sexta-feira, 10 de julho de 2020

Susana (1951) de Luis Buñuel



por Alexandra Barros

Susana, fechada num reformatório há dois anos, é colocada numa cela, isoladamente, numa noite de tempestade. É com chuva torrencial e trovões a riscar o céu que o filme começa. Susana pede a Deus que a liberte, pois se ela é má como as víboras é porque Deus assim quis e, por isso, deve naturalmente viver em liberdade, como é próprio da espécie. O milagre acontece. As grades da cela soltam-se e Susana rasteja, como um réptil, para o exterior. 

É “adoptada” por uma família rica e harmoniosa, com sólida estrutura moral, de rancheros. Todos acabam por trair os seus princípios, sob o efeito malsão do “veneno” de Susana. Usando artimanhas e “sexiness”, seduz pai e filho, arrastando o primeiro para a traição conjugal e o segundo para a afronta e confronto com os pais. A mãe, apesar de tentar manter a dignidade e respeitar as leis cristãs pelas quais se rege, acaba por ceder aos impulsos recalcados e chicotear Susana, com nítido prazer, quando vê a família destruída. 

O braço direito do pai, ocultava da família o facto de Susana ser uma fugitiva. Despedido por causa de Susana, quando o segredo deixa de ter utilidade para forçar Susana a um relacionamento amoroso, denuncia-a. Levada de volta para o reformatório, regressa a harmonia à família. O melodrama acaba, provocadoramente, em registo cómico, num dia de sol, em que até a égua favorita do rancho, doente desde a chegada de Susana, recupera subitamente. 

O filme opõe, aparentemente, a comunidade ranchera social e moralmente “boa” à social e moralmente má Susana. No entanto, todos praticam acções reprováveis, do ponto de vista da ordem moral. O facto de hipocritamente se auto-desculpabilizarem, atribuindo a culpa pelos seus comportamentos ao enfeitiçamento provocado por Susana, é, porém, mais imoral que a maldade assumida e desregrada de Susana.

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