de toda a sua obra, que a partir de The Family Jewels já se podia lançar sem contradições nem receios para o terreno da abstracção pura (e aqui temos que nos repetir: foi o que fez Chaplin, foi o que fez Keaton, foi o que fez Jacques Tati...). Não é aventura que se possa empreender sem ser nos termos dos próprios artistas e por isso o reinado de Lewis na Paramount terminou no final dos anos sessenta (foi o que aconteceu a Chaplin nos anos cinquenta, foi o que aconteceu a Keaton nos anos trinta, foi o que aconteceu a Tati nos anos setenta...). Mas é aqui que entra Cracking Up. Ou Smorgasbord, milagrosa palavra sueca que quer dizer "variedade". Ou "mistela". 

Depois de se multiplicar e desconstruir em The Family Jewels, de dizimar a psiquiatria e a sua própria imagem em Three on a Couch, de satirizar todas as narrativas e tramas a três actos deste mundo em The Big Mouth, de desmentir a história universal em Which Way to the Front? e de testar os limites da sua bolsa até à falência em Hardly Working, Lewis realiza a sua última longa metragem, Cracking Up. Os anos setenta e oitenta foram os mais difíceis e os mais dramáticos da sua vida. Depois de uma queda que quase o deixou paralisado, viciou-se em analgésicos, tomando-os compulsivamente. Rodou um filme de temática difícil, investindo imenso de si, do fundo da alma, e não o conseguiu estrear pelas mais diversas razões. Está fechado a sete chaves e envolto em mistério: chama-se The Day the Clown Cried. Teve outro ataque cardíaco no início dos anos oitenta com que conseguiu gozar no Tonight Show de Johnny Carson: "quádruplo bypass soa melhor, mas ainda é preciso que o black & decker nos abra. Ahhhhh... Pois é, e depois a trinta centímetros com os retractores, eles entram e tiram a artéria da nossa perna e juntam-na ao coração... Aiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiiaia!" 

Cracking Up é a ressaca e a cura pela comédia de tudo isto: de Danny Lewis ("I wish I was like my father", como diz Warren ao seu psiquiatra) aos retractores e analgésicos (a operação ao guru de ioga). Uma travessia entre continentes e entre séculos cujo sentido estará nessa palavra sueca que é o pretexto para Lewis se atirar e confessar por inteiro. E o trabalho, se já não é tão ágil (não podia ser), continua tão pensado e eficaz como antes. E documenta-se o cansaço (os papéis de rebuçados dentro de papéis de rebuçados, a empregada que repete os pratos e os molhos, as modalidades de pagamento e as entradas, as saladas, os cafés, as sobremesas...) e a desilusão (o filme será irmão do King of Comedy de Scorsese), a comédia torna-se mais corrosiva (as cenas das tentativas de suicídio, obviamente, a cura do vício do tabaco a murros) e explosiva (avalanches, carros e prédios pelos ares). E deixa de haver encanto na falta de jeito e nos desajustes, ampliados a proporções tais que se torna questão de vida ou de morte. Em tempos de obsessão pelo capital e pela proficuidade não convém fugir da norma, a soma deixa de dar certo. E Lewis filma Cracking Up e reage a isto. E basta ouvi-lo hoje, em conferências ou entrevistas. Continua um revolucionário.

Jerry, tu não és louco.

sábado, 21 de janeiro de 2017

44ª sessão: dia 24 de Janeiro (Terça-Feira), às 21h30


Jerry Lewis diz que aprendeu tudo com Frank Tashlin, realizador com quem trabalhou nos anos 50 e 60, antes de começar a sua própria carreira como realizador. Ensinou-nos a nós, como Blake Edwards, que o mau jeito e a inocência eram as melhores armas contra a hipocrisia.

De Bellboy a Cracking Up (chamado originalmente Smorgasbord e que será a nossa próxima sessão), Lewis desconstruiu as aparências do mundo e da sociedade rebentando-as pelas costuras. E Cracking Up é uma debandada cómica sem concessões mas motivada apenas pela vontade de Warren (a personagem interpretada por Lewis) em encontrar o seu lugar ao sol.

Andy Rector, que já nos apresentou Budd Boetticher e Ride Lonesome e que é grande admirador do trabalho do grande Jerry Lewis, vai-nos apresentar este último filme do americano.

Chris Fujiwara (lembram-se de Macau Passage?) escreveu aqui sobre os últimos filmes de Lewis, notando que "depois do falhanço comercial (nos Estados Unidos, pelo menos) de Which Way to the Front? e do arquivamento de The Day the Clown Cried (filmado em 1972), a carreira de Jerry Lewis como realizador de cinema entrou num hiato que durou vários anos. Esta interrupção acabou com Hardly Working, que foi seguido por Smorgasbord (que foi lançado na América do Norte como Cracking Up), a última longa metragem que Lewis realizou. Nestes dois filmes, Lewis reage ao ambiente alterado do cinema comercial que o confrontou no final dos anos 1970 e no início dos 1980.

"Ambos os filmes começam em crise, numa perda de poder que é difícil não interpretar como uma metáfora para a própria perda de estatuto de Lewis no cinema Americano. Em Hardly Working, Lewis interpreta Bo Hooper, um palhaço que perde o seu emprego num circo que está a falhar financeiramente. A personagem de Lewis em Cracking Up, Warren Nefron, é um desajeitado propenso a acidentes com baixa auto-estima que, depois de arruinar uma tentativa de suicídio, consulta um psiquiatra.

