sábado, 21 de janeiro de 2017

44ª sessão: dia 24 de Janeiro (Terça-Feira), às 21h30


Jerry Lewis diz que aprendeu tudo com Frank Tashlin, realizador com quem trabalhou nos anos 50 e 60, antes de começar a sua própria carreira como realizador. Ensinou-nos a nós, como Blake Edwards, que o mau jeito e a inocência eram as melhores armas contra a hipocrisia.

De Bellboy a Cracking Up (chamado originalmente Smorgasbord e que será a nossa próxima sessão), Lewis desconstruiu as aparências do mundo e da sociedade rebentando-as pelas costuras. E Cracking Up é uma debandada cómica sem concessões mas motivada apenas pela vontade de Warren (a personagem interpretada por Lewis) em encontrar o seu lugar ao sol.

Andy Rector, que já nos apresentou Budd Boetticher e Ride Lonesome e que é grande admirador do trabalho do grande Jerry Lewis, vai-nos apresentar este último filme do americano.

Chris Fujiwara (lembram-se de Macau Passage?) escreveu aqui sobre os últimos filmes de Lewis, notando que "depois do falhanço comercial (nos Estados Unidos, pelo menos) de Which Way to the Front? e do arquivamento de The Day the Clown Cried (filmado em 1972), a carreira de Jerry Lewis como realizador de cinema entrou num hiato que durou vários anos. Esta interrupção acabou com Hardly Working, que foi seguido por Smorgasbord (que foi lançado na América do Norte como Cracking Up), a última longa metragem que Lewis realizou. Nestes dois filmes, Lewis reage ao ambiente alterado do cinema comercial que o confrontou no final dos anos 1970 e no início dos 1980.

"Ambos os filmes começam em crise, numa perda de poder que é difícil não interpretar como uma metáfora para a própria perda de estatuto de Lewis no cinema Americano. Em Hardly Working, Lewis interpreta Bo Hooper, um palhaço que perde o seu emprego num circo que está a falhar financeiramente. A personagem de Lewis em Cracking Up, Warren Nefron, é um desajeitado propenso a acidentes com baixa auto-estima que, depois de arruinar uma tentativa de suicídio, consulta um psiquiatra.

"Cada um dos dois filmes descreve as tentativas da personagem de Lewis em dominar o seu ambiente e formar uma imagem estável de si próprio. Em Hardly Working, com o apoio da sua irmã devotada, o marido hostil dela, e a filha jovem deles, Bo faz uma série de tentativas para entrar numa nova profissão (empregado de estação de gasolina, barman, chef teppanyaki, antiquário, etc.), acabando cada uma no fracasso. Eventualmente, consegue aguentar-se num trabalho como carteiro para o US Post Office, apenas para sabotar o seu próprio sucesso para poder regressar ao seu verdadeiro chamamento, ser palhaço. A narrativa solta de Smorgasbord consiste numa série de episódios em que Warren ou um dos seus vários alter egos precipita o caos cómico. A cadeia de desastres resolve-se quando a aflição de Warren é transferida como que por magia para o seu psiquiatra.

"Uma produção independente, Hardly Working mostra-nos Lewis, como realizador, a funcionar sem o apoio dos estúdios maioritários a que se tinha acostumado ao longo dos anos 60. O filme é rodado em vários locais indistintos da Flórida que, obviamente, estão nas imediações do mundo do espectáculo que é o habitat normal de Lewis. A estrela parece abatida e (mesmo quando não interpreta um palhaço) profundamente maquilhado, o cabelo dele não tem a aparência esculpida do costume, e as roupas dele parecem mais próximas da Sears do que da Sy Devore. No universo visual suave e iluminado pelo sol de Hardly Working, o Bo de Lewis é uma presença agressiva que tem de ser rejeitada ou contida. Por via de comédia que é melancólica e feroz alternadamente, Hardly Working conta a história de um homem que batalha por sobreviver e se encontrar numa sociedade que preferia ver-se sem ele.

"O maior polimento visual de Smorgasbord e o Lewis mais apresentável em exibição no filme (parece-se muito com o que parecia em The King of Comedy de Martin Scorsese, que foi rodado pouco antes e foi lançado em 1983) sugere imediatamente que o problema de identidade colocado pela narrativa foi resolvido de antemão pela mestria de Lewis sobre a imagem. (Essa segurança, embora indiscutivelmente ausente de Hardly Working, estabelece as contradições dos trabalhos clássicos de Lewis dos anos 60). Embora o tema do suicídio dê a Smorgasbord um tom amargo, a negrura do filme é desmentida pela inconsequência de muitas das vinhetas cómicas que enchem a sua duração. Smorgasbord é provavelmente melhor compreendido como uma afirmação sobre a necessidade inevitável de escapar (o tema manifesto de alguns dos episódios, particularmente o do prisioneiro Francês) e sobre a omnipresença do entretenimento na sociedade Americana."

Serge Daney, crítico francês importantíssimo e cujo trabalho foi recentemente reconhecido pela Angelus Novus, que fez traduzir e editar alguns dos seus textos, escreveu por altura da estreia de Cracking Up que "Jerry Lewis tem sido tão (psico) analisado que o exercício, realmente, não é mais necessário. Os “psiquiatras” pertencem claramente ao seu mundo. Mas, ao contrário de Woody Allen, Lewis não dá uma imagem respeitável da psicanálise (a cura, o sofá, etc.). Para ele, os psiquiatras fazem parte de um espectáculo de Punch e Judy. Está no seu modo de desdobrar o filme por livre associação, na sua arte de repentinamente fazer objectos parecerem palavras, é no seu estilo que Lewis leva mesmo em conta o subconsciente, subconscientemente, claro.

"Daí os gags magníficos, inspirados e inesperados e a cena admirável em que Nefron tenta jantar num restaurante mas no fim desiste porque a empregada (com a voz duma Barbara Nichols moderna!) lista todos os pratos possíveis. Estamos perto a esse ponto da ansiedade do fanático. Em vez de uma decisão para tomar, é apresentada a lista de todas as decisões possíveis. A vida torna-se uma série de caixas para seleccionar, até ao ponto em que se nos acabam as caixas e enlouquecemos. É aqui que o filme é mais assombroso, onde Lewis permanece um cineasta moderno. Um corpo que tropeça no plateau, é engraçado; um que se torna totalmente um código quando a linguagem se tornou uma máquina de guerra, é loucura.

"A beleza do filme é extraída da tristeza. Smörgasbord é tragicamente engraçado."

Até Terça-Feira!

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