Terminando a pausa forçada pela pandemia, temos o prazer de informar que em Julho regressamos às sessões. Vão ser na Casa dos Crivos e vão perfazer a primeira parte de um ciclo "Buñuel no México", com Los Olvidados (dia 2), Susana (dia 9), La hija del engaño (dia 16), Una mujer sin amor (dia 23) e El Bruto (dia 30), na companhia dos grandes Alfonso Mejía, Miguel Inclán, Rosana Quintana, Fernando Soler, Pedro Almendáriz e Katy Jurado.
Sobre o filme da próxima sessão, e em «Da Vida e Obra de Luis Buñuel», João Bénard da Costa escreveu-nos que "Buñuel contou, muitas vezes, que o ponto de partida para Los Olvidados fora Sciuscià de De Sica e o entusiasmo de Dancigers pelo neo-realismo italiano. Mas este filme sobre meninos pobres, feios e maus nada tinha de amanhãs que cantam. Um cadáver atirado aos porcos é o seu fim. «Estoy solo... solo» diz o protagonista ao morrer «Como siempre, mi hijito, como siempre... Duérmete, duérmete», diz em off a mãe, presença sexual e letal, leit-motif do filme.
"Ainda hoje, Buñuel manifesta a sua gratidão a um texto escrito para Cannes pelo grande poeta Octavio Paz que assinou estas linhas exactas e admiráveis: «O conflito entre a consciência humana e a fatalidade externa é a essência da tragédia. Buñuel redescobriu esta ambiguidade fundamental: sem a cumplicidade humana o destino não se cumpre e a tragédia é impossível. A fatalidade oculta-se sob a liberdade, a liberdade oculta-se sob o destino. A velha fatalidade regressa neste filme, despida dos seus atributos sobrenaturais: é uma fatalidade social e psicológica»."
No mesmo texto de Octavio Paz acima citado, o poeta diz que "Os Esquecidos não é um filme documental. Também não é um filme de tese, de propaganda ou de moral. Embora nenhum moralismo manche a sua objectividade admirável, seria difamatório dizer que se trata de um filme estético, em que só contam os valores artísticos, longe do realismo (social, psicológico e edificante) e do esteticismo, o filme de Buñuel inscreve-se na tradição de uma arte passional e feroz, contida e delirante, que reclama Goya e Posada como antecedentes, talvez os artistas plásticos que levaram mais longe o humor negro. Lava fria, gelo vulcânico. Apesar da universalidade do seu tema, da ausência de cor local e da extrema nudez da sua construção, Os Esquecidos coloca uma entoação para a qual não há outra escolha que não chamar racial (no sentido em que os touros têm casta).
Sobre o filme da próxima sessão, e em «Da Vida e Obra de Luis Buñuel», João Bénard da Costa escreveu-nos que "Buñuel contou, muitas vezes, que o ponto de partida para Los Olvidados fora Sciuscià de De Sica e o entusiasmo de Dancigers pelo neo-realismo italiano. Mas este filme sobre meninos pobres, feios e maus nada tinha de amanhãs que cantam. Um cadáver atirado aos porcos é o seu fim. «Estoy solo... solo» diz o protagonista ao morrer «Como siempre, mi hijito, como siempre... Duérmete, duérmete», diz em off a mãe, presença sexual e letal, leit-motif do filme.
"Ainda hoje, Buñuel manifesta a sua gratidão a um texto escrito para Cannes pelo grande poeta Octavio Paz que assinou estas linhas exactas e admiráveis: «O conflito entre a consciência humana e a fatalidade externa é a essência da tragédia. Buñuel redescobriu esta ambiguidade fundamental: sem a cumplicidade humana o destino não se cumpre e a tragédia é impossível. A fatalidade oculta-se sob a liberdade, a liberdade oculta-se sob o destino. A velha fatalidade regressa neste filme, despida dos seus atributos sobrenaturais: é uma fatalidade social e psicológica»."