"Cada um dos dois filmes descreve as tentativas da personagem de Lewis em dominar o seu ambiente e formar uma imagem estável de si próprio. Em Hardly Working, com o apoio da sua irmã devotada, o marido hostil dela, e a filha jovem deles, Bo faz uma série de tentativas para entrar numa nova profissão (empregado de estação de gasolina, barman, chef teppanyaki, antiquário, etc.), acabando cada uma no fracasso. Eventualmente, consegue aguentar-se num trabalho como carteiro para o US Post Office, apenas para sabotar o seu próprio sucesso para poder regressar ao seu verdadeiro chamamento, ser palhaço. A narrativa solta de Smorgasbord consiste numa série de episódios em que Warren ou um dos seus vários alter egos precipita o caos cómico. A cadeia de desastres resolve-se quando a aflição de Warren é transferida como que por magia para o seu psiquiatra.

"Uma produção independente, Hardly Working mostra-nos Lewis, como realizador, a funcionar sem o apoio dos estúdios maioritários a que se tinha acostumado ao longo dos anos 60. O filme é rodado em vários locais indistintos da Flórida que, obviamente, estão nas imediações do mundo do espectáculo que é o habitat normal de Lewis. A estrela parece abatida e (mesmo quando não interpreta um palhaço) profundamente maquilhado, o cabelo dele não tem a aparência esculpida do costume, e as roupas dele parecem mais próximas da Sears do que da Sy Devore. No universo visual suave e iluminado pelo sol de Hardly Working, o Bo de Lewis é uma presença agressiva que tem de ser rejeitada ou contida. Por via de comédia que é melancólica e feroz alternadamente, Hardly Working conta a história de um homem que batalha por sobreviver e se encontrar numa sociedade que preferia ver-se sem ele.

"O maior polimento visual de Smorgasbord e o Lewis mais apresentável em exibição no filme (parece-se muito com o que parecia em The King of Comedy de Martin Scorsese, que foi rodado pouco antes e foi lançado em 1983) sugere imediatamente que o problema de identidade colocado pela narrativa foi resolvido de antemão pela mestria de Lewis sobre a imagem. (Essa segurança, embora indiscutivelmente ausente de Hardly Working, estabelece as contradições dos trabalhos clássicos de Lewis dos anos 60). Embora o tema do suicídio dê a Smorgasbord um tom amargo, a negrura do filme é desmentida pela inconsequência de muitas das vinhetas cómicas que enchem a sua duração. Smorgasbord é provavelmente melhor compreendido como uma afirmação sobre a necessidade inevitável de escapar (o tema manifesto de alguns dos episódios, particularmente o do prisioneiro Francês) e sobre a omnipresença do entretenimento na sociedade Americana."

Serge Daney, crítico francês importantíssimo e cujo trabalho foi recentemente reconhecido pela Angelus Novus, que fez traduzir e editar alguns dos seus textos, escreveu por altura da estreia de Cracking Up que "Jerry Lewis tem sido tão (psico) analisado que o exercício, realmente, não é mais necessário. Os “psiquiatras” pertencem claramente ao seu mundo. Mas, ao contrário de Woody Allen, Lewis não dá uma imagem respeitável da psicanálise (a cura, o sofá, etc.). Para ele, os psiquiatras fazem parte de um espectáculo de Punch e Judy. Está no seu modo de desdobrar o filme por livre associação, na sua arte de repentinamente fazer objectos parecerem palavras, é no seu estilo que Lewis leva mesmo em conta o subconsciente, subconscientemente, claro.

"Daí os gags magníficos, inspirados e inesperados e a cena admirável em que Nefron tenta jantar num restaurante mas no fim desiste porque a empregada (com a voz duma Barbara Nichols moderna!) lista todos os pratos possíveis. Estamos perto a esse ponto da ansiedade do fanático. Em vez de uma decisão para tomar, é apresentada a lista de todas as decisões possíveis. A vida torna-se uma série de caixas para seleccionar, até ao ponto em que se nos acabam as caixas e enlouquecemos. É aqui que o filme é mais assombroso, onde Lewis permanece um cineasta moderno. Um corpo que tropeça no plateau, é engraçado; um que se torna totalmente um código quando a linguagem se tornou uma máquina de guerra, é loucura.

"A beleza do filme é extraída da tristeza. Smörgasbord é tragicamente engraçado."

Até Terça-Feira!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Apresentação de Veio do Outro Mundo, por Luís Miguel Oliveira

The Thing (1982) de John Carpenter


  
por João Palhares

Fomos injustos para com a ficção científica neste grande ciclo, não tão grande que tivesse incluído nele mais um ou dois exemplos do género, de Edgar G. Ulmer (The Man from Planet X, The Amazing Transparent Man) a Jack Arnold (It Came from Outer Space, Tarantula, The Incredible Shrinking Man) de Gordon Douglas (Them!) a Don Siegel (Invasion of the Body Snatchers), de Roger Corman (X: The Man with the X-ray Eyes) a Stanley Kubrick (2001: A Space Odyssey), passando por Richard Fleischer (20.000 Leagues Under the Sea, Soylent Green) ou David Lynch (Dune). Qualquer um deles (e qualquer um deste filmes) merecia estar aqui a representar este género popularizado nos anos 30 e 40 por escritores como Isaac Asimov, Leigh Brackett, Ray Bradbury, Arthur C. Clarke ou Robert A. Heinlen. Muitos desses escreveram na revista que é hoje considerada o berço da ficção científica pura e dura, Astounding Science Fiction, pela altura em que John W. Campbell, Jr. lhe tomou a rédea como editor. Foi ele que escreveu Who Goes There?, a história que dá origem tanto a The Thing from Another World de Howard Hawks e Christian Nyby como ao filme que hoje vamos ver: The Thing, de John Carpenter. 

