John Carpenter, o grande cineasta americano que depois dos clássicos melhor se atirou aos géneros para criar um universo único, será o mestre e o punk da nossa próxima sessão. The Thing é um dos pontos altos dos anos 80, com uma atmosfera e um Kurt Russel de cortar a respiração. O mal, o mal, o mal nas suas formas indefinidas... assustador e lancinante, é uma gelada viagem absolutamente imperdível.
Luís Miguel Oliveira, que em 2008 organizou o catálogo da Cinemateca Portuguesa a Carpenter dedicado e falou connosco e com Adolfo Luxúria Canibal em Dezembro do ano passado sobre The Last Waltz, apresentará o filme.
Em entrevista a Luc Lagier e Jean-Baptiste Thoret (traduzida por Luís Miguel Oliveira para o catálogo da Cinemateca), Carpenter disse que para The Thing "a minha abordagem artística não mudou absolutamente nada por relação com os filmes independentes que até aí tinha rodado. O facto de trabalhar para um grande estúdio não teve, desse ponto de vista, qualquer consequência. Trabalhar com pequenos, médios ou grandes orçamentos não muda, no fim de contas, grande coisa. O elemento mais importante continua a ser a história, seja qual for o quadro em que se está a realizar o filme. O que mudou em mim foi qualquer coisa de muito mais profundo. Depois de The Thing a minha vida artística deixou de ser a mesma, como se uma mola se tivesse partido. Quando The Thing estreou, estava muito orgulhoso do resultado. Pensava sinceramente que o filme era bom, muito bom. Mas ninguém gostou. Os admiradores de filmes de terror, os críticos e o público em geral, toda a gente detestou. A veemência com que os críticos atacaram o filme chocou-me profundamente, e precisei de muito tempo para voltar a mergulhar no filme e tentar compreender: "o que é que não funciona neste filme?". Hoje talvez já tenha compreendido algumas coisas, talvez por ter envelhecido e ganho algum recuo em relação a tudo aquilo. Mas quando se é jovem e se acabou de fazer um filme ao qual se deu tudo, é muito difícil, diga-se o que se disser, ignorar as críticas e dizer que se está nas tintas. Julgo que todos os realizadores têm, mais tarde ou mais cedo, de se haver com a agressividade das críticas. Mas acreditem-me, não o desejo a ninguém. Dito isto, acho que é algo que é preciso aceitar, e penso que, no fim de contas, a vossa resistência torna-se um signo da vossa capacidade de sobrevivência enquanto cineasta. E depois, também é assim que se forja aquilo a que chamamos maturidade..."
Num texto presente no mesmo catálogo e também traduzido por Luís Miguel Oliveira, Lagier escreve que "The Thing é ainda um marco na carreira de John Carpenter uma vez que constitui uma data importante na história dos efeitos especiais. "Uma parte do charme de Assault e de Halloween tem a ver com o facto de não termos dinheiro suficiente para mostrar as coisas. Em compensação, agora, dão-me dinheiro para as mostrar, e portanto é preciso mostrá-las...", declarava Carpenter durante a rodagem do filme. [In Cahiers du Cinéma, nº339, entrevista concedida a Olivier Assayas, Serge Le Peron e Serge Toubiana.] Ajudado pelo maquilhador Rob Bottin, Carpenter decide então, ao que parece um pouco contra-vontade, mostrar a sua criatura, filmando-lhe todas as costuras. Para a maioria da crítica, esta escolha constitui uma traição aos seus primeiros filmes e à concepção tradicional do fantástico desenvolvida por Jacques Tourneur. Hoje, tenderíamos antes para um julgamento mais matizado. O fantástico de Carpenter talvez resida nesta capacidade de mostrar, repousando, portanto, numa utilização inteligente dos efeitos especiais. A partir de The Thing, o fantástico de Carpenter deixou de assentar na invisibilidade e mais na presença de monstros em pleno enquadramento. Fim das hesitações caras a Todorov, o horror está perfeitamente presente no ecran, e os espectadores e as personagens devem reagir a esta presença clara e indiscutível. A questão deixa de ser: o extra-terrestre existe? E passa a ser: como reagir a uma presença tão desestabilizadora, física e psicologicamente? Ao contrário do de Tourneur, o fantástico de Carpenter invade o mundo diegético desde o princípio da ficção e a sua existência não oferece qualquer dúvida. Em The Thing, os doze membros da base americana assistem logo ao princípio à transformação de um cão numa criatura proteiforme, cena que certamente constituiria o final de muitos outros filmes de horror."
Num texto presente no mesmo catálogo e também traduzido por Luís Miguel Oliveira, Lagier escreve que "The Thing é ainda um marco na carreira de John Carpenter uma vez que constitui uma data importante na história dos efeitos especiais. "Uma parte do charme de Assault e de Halloween tem a ver com o facto de não termos dinheiro suficiente para mostrar as coisas. Em compensação, agora, dão-me dinheiro para as mostrar, e portanto é preciso mostrá-las...", declarava Carpenter durante a rodagem do filme. [In Cahiers du Cinéma, nº339, entrevista concedida a Olivier Assayas, Serge Le Peron e Serge Toubiana.] Ajudado pelo maquilhador Rob Bottin, Carpenter decide então, ao que parece um pouco contra-vontade, mostrar a sua criatura, filmando-lhe todas as costuras. Para a maioria da crítica, esta escolha constitui uma traição aos seus primeiros filmes e à concepção tradicional do fantástico desenvolvida por Jacques Tourneur. Hoje, tenderíamos antes para um julgamento mais matizado. O fantástico de Carpenter talvez resida nesta capacidade de mostrar, repousando, portanto, numa utilização inteligente dos efeitos especiais. A partir de The Thing, o fantástico de Carpenter deixou de assentar na invisibilidade e mais na presença de monstros em pleno enquadramento. Fim das hesitações caras a Todorov, o horror está perfeitamente presente no ecran, e os espectadores e as personagens devem reagir a esta presença clara e indiscutível. A questão deixa de ser: o extra-terrestre existe? E passa a ser: como reagir a uma presença tão desestabilizadora, física e psicologicamente? Ao contrário do de Tourneur, o fantástico de Carpenter invade o mundo diegético desde o princípio da ficção e a sua existência não oferece qualquer dúvida. Em The Thing, os doze membros da base americana assistem logo ao princípio à transformação de um cão numa criatura proteiforme, cena que certamente constituiria o final de muitos outros filmes de horror."
Nicolas Saada, que com Lagier, Thoret e Assayas ajudou a clarificar e perceber o verdadeiro lugar de Carpenter no mundo do cinema, quando ninguém queria saber, escreveu aqui sobre The Thing, dizendo que "eu acho que Carpenter é um dos cinco ou seis maiores cineastas vivos, que de resto não é reconhecido pelo seu verdadeiro valor. A sua condição hoje é injusta. Não percebo como cineastas como Cronenberg e Tarantino são hoje reconhecidos a este ponto e como um tipo como Carpenter não tem o seu lugar na instituição. É mais que nunca um Maverick, um Johnny Cash do cinema. Tive a sorte de o encontrar e conheço-o um pouco. Quando penso nele, fico sempre um bocado triste e revoltado. The Thing é um dos filmes mais tensos e astutos do cinema. Porque ele cria cumes de espectacularidade para, depois disso, construir cenas de suspense sobre o nada. Ele excede-se sobre um efeito especial e depois faz-nos passar durante 30 minutos com dois fios eléctricos e um pouco de sangue. O que adoro no John, é como ele doseia a mise en scène. Nisso, fui muito influenciado por ele."
Até amanhã!
Até amanhã!
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