No mesmo texto de Octavio Paz acima citado, o poeta diz que "Os Esquecidos não é um filme documental. Também não é um filme de tese, de propaganda ou de moral. Embora nenhum moralismo manche a sua objectividade admirável, seria difamatório dizer que se trata de um filme estético, em que só contam os valores artísticos, longe do realismo (social, psicológico e edificante) e do esteticismo, o filme de Buñuel inscreve-se na tradição de uma arte passional e feroz, contida e delirante, que reclama Goya e Posada como antecedentes, talvez os artistas plásticos que levaram mais longe o humor negro. Lava fria, gelo vulcânico. Apesar da universalidade do seu tema, da ausência de cor local e da extrema nudez da sua construção, Os Esquecidos coloca uma entoação para a qual não há outra escolha que não chamar racial (no sentido em que os touros têm casta).
"A miséria e o abandono podem acontecer em qualquer parte do mundo, mas a paixão feroz com que são descritas pertence à grande arte espanhola. Já vimos esse mendigo cego no picaresco espanhol. Essas mulheres, esses bêbados, esses cretinos, esses assassinos, esses inocentes, vimo-los em Quevedo e em Galdós, vislumbramo-los em Cervantes, retrataram-nos Velásquez e Murillo. Essas varas – varas de cego - são as mesmas que se ouvem em todo o teatro espanhol. E os miúdos, os esquecidos, a sua mitologia, a sua rebeldia passiva, a sua lealdade suicida, a sua doçura que relampeja, a sua ternura plena de ferocidades requintadas, a sua afirmação desgarrada de si próprios na e para a morte, a sua busca sem fim pela comunhão – ainda através do crime - não são nem podem ser senão mexicanos. Assim, na cena chave do filme – a cena onírica - o tema da mãe resolve-se na cena em comum, no festim sagrado."
Já Jacques Lourcelles escreveu no Dictionnaire que "em Terra Sem Pão, o seu documentário admirável de 1932, Buñuel não só tinha retratado a miséria extrema e o abandono extremo de uma população espanhola, como tinha encontrado (era o aspecto experimental desse filme) um tom único para os retratar: uma indignação secreta, profundamente enrolada na imagem, um recurso à constatação, glacial e quase insuportável. Esse mesmo tom é reutilizado nesta terceira longa-metragem mexicana que marca o início da segunda carreira do cineasta (ele vai conhecer muitas outras) graças ao sucesso obtido pelo filme no Festival de Cannes de 1951. Efectivamente, a crueldade (excepcional para a época) dos acontecimentos relatada pela intriga é igualada apenas pela frieza impassível com que essa crueldade é exprimida. Sem que Buñuel tenha de insistir ou sublinhar as suas intenções, tudo aqui acusa a miséria e a injustiça social como os principais responsáveis do destino trágico destas crianças transformadas em carrascos, em assassinos, ou vítimas abandonadas e martirizadas. Segundo o próprio Buñuel, o filme foi inspirado por Sciuscià de De Sica e de forma mais geral pelo neo-realismo italiano. Houve um trabalho de documentação e pesquisa nos bairros miseráveis da cidade a anteceder a realização do filme. Mas entre o realismo mais cru irrompem em grande número imagens insólitas, eróticas, oníricas, obsessões e sonhos inteiros que fazem mergulhar o filme nas fontes surrealistas do universo buñueliano. E a terrível crueldade da obra é tanto o resultado de um olhar frio lançado sobre o mundo como influência de uma tradição estética espanhola. No entanto, e com toda a sua força, o filme, comparado a outros Buñuel, ainda não passa de um esboço. A construção e o ritmo, em particular, estão longe de ser perfeitos.
"BIBLIO. : argumento e diálogos in « L'Avant-Scène » nº 137 (1973). Tradução inglesa no volume 35 da colecção « Classic and Modern Film Scripts », Londres, Lorrimer, 1972."
Até Quinta-Feira!
"BIBLIO. : argumento e diálogos in « L'Avant-Scène » nº 137 (1973). Tradução inglesa no volume 35 da colecção « Classic and Modern Film Scripts », Londres, Lorrimer, 1972."
Até Quinta-Feira!
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