Esta ficção científica, parida pelas descobertas e aventuras sub-atómicas de Niels Bohr, Albert Einstein, Erwin Schrödinger e Max Born, só chegou ao cinema nos anos 50, no seguimento da que será a mais triste e trágica das aplicações práticas da ciência: o lançamento da bomba atómica em Hiroxima e Nagasaki durante a Segunda Guerra Mundial. Vêm então as atmosferas de fim do mundo, as aberrações químicas a semear o horror entre a população como monstros ou a descobrir pragmaticamente o seu lugar na vastidão do cosmos, as invasões e as visitas extraterrestres nas suas múltiplas formas, os cientistas loucos de saber e de poder, arrastando com eles os inocentes e as invasões das mentes frágeis dos terrestres por forças estranhas que levam a cabo a sua ocupação nos domínios da consciência. A física quântica viabilizou o oculto e deu rédea solta à imaginação de escritores e realizadores, que começaram a usar o futuro para falar do presente. E em 1951, Edgar G. Ulmer, nos cenários em segunda mão de Joan of Arc (produção prestigiosa de Victor Fleming interpretada por Ingrid Bergman), realizou The Man from Planet X e encheu-o com um nevoeiro místico onde transpareciam todas estas questões. 

Era o tempo das viagens que ultrapassavam a velocidade do som (foi Chuck Yeager quem o conseguiu, como veremos em The Right Stuff, no fim do mês) e das audiências e inquéritos do comité de Joseph McCarty, que tanto aguçaram as garras, os dentes e as penas dos argumentistas de Hollywood. A Guerra Fria também estava no auge e os miúdos que cresceram durante esta década viviam ainda com o medo de um ataque nuclear, instruídos pelos pais e professores com simulações atómicas e exercícios de sobrevivência. Entre essas crianças, estava John Howard Carpenter, que nas horas livres, se perdia nas imagens destes filmes que o levavam a querer fazer os dele. Nas suas próprias palavras: “creio que a primeira experiência realmente terrificante que me aconteceu no cinema foi a projecção em três dimensões do filme de Jack Arnold, It Came from Outer Space. Na cena de abertura havia um meteorito que caía no deserto. Depois, subitamente, começava a dirigir-se em direcção da câmara a toda a velocidade, em chamas, até que explodia. Por causa do efeito de relevo, tive a impressão de que o meteoro me ia explodir na cara. Saltei do meu lugar e pus-me a correr para a saída. Mas lembro-me que, segundos depois, o meu medo se transformou em excitação. Foi certamente uma das experiências mais incríveis que me sucederam em criança. Voltei para a minha cadeira, a pensar: “Um dia, também quero fazer isto. Quero que as pessoas sintam aquilo que estou neste momento a sentir”. 

Mais tarde, dos catorze aos vinte e um anos e antes de entrar para a USC, fez pequenos filmes com os amigos usando a câmara de super 8 do pai, curtas com nomes como Revenge of the Colossal Beasts ou Terror from Space. Na USC de Los Angeles e num só ano, fez Captain Voyeur, Warrior and the Demon, Sorcerer from Outer Space, Gorgo Versus Godzilla e Gorgon, the Space Monster. Foi lá que assistiu a conversas com grandes nomes da Hollywood clássica como Orson Welles, Howard Hawks, John Ford, Alfred Hitchcock e Billy Wilder. Com The Ressurection of Bronco Billy, curta co-escrita por ele e com banda-sonora sua, a equipa de alunos da USC envolvida ganhou um Óscar para Melhor Curta. Mas como costuma acontecer com qualquer grande cineasta, a aventura académica não correu bem. Fora o tentarem impingir a gente nova e influenciável os Deleuzes, os Barthes e as Sontags da berra, tentam também apropriar-se do trabalho dos seus alunos, no caso, a primeira longa metragem de Carpenter, Dark Star. Nas palavras de Carpenter: “Na origem, Dark Star era um filme de fim de curso, que realizei com Dan O’Bannon, futuro argumentista de Alien. Consegui recolher financiamento, e investi uma parte importante do meu dinheiro pessoal. E assim realizei esta média metragem, que quatro anos mais tarde se tornou num filme de hora e meia, estreado nos cinemas americanos. O negativo foi meu até ao momento em que o departamento de cinema da USC se declarou proprietário de todos os filmes realizados pelos estudantes da universidade. Na verdade eles tinham os seus próprios circuitos de distribuição, o que lhes permitia colher imediatamente benefícios de todos os filmes realizados pelos seus alunos, designadamente mostrando-os noutras universidades americanas. Quando Dark Star se estreou, finalmente, em sala, a direcção do departamento de cinema da USC telefonou-me a pedir que lhe entregasse o negativo do filme. Respondi-lhes então, gentilmente, por palavras delicadas, que por mim eles bem podiam ir dar uma curva. Nunca tinha assinado um contrato a estabelecer que a escola era proprietária de todos os trabalhos dos seus alunos. E que eu saiba, não existe nenhuma escola de pintura que alguma vez se tenha declarado proprietária dos quadros pintados pelos seus alunos. A USC fez tudo o que podia para me lixar.” 

Dark Star é também um filme de ficção científica e que paga a dívida sentimental e afectiva de Carpenter a todos os filmes já citados de Arnold, Siegel, Ulmer, Douglas, Hawks e Corman mas também a bizarrias obscuríssimas de Fred F. Sears, Edward L. Cahn, Dan Milner, Alfred E. Green e Inoshiro Honda. Além dos importantes filmes ingleses da série encabeçada pelo Professor Bernard Quatermass e produzida pela Hammer (The Quatermass Xperiment, Quatermass 2 e Quatermass and the Pit, todos baseados em histórias ou argumentos de Nigel Kneale, um dos maiores ídolos de Carpenter, com quem trabalhou em Halloween III: Season of the Witch). Se adicionarmos a obra de H. P. Lovecraft e os westerns de Howard Hawks completamos finalmente o caldo das influências de John Carpenter e justificamos esta longa divagação ainda sem dizer uma palavra sobre The Thing, que de John W. Campbell, Jr. a Nigel Kneale, passando por Hawks, Arnold, Corman e Lovecraft é um compêndio admirável do fantástico, do terror e da ficção científica dando ainda um passo em frente na evolução desses géneros, da nave de milhões de anos a alcançar a superfície terrestre ao monstro visível e de pesadelo, coisa que nunca se tinha visto num filme de terror. Descrevendo lutas interiores com o medo, com a identidade e com uma carrada de outras coisas que nos impedem o sono, Carpenter vai a passo muito ponderado até ao final, que projecta tudo num mar de mil hipóteses e possibilidades. Faltou falar da Twilight Zone de Rod Sterling, mas é esse o género de alcance, multiplicado pelo gelo e pelo fogo da Antártida... 

