sexta-feira, 3 de julho de 2020

Los Olvidados (1950) de Luis Buñuel



por Alexandra Barros (com contextualização inicial de Alberto Peixoto)

Devido às suas actividades anti-Franco e subsequente exílio, e após uma breve passagem por Hollywood, Buñuel vai viver para o México. Neste período, realiza filmes mais populares, mas de baixo orçamento, com narrativas mais lineares, distantes dos seus filmes surrealistas mais conhecidos como Un Chien Andalou. Los Olvidados é o terceiro filme mexicano e os temas abordados vão repercutir-se em filmes posteriores: Subida al cielo, Él, Nazarín, The Young One, ou El Ángel Exterminador. É o início da colaboração com Gabriel Figueroa, na direção de fotografia, cujo apurado trabalho diferencia o filme dos mais típicos documentários. Outras importantes colaborações se seguirão: Él, The Young One, Nazarin, El ángel exterminador e Simón del desierto

Los Olvidados, segue a vida de um grupo de adolescentes pertencentes à mais desfavorecida camada social da Cidade do México. Dadas as circunstâncias económicas e sociais em que nascem e crescem, a falta de perspectivas para o futuro surgem como inultrapassáveis ou mesmo conducentes a destinos trágicos inevitáveis. 

O filme é visto, de uma forma geral, como neo-realista, e tendo sido considerado uma peça documental importante, foi recomendado para inclusão no registo “Memory of the World”, da Unesco, em 2003. No entanto, os traços surrealistas, característicos do cinema de Buñuel, estão também presentes no filme, principalmente na cena do sonho de Pedro, onde se conjugam: os remorsos pela participação num assassinato; o sofrimento causado pelo amor e carinho recusados pela mãe, apesar de repetidamente lhos implorar; a ligação aos animais, (quase os) únicos seres disponíveis para o afecto. 

Existe outra cena não enquadrável no “manual” do neo-realismo, onde são expostos os mecanismos de construção do próprio filme. Trata-se da ocasião em que Pedro lança um ovo, que se vai esborrachar na lente da câmera de filmar. O filme, aliás, está repleto de objectos (na sua maioria, pedras) atirados contra pessoas, animais ou outros objectos. É uma das formas utilizadas para manter um clima de violência constante. A predação sexual, indiferença afectiva, trabalho infantil, maus tratos físicos e psicológicos, incluindo chantagem emocional e manipulação de pessoas e factos através da mentira, são algumas das componentes do ciclo de violência de que ninguém consegue escapar. A sensação de aprisionamento das personagens é reforçada pelas múltiplas imagens de “grades”, recorrentes no filme, desde as infraestruturas de uma obra em construção, às sombras projectadas nas paredes, do quadriculado estrutural das janelas da escola onde Pedro é internado, no final do filme. 

Outro mecanismo utilizado para enfatizar a miséria é o lixo. Este é mesmo mostrado como indicador do grau de pobreza do microcosmos que nos é mostrado. Pedro, passa uma noite numa lixeira, de onde é expulso pela manhã, por um par de homens que pernoitou no lado oposto ao que ele ocupou. Estes consideram-se proprietários do monte de lixo, não permitindo, por isso, que seja invadido por “intrusos”. 

Violência e poesia entrelaçam-se ao longo do filme, a última composta essencialmente pela força simbólica e estética das imagens. Ao peso das pedras atiradas contra tudo e todos contrapõem-se as penas de galinhas, que voam com leveza, em várias cenas, das quais se destaca a do sonho de Pedro, filmado em câmera lenta. São, aliás, as galinhas e outros animais, como as vacas, que mais conforto dão às personagens: o leite das vacas conforta o estômago e amacia e dá beleza à pele; as galinhas oferecem companhia e alívio para as dores, mesmo que através do efeito placebo. 

Além dos animais, o lixo é outro elemento “acolhedor”, neste mundo de quem nada tem. Serve, por exemplo, de “cama”, a Pedro e outros sem-abrigo. Mas, no final, até estes elementos perdem o seu lugar especial. À medida que a frustração com os sucessivos infortúnios se acumula dentro de Pedro, a fúria acaba por se voltar contra os animais, tão estimados anteriormente. Pedro, visto como “lixo” pela sociedade, é literalmente tratado como qualquer pedaço de lixo, quando é despejado numa lixeira, depois de ser morto de forma violenta. A oportunidade que foi dada a Pedro, por um projecto de solidariedade social, para romper o círculo que o cercava desde sempre, acaba por ser sabotada pelo passado que lhe está colado. Não há soluções simples para problemas complexos. Los Olvidados, infelizmente, continua actual.

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