"Os filmes são pedaços de película colados uns aos outros num certo ritmo, uma batida absoluta, como uma composição musical. O ritmo que se cria afecta o público." E todas as sequências de The Thing, são assim pensadas e executadas. Repare-se na cena em que se ouve Superstition de Stevie Wonder e Carpenter vai andando de divisão em divisão e se ouve a música cada vez mais baixo como se se fosse para longe do que é seguro e a tensão fosse aumentando. Os travellings por corredores vazios e escuros que não mostram nada mas nos dizem tudo. As facas escondidas em primeiro plano e que nos tornam cúmplices e nos associam à loucura dominante, que escalara gradualmente desde que a primeira semente de dúvida se instalou no coração destes homens. A banda sonora como o bater do coração, acelerando a batida quando o perigo está próximo. O frio como ameaça e o fogo como solução. Um monstro tão concreto e, no fim, tão abstracto. Já coisa próxima de medos bem profundos e que não têm nada que ver com extraterrestres mas só com os homens. Por isso o filme só pode acabar com um sorriso desencantado e desesperado, como o de In the Mouth of Madness, treze anos depois. Chegados à boca da loucura, ao fundo do abismo, passando a fronteira da incredulidade e dos últimos recursos, é a única coisa que se pode fazer. O último cartucho na câmara dos instintos naturais de sobrevivência...

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

43ª sessão: dia 17 de Janeiro (Terça-Feira), às 21h30


John Carpenter, o grande cineasta americano que depois dos clássicos melhor se atirou aos géneros para criar um universo único, será o mestre e o punk da nossa próxima sessão. The Thing é um dos pontos altos dos anos 80, com uma atmosfera e um Kurt Russel de cortar a respiração. O mal, o mal, o mal nas suas formas indefinidas... assustador e lancinante, é uma gelada viagem absolutamente imperdível. 

Luís Miguel Oliveira, que em 2008 organizou o catálogo da Cinemateca Portuguesa a Carpenter dedicado e falou connosco e com Adolfo Luxúria Canibal em Dezembro do ano passado sobre The Last Waltz, apresentará o filme.

Em entrevista a Luc Lagier e Jean-Baptiste Thoret (traduzida por Luís Miguel Oliveira para o catálogo da Cinemateca), Carpenter disse que para The Thing "a minha abordagem artística não mudou absolutamente nada por relação com os filmes independentes que até aí tinha rodado. O facto de trabalhar para um grande estúdio não teve, desse ponto de vista, qualquer consequência. Trabalhar com pequenos, médios ou grandes orçamentos não muda, no fim de contas, grande coisa. O elemento mais importante continua a ser a história, seja qual for o quadro em que se está a realizar o filme. O que mudou em mim foi qualquer coisa de muito mais profundo. Depois de The Thing a minha vida artística deixou de ser a mesma, como se uma mola se tivesse partido. Quando The Thing estreou, estava muito orgulhoso do resultado. Pensava sinceramente que o filme era bom, muito bom. Mas ninguém gostou. Os admiradores de filmes de terror, os críticos e o público em geral, toda a gente detestou. A veemência com que os críticos atacaram o filme chocou-me profundamente, e precisei de muito tempo para voltar a mergulhar no filme e tentar compreender: "o que é que não funciona neste filme?". Hoje talvez já tenha compreendido algumas coisas, talvez por ter envelhecido e ganho algum recuo em relação a tudo aquilo. Mas quando se é jovem e se acabou de fazer um filme ao qual se deu tudo, é muito difícil, diga-se o que se disser, ignorar as críticas e dizer que se está nas tintas. Julgo que todos os realizadores têm, mais tarde ou mais cedo, de se haver com a agressividade das críticas. Mas acreditem-me, não o desejo a ninguém. Dito isto, acho que é algo que é preciso aceitar, e penso que, no fim de contas, a vossa resistência torna-se um signo da vossa capacidade de sobrevivência enquanto cineasta. E depois, também é assim que se forja aquilo a que chamamos maturidade..."

Num texto presente no mesmo catálogo e também traduzido por Luís Miguel Oliveira, Lagier escreve que "The Thing é ainda um marco na carreira de John Carpenter uma vez que constitui uma data importante na história dos efeitos especiais. "Uma parte do charme de Assault e de Halloween tem a ver com o facto de não termos dinheiro suficiente  para mostrar as coisas. Em compensação, agora, dão-me dinheiro para as mostrar, e portanto é preciso mostrá-las...", declarava Carpenter durante a rodagem do filme. [In Cahiers du Cinéma, nº339, entrevista concedida a Olivier Assayas, Serge Le Peron e Serge Toubiana.] Ajudado pelo maquilhador Rob Bottin, Carpenter decide então, ao que parece um pouco contra-vontade, mostrar a sua criatura, filmando-lhe todas as costuras. Para a maioria da crítica, esta escolha constitui uma traição aos seus primeiros filmes e à concepção tradicional do fantástico desenvolvida por Jacques Tourneur. Hoje, tenderíamos antes para um julgamento mais matizado. O fantástico de Carpenter talvez resida nesta capacidade de mostrar, repousando, portanto, numa utilização inteligente dos efeitos especiais. A partir de The Thing, o fantástico de Carpenter deixou de assentar na invisibilidade e mais na presença de monstros em pleno enquadramento. Fim das hesitações caras a Todorov, o horror está perfeitamente presente no ecran, e os espectadores e as personagens devem reagir a esta presença clara e indiscutível. A questão deixa de ser: o extra-terrestre existe? E passa a ser: como reagir a uma presença tão desestabilizadora, física e psicologicamente? Ao contrário do de Tourneur, o fantástico de Carpenter invade o mundo diegético desde o princípio da ficção e a sua existência não oferece qualquer dúvida. Em The Thing, os doze membros da base americana assistem logo ao princípio à transformação de um cão numa criatura proteiforme, cena que certamente constituiria o final de muitos outros filmes de horror."
 
Nicolas Saada, que com Lagier, Thoret e Assayas ajudou a clarificar e perceber o verdadeiro lugar de Carpenter no mundo do cinema, quando ninguém queria saber, escreveu aqui sobre The Thing, dizendo que "eu acho que Carpenter é um dos cinco ou seis maiores cineastas vivos, que de resto não é reconhecido pelo seu verdadeiro valor. A sua condição hoje é injusta. Não percebo como cineastas como Cronenberg e Tarantino são hoje reconhecidos a este ponto e como um tipo como Carpenter não tem o seu lugar na instituição. É mais que nunca um Maverick, um Johnny Cash do cinema. Tive a sorte de o encontrar e conheço-o um pouco. Quando penso nele, fico sempre um bocado triste e revoltado. The Thing é um dos filmes mais tensos e astutos do cinema. Porque ele cria  cumes de espectacularidade para, depois disso, construir cenas de suspense sobre o nada. Ele excede-se sobre um efeito especial e depois faz-nos passar durante 30 minutos com dois fios eléctricos e um pouco de sangue. O que adoro no John, é como ele doseia a mise en scène. Nisso, fui muito influenciado por ele."

Até amanhã!

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Apresentação d'O Cão Branco, por Tag Gallagher



(podem-se activar ou desactivar as legendas portuguesas no vídeo)

White Dog (1982) de Samuel Fuller



por José Oliveira

Almirante Reis, Lisboa. Nepaleses. Indianos. Índios. Chineses. Brancos. Negros. Prostitutas. Travestis. Chulos. Reformados. Cowboys. Idosos e idosas. Pares de namorados. Bebés. Tascas para o bagaço. Kebabs a 1 euro. Tocas indefinidas. Macaenses. A nova Portugália. Import-Export. Corcundas. Gigantes. Caga-tacos. Deformações. Desempregados. Inúteis. Génios. Engravatados. As pessoas mais bonitas do mundo. Bicharia medonha. Pombas. Dejectos. Animais de estimação. Meninas com o arco-íris no olhar. Desgraçados. O próximo prémio Nobel. Violência e Verdade. Acção. Pulsão de vida e pulsão de morte. Em Braga, onde hoje veremos o filme que Samuel Fuller teve logicamente de fazer depois de ter ido a várias guerras mundiais, ao Oeste dos westerns, à sujidade e às cruzadas jornalísticas e a todos os tipos de guerras travestidas, teremos de ir a um lugar como a roulotte do Zé das Bifanas (nome oficial: bar rolante arco-íris), no complexo desportivo da rodovia, paralelo à Avenida João Paulo II, para ficarmos imersos no caldeirão humano da diversidade e contradição, onde cada um é como cada qual e pode ser comido pelo meio. 

«Eu acredito mesmo que é o mundo que faz de ti o que tu és. Não és tu que fazes o mundo», disse Sam Fuller. É preciso alguém ter estado em muitos lugares da terra e ter visto muitas coisas e os seus contrários para poder afirmar tal coisa como uma sentença irrevogável ou como a verdade Bíblica. White Dog já está a preto e a branco nos créditos iniciais, continua simplista no tempo em que a câmara varre o terreno à altura do cão e depois ainda mais quando sobe até ao ponto de vista humano na luta decisiva entre o racional e o manipulado (ao ponto de vista rafeiro sucede-lhe o ponto de vista de um deus), determinismo onde a moral sem remédio da punição cega que não olha para a fonte e para o caso singular – a burocracia da máquina legislativa do ontem, do hoje e tragicamente do nosso amanhã - parece irresolúvel e passível de engolir a grande história de amor que este filme o é a níveis Shakespearianos. 

Isto até à cena decisiva que é a chave ou a luz desse beco sem saída, logo depois da morte do negro na igreja, o coração das trevas rasteiras a misturar-se nas trevas do sagrado. A rapariga inocente que se apaixonou pelo cão racista deixa de acreditar que tudo é possível pela dedicação e compaixão e pede ao negro que termine esse diabo sem remédio. Mas o negro que corre risco de vida acredita cada vez mais e assim começa a soltar-se outro tipo de descarga Fulleriana que talvez seja a essência da sua empreitada: violência para a violência, violência cura-se com violência, tipo superior de violência, que pode ser ainda pior, que pode ser amor total. Paradoxos revolucionários. Jean-Marie Straub, nos antípodas do americano, ainda hoje acredita nisso. «Não desistas agora... não sejas como os outros... esta é a oportunidade única» é isto o que o negro diz à inocente que por momentos cegou, como se estivesse quase a encontrar a cura para o cancro ou a ressuscitar a matéria de um morto. Séculos e séculos de intolerância em ebulição. 

Voltas e mais voltas, psicologia e instinto, caretas à danação suprema, sobretudo instinto e entrega despida como a carne em sangue oferecida, e o cão começa a ganhar um amigo, quase como nos contos infantis; e a aceitar o amigo do amigo; e também a acreditar. O milagre absoluto ou a prova de que os dois seres mais diferentes do mundo podem ser o mesmo em determinada hora e espaço. Mas White Dog é uma tragédia redimida pelo amor. De onde o final irracional não se pode explicar. De onde não há caso exemplar. É o vértice insuspeito do triângulo clandestino que é atacado, fazendo tábua rasa da fé. E incrivelmente, quando já se via o final feliz, mais uma vez cada espectador terá de escrever o fim da história. Isto é, da sua história. Do caso singular no caos que construimos. A casa e o mundo. 

White Dog é uma tragédia, ataca-nos a todos, mas também nos deixa espaço para a entrega irracional da inocente, do negro e do velho que com ele formou outra Arca de Noé e um cosmos onde um dia será ou não possível um mundo novo. Coração de Fuller, o ­newspaperman que não fazia filmes humanitários mas sim melodramas carregados de acção. Que diferença para o modo como hoje tratamos os semelhantes.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

42ª sessão: dia 10 de Janeiro (Terça-Feira), às 21h30


Samuel Fuller foi, com Nicholas Ray, o mais temperamental dos realizadores que começaram no período clássico de Hollywood e não pararam de experimentar, estilhaçar e rasgar a modernidade e os horizontes de uma arte que como a vida tem sempre tudo para ser descoberto e redescoberto; finalizou a sua obra já nos anos 90 e em Portugal. Homem do jornalismo, que foi à guerra e a todos os continentes, às sarjetas mas também forneceu a Godard uma das mais belas definições do que pode ser o cinema quando vem de dentro. Homem que se desfez e praticamente se imolou para passar para a tela a experiência nua e crua. 

Em White Dog, que será a sessão desta semana, seguiremos alguém que encontra um pastor alemão branco lindíssimo e afável, mas ferido, cuidando dele até descobrir que foi treinado por gente cruel para matar negros. Mas para além do poço sem fundo da maldade humana em revelação, para lá de todas as metáforas associadas e da perene irresolução da nossa raça, é também uma grande e inaudita história de amor. 

Para a apresentar, Tag Gallagher, o demencial e ciclópico crítico americano, entregou-nos um dos seus maravilhosos ensaios. De White Dog, em Why Samuel Fuller?, disse que "is not 'dog bites man', it’s 'man bites dog'".

Inácio Araújo, grande crítico brasileiro, escreveu na Folha de São Paulo de 9 de Junho de 1988 que "Cão Branco é outra entrada de Fuller pela porta dos fundos, esta por onde passam os empregados e tudo mais que não deve enevoar a paisagem impoluta que o olhar oficial procura fixar das coisas. Como o tema é o racismo, o autor foi ao que de mais profundo e irracional este fenômeno poderia produzir, o cão branco: entidade surgida - conforme explica o filme - para perseguir escravos fugidos e, mais tarde, prisioneiros negros. O cão branco situa-se, assim, um estágio além do linchamento, na medida em que é produto da sistematização do ódio: seu caráter é permanente para o cão condicionado a atacar negros e, em princípio, irreversível. Sua pele é o lugar onde se inscreveu séculos de uma história de intolerâncias - é sua poesia e seu produto.

"Se o assunto não é indiferente ao filme, sabe qualquer espectador com um pouco de prática que é fácil um bom tema morrer nas mãos de um diretor rotineiro. É tudo que Fuller evita. Sua carreira tem sido um corpo-a-corpo com a linguagem do cinema; baseia-se em grande parte na capacidade de reverter as dificuldades causadas pelos pequenos orçamentos que tem a seu dispor e transformá-las em virtudes. Cai fora a figuração, por exemplo, até porque um filme se faz com idéias. Em compensação, coloca-se no centro da história o próprio cão: o branco de seus pêlos, que em determinado momento podem se encher de manchas de sangue; sua expressão, variando da ternura externa à máxima ferocidade, a elegância do porte: qualidades que nem por um instante nos deixam esquecer que sua marca essencial é o silêncio - o curto-circuito total com a razão, que o torna imprevisível. Como contraponto ao cão branco, Fuller fixa a figura de Keys, o domador de animais negro, que aceita o desafio de eliminar o condicionamento do cão."

Louis Skorecki, em diálogo consigo mesmo, falou do filme e de Fuller para o Libération, por ocasião da sua passagem na televisão francesa, dizendo que é "o último grande Fuller. Dez anos a rodar tele-filmes sujos, e dá a sua reverência.

Tu não preferias a televisão ao cinema?

Um tele-filme não é televisão. ­ 

É o quê, a televisão? ­ 

As notícias, os documentários, as séries, os reality shows, isso tudo. ­ 

E um tele-filme, é o quê ? ­ 

Um tele-filme, é um tele-filme. Um género em si mesmo, se preferes. ­ 

Fuller, é um grande cineasta ? ­ 

Entre 1949 (I Shot Jesse James) e 1959 (The Crimson Kimono), é um muito grande cineasta. ­ 

As datas certas, não é ? 
  ­
Sim. ­ 

Espera um minuto. Merrill's Marauders, não é de 1962 ? ­ 

É uma excepção. São precisas.
 ­
Shock Corridor ? The Naked Kiss ? ­ 

Gance de segunda revisto por Godard. ­ 

White Dog ? ­ 

Um filme cego, um filme clarividente. ­ 

A partir de Romain Gary, é isso ? ­ 

É isso. O seu mais belo argumento. ­ 

Uma história de cão racista, é isso ? 
 ­ 
Sim. Um cão branco que mata Negros. ­ 

Um pouco simplista, não ? 
 ­ 
Como Fuller. 
 ­ 
E os actores ? ­ 

É um filme de família. Christa Lang está lá, e pequena Samantha igualmente. O velho Fuller também. 
 ­ 
Ele estava um bocado senil lá para o fim, não ? 
 ­ 
Não. Fez o mais belo filme sobre o massacre dos judeus da Europa de Leste. 
 ­ 
O Shoah ? ­ 

Não. 

O Holocausto. ­ 

É a mesma coisa. ­ 

Não. ­ 

Pode-se ver ? ­ 

Não. O idiota do Arte só passou a parte filmada por Fuller sobre a libertação dos campos. O mais importante, é o que falta, quando ele conta o seu filme sobre o Holocausto. ­ 

Pode-se ver ? ­ 

Não. Nunca o filmou. Morreu antes. Sabes que nasci num campo ? ­ 

Estás a gozar comigo ? ­ 

Não."

Até Terça-Feira

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Apresentação d'As Portas do Céu, por Bruno Andrade

Heaven's Gate (1980) de Michael Cimino



por João Palhares

Disse na folha de sala sobre The Deer Hunter que as suas questões não resolvidas eram "apresentadas de forma solta, dispersa e imperscrutável, como na vida", e para Heaven’s Gate pode-se mesmo começar por aí: são tantas as personagens que chocam e entram em rota de colisão nesse Wyoming pintado (há outra palavra, porventura?) por Michael Cimino e Vilmos Zsigmond (naquele que há-de ser um dos cumes absolutos da pintura cinematográfica, onde se arrisca tanto e tão bem com a luz e com o vento, com as nuvens e com a poeira, captadas de forma a manter e mostrar a sua essência redentora, transformadora e eterna...) que se torna muito difícil arriscar escrever sobre motivações e sentimentos além daquele que põe todo o filme em marcha: a resistência contra os barões de gado e contra os mercenários contratados com o aval do Estado e do Governo Central dos Estados Unidos da América. Mas dentro dessa luta temos Billy (a personagem de John Hurt), do lado errado mas dizendo sempre coisas tão certas, Nate (Christopher Walken), de lado nenhum que não o seu mas fazendo tantas vezes coisas erradas, o Jim (Kris Kristofferson) de origens e porte aristocráticos e que se calhar se pode dar ao luxo de fazer o que está certo (quantas vezes lhe atiram isso à cara, no filme?) e os imigrantes desalmados que não têm outro remédio que não seja fazê-lo, à custa da vida. 

Além disto, e como acontece em vários filmes de Michael Cimino, as cenas prolongam-se e mostram coisas perfeitamente soltas e de fluidez desarmante, exemplares de quem, na prosa, dá largas à poesia (e tentar imaginar como é que o realizador o conseguiu fazer, em termos práticos, é uma questão bem produtiva), do bailado ao som do Danúbio Azul de Johann Strauss e dos círculos percorridos à volta da árvore em Harvard, que se repetirão na batalha de Johnson County, à dança e à noite de copos do último Domingo antes da chegada dos mercenários ("let them have their Sunday", diz Kris Kristofferson a Jeff Bridges), passando pela luta de galos que se transforma em luta de homens no barracão de John Bridges (a personagem de Jeff Bridges) e que dá o nome a este filme (que vem também do vigésimo nono soneto de William Shakespeare). E que dizer da recitação da lista da morte, ou da chamada para a resistência que acaba com o tiro de caçadeira na orelha do presidente da cidade, disparado por uma emigrante decana e atravessando a sala pelo meio da multidão, num lampejo, que é quando todos decidem partir para a batalha e enfrentar a Associação de Criadores de Gado? 

Cimino estende as cenas e as sequências não por simples teimosia ou para enfrentar os estúdios por enfrentar os estúdios mas sim por amor às suas personagens (vejam-se os devaneios poéticos de Billy, que tem além disso tudo um plano "à Ford" dedicado apenas a si, o que é um atestado perfeito da complexidade do seu personagem e do carinho que Cimino lhe tem; Geoffrey Lewis, que tem tempo para contar uma estória sobre línguas e lobos e diz que as balas não o ferem; o discurso de Brad Dourif no meio da confusão dos debates entre os imigrantes, que pode ser visto como um solo de instrumento nesta grande sinfonia onde tantos têm lugar e espaço e tempo para terem lugar; etc, etc...). E não o faz só por isso, fá-lo também por questões da história que tem para contar, controlando o que sobressai num dado momento para noutro ecoar numa melodia ou num olhar (a fotografia da rapariga de Harvard que tantas vezes se vê pode levar-nos a arriscar pensar que há uma mulher aquele tempo todo e por isso Jim não se compromete casar com a Ella da fabulosa Isabelle Hupert). Pouco se fala do trabalho de escrita de Michael Cimino, mas ele escreveu sozinho este filme e ainda dezenas e dezenas de argumentos que não viram a luz do dia, muitos de certeza com o alcance e a abrangência deste. 

É ainda neste filme que convivem mais actores da obra passada e futura de Cimino. Jeff Bridges e Geoffrey Lewis vêm de Thunderbolt and Lightfoot, Christopher Walken vem de The Deer Hunter e Mickey Rourke tornar-se-á a personificação perfeita das questões e dos paradoxos que sempre assombraram Cimino, em The Year of the Dragon e Desperate Hours. De resto, também aqui as amizades e as guerras se desfazem e intrometem nos destinos dos homens, como no resto da sua obra, e confluem, além de colaboradores (já falamos dos actores, mas também Joann Carelli, Vilmos Zsigmond e David Mansfield, trabalharam, ou voltariam a trabalhar com Cimino) temas (as relações de força e de perseverança às circunstâncias - voltando ao raio e à candura: Kris Kristofferson é Thunderbolt, John Hurt é Lightfoot?), obsessões ("um grupo de homens, sentados à volta de uma mesa, numa suite de hotel, enquanto comem o pequeno-almoço ou o almoço, a comer comida fina de bela porcelana, num ambiente agradável, a discutir calmamente quantas pessoas vão matar...", como disse Cimino a Bill Krohn), motivos visuais (as montanhas e os lagos de Cimino, puros e cristalinos) e narrativos (primeiro a despreocupação, a liberdade e a beleza absolutas e, depois, um oceano de remorsos).

Lançando-nos no caos da história como se fosse tempo presente, deixamos de saber se faríamos o que estava certo nas mesmas circunstâncias. Fazer o bem é a coisa mais difícil do mundo, e por isso Billy e Jim se embebedam tanto, da manhã à noite, por isso o peso da consciência se vê nos semblantes de toda a gente neste filme. E, mais importante, por isso valem tanto esses bailados, jantares, passeios e conversas de amor entre as personagens desta obra fabulosa, tanto mais verdadeiros quando sentidos por últimos, abalando as fundações deste mundo. Porque é que este filme se chama Heaven's Gate? Porque Jim, Ella, Nate, J.B. e Billy as vêem e, por momentos, até ficam à entrada? Como é que cantava o outro? Não era "it's getting dark, too dark to see... I feel I'm knocking on Heaven's Door"? Mas quem está do outro lado para a abrir?

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

41ª sessão: dia 3 de Janeiro (Terça-Feira), às 21h30


Começamos o ano com o grande épico revisionista de Michael Cimino, apenas o seu terceiro filme mas já comparável aos grandes frescos históricos de David Wark Griffith ou John Ford, para nos mantermos na América (saíndo, podemos falar de Visconti ou Kurosawa, como de resto também Cimino falava muito). Heaven's Gate, grandiosa canção pelas almas perdidas que viram na América salvação mas só tiveram sangue, é a nossa próxima sessão.

Bruno Andrade (que nos apresentou Hawks e Ball of Fire, em Março do ano passado), editor da FOCO - Revista de Cinema, admirador e conhecedor profundo da obra de Cimino, apresentar-nos-á o filme.

Sobre o ponto de partida para o filme, Cimino disse a Bill Krohn na bela e grande entrevista que tanto temos citado, que "A história do Oeste, em geral, é inspiradora, transborda de acontecimentos; é uma fonte de fascínio constante. O episódio desta pequena guerra, quando me deparei com ele, fascinou-me. Não sei porquê, mesmo. Talvez tenha sido acima de tudo a lista da morte, redigida em formulário devido, ratificada pelo governo central e federal. É o que sempre me interessou; saber como se tomam as decisões que resultam na morte de pessoas. McNamara, Kissinger e os outros; este grupo senta-se a uma mesa e toma decisões políticas sobre o Vietname – mais bombas ou mais tropas? A decisão deles implica sempre a morte de milhares de pessoas. As decisões de guerra foram tomadas com as melhores razões do mundo, sem dúvida; razões legítimas como proteger a paz, proteger sistemas económicos e políticos. Acredito que elas são sempre tomadas com essas intenções, e de forma calma também! Um grupo de homens, sentados à volta de uma mesa, numa suite de hotel, enquanto comem o pequeno-almoço ou o almoço, a comer comida fina de bela porcelana, num ambiente agradável, a discutir calmamente quantas pessoas vão matar…"

O já falecido Robin Wood, cronista extraordinário dos anos 70 e 80, além de grande crítico, escreveu que "a estrutura de Heaven's Gate é mesmo outra, sendo a melhor analogia com a arquitectura. Cada cena ou segmento pode ser visto como um bloco de construção que encena (embora não de uma forma obviamente didáctica ou explícita) uma "lição histórica" no sentido Brechtiano do termo. Dentro de limites óbvios (o filme não tem uma narrativa discernível, com um princípio, meio, e fim nessa ordem), estes blocos relacionam-se livremente uns com os outros ao longo do filme inteiro, em vez de formarem uma progressão a, b, c . . . causal; eles resultam gradualmente numa estrutura de inter-relação temática complexa. É significativo que quando Cimino, depois das estreias norte-americanas desastrosas, montou ele próprio uma versão de duas horas e meia para estreia generalizada, produziu não só uma versão mais curta mas um filme diferente: não só usa takes perceptivelmente diferentes de alguns planos, como são transpostos segmentos narrativos inteiros para partes diferentes do filme, e é incluído um breve incidente que ele cortou da verão original. Isto também explica porque é que o filme parece sempre inacabado, seja em que versão fôr: a adição, remoção, ou transposição dos "blocos" podia ser um processo interminável, sendo a estrutura (libertada dos apertos da causalidade narrativa) logicamente inacabável (houve numa altura, segundo Steven Bach, uma versão de cinco horas e meia). É também significativo que uma das melhores sequências do filme, a magnífica sequência da patinagem, não tenha qualquer necessidade narrativa, nem para o desenvolvimento das personagens nem para aprofundar a trama, embora seja crucial para o "grande desígnio" do filme. Não há precedentes para este tipo de estratégia formal no cinema de Hollywood; para os encontrar, é preciso ir mais longe, para o Kurosawa de Tengoku to jigoku e Ikiru, ou para o Pasolini de Medea."

Miguel Marías, que já nos apresentou Exodus e foi, como Wood, dos poucos a defender o filme na altura da estreia, escreveu que "Não me importo grande coisa como espectador ou como crítico quanto possam ter custado os filmes, goste deles ou não. É um dado «culinário» que normalmente ignoro, bem como quase todo o público; pode ser de interesse para outros produtores ou para o fisco. Mas nem me faz confusão o muito que se investiu nem me põe contra ele  o suposto desperdício. A falta de meios pode explicar certas fraquezas, e o excesso algumas precauções asfixiantes, mas o orçamento não justifica por si só o êxito ou o fracasso de um filme. Quando se torna público o montante total costuma ser por alguma razão, e não é muito revelador se não se der uma explicação: há filmes que custam o mesmo, mas destinam quantidades muito diferentes ao lançamento publicitário e à tiragem de cópias, pelo que pode parecer que um gastou o dobro do outro. Também não aceito o argumento sofista de que com tanto dinheiro se podiam ter filmado dez filmes mais baratos, já que alguém esteve disposto a financiar esse projecto caríssimo e não demonstrou, em troca, o menor interesse por esses guiões de baixo custo hipotéticos e hoje ninguém produz tantos filmes ao mesmo tempo."

Até Terça-Feira!