Na terceira ronda do nosso ciclo Buñuel, acompanharemos a vida de Don Quintín, a mulher Maria e a filha Marta, nascida de um caso extra-conjugal da mãe. É um remake mexicano do espanhol Don Quintín el amargao, de 1935, e um dos "filmes alimentares" de Luis Buñuel. A nossa próxima sessão no auditório da Casa dos Crivos.
Na sua folha da Cinemateca sobre o filme, João Bénard da Costa escreveu que "o mais importante é compararmos as alterações das duas versões: no filme de 1935, a mulher de Don Quintín não era culpada de coisa nenhuma a não ser do que o marido julgara entrever num plano de sombras. Expulsa de casa, sem qualquer razão, a não ser o carácter “amargao” do protagonista, só depois tinha a filha, sem que o marido soubesse ainda que tal estava para acontecer. Aqui, não há margem para dúvidas e a filha já existia antes. A transformação dever-se-á apenas a lentas evoluções de moral: para um espanhol de 35, o comportamento de Don Quintín estaria mais que justificado se tivesse visto o que viu na versão de 51. Vinte anos depois, mesmo uma mulher “culpada” já não merecia castigo tão rigoroso e vingança tão duradoura. Por outro lado, o remake omite duas sequências fundamentais da versão de 35, e das melhores: a da canção, que justifica a explosão do protagonista e a do seu encontro com a miúda da garrafa fálica, quando chora depois de saber que era a filha quem o amaldiçoava.
"Curiosamente, os melhores momentos de La Hija del Engaño não têm paralelo na versão de 1935: por exemplo os planos iniciais com o plano a meio-corpo, as camisas, a mala e a gravata; ou o plano da lâmpada a apagar-se; por exemplo, as duas sequências saborosíssimas que são a da entrada do rufião mexicano no casino, com os «ui-ui» repetidos e a espantosa cena de tiroteio ou na visita do padre a esse mesmo casino, melhor dito, a sua descida ao “Inferno”. A introdução do padre nesse décor e naquele lugar é um achado tipicamente buñueliano, com o magnífico comentário dum dos jogadores: «con tal de gañar, hasta el clero hace llamar». Magníficas são, também, nesta versão, as sequências em casa do pai adoptivo de Marta ou o personagem da “irmã”, cujo show no “Inferno” é outro dos grandes momentos do filme."
Em Mon Dernier Soupir, Buñuel escreveu que “houve três filmes em 1951—A Filha do Engano, um dos títulos mais infelizes de Danciger, uma vez que era apenas um remake do Don Quintín de Arnices, uma peça que eu já tinha adaptado para filme em Madrid nos anos 30. Depois veio Uma Mulher Sem Amor, que é muito simplesmente o pior filme que eu já fiz. Era suposto ser um remake de um filme excelente realizado por André Cayatte e baseado em Pierre et Jean de Maupassant, e tinha-me sido dito para montar um ecrã no estúdio e copiar apenas o filme de Cayatte, cena a cena. De forma não surpreendente, fi-lo à minha maneira, mas mesmo assim foi um desastre.”
Na sua folha da Cinemateca sobre o filme, João Bénard da Costa escreveu que "o mais importante é compararmos as alterações das duas versões: no filme de 1935, a mulher de Don Quintín não era culpada de coisa nenhuma a não ser do que o marido julgara entrever num plano de sombras. Expulsa de casa, sem qualquer razão, a não ser o carácter “amargao” do protagonista, só depois tinha a filha, sem que o marido soubesse ainda que tal estava para acontecer. Aqui, não há margem para dúvidas e a filha já existia antes. A transformação dever-se-á apenas a lentas evoluções de moral: para um espanhol de 35, o comportamento de Don Quintín estaria mais que justificado se tivesse visto o que viu na versão de 51. Vinte anos depois, mesmo uma mulher “culpada” já não merecia castigo tão rigoroso e vingança tão duradoura. Por outro lado, o remake omite duas sequências fundamentais da versão de 35, e das melhores: a da canção, que justifica a explosão do protagonista e a do seu encontro com a miúda da garrafa fálica, quando chora depois de saber que era a filha quem o amaldiçoava.
"Curiosamente, os melhores momentos de La Hija del Engaño não têm paralelo na versão de 1935: por exemplo os planos iniciais com o plano a meio-corpo, as camisas, a mala e a gravata; ou o plano da lâmpada a apagar-se; por exemplo, as duas sequências saborosíssimas que são a da entrada do rufião mexicano no casino, com os «ui-ui» repetidos e a espantosa cena de tiroteio ou na visita do padre a esse mesmo casino, melhor dito, a sua descida ao “Inferno”. A introdução do padre nesse décor e naquele lugar é um achado tipicamente buñueliano, com o magnífico comentário dum dos jogadores: «con tal de gañar, hasta el clero hace llamar». Magníficas são, também, nesta versão, as sequências em casa do pai adoptivo de Marta ou o personagem da “irmã”, cujo show no “Inferno” é outro dos grandes momentos do filme."
Em Mon Dernier Soupir, Buñuel escreveu que “houve três filmes em 1951—A Filha do Engano, um dos títulos mais infelizes de Danciger, uma vez que era apenas um remake do Don Quintín de Arnices, uma peça que eu já tinha adaptado para filme em Madrid nos anos 30. Depois veio Uma Mulher Sem Amor, que é muito simplesmente o pior filme que eu já fiz. Era suposto ser um remake de um filme excelente realizado por André Cayatte e baseado em Pierre et Jean de Maupassant, e tinha-me sido dito para montar um ecrã no estúdio e copiar apenas o filme de Cayatte, cena a cena. De forma não surpreendente, fi-lo à minha maneira, mas mesmo assim foi um desastre.”
Já Bill Krohn, em Luis Buñuel - The Complete Films, escreve que "na sua última rapidinha para Dancigers, Buñuel refez o Don Quintin el amargao da Filmofono com Soler no papel titular, re-baptizado de A Filha do Engano - de forma a garantir que nenhum fã do original comprasse bilhetes, resmungou mais tarde o realizador. Desta vez a história é interpretada pelos risos, muitos deles fornecidos pelo popular actor cómico Femando Soto ("Mantequilla") e o seu parceiro Nacho Conta (como Jonron), que interpretam os guarda-costas inúteis, mas "muy macho", de Don Quintin.
"Na nova versão Don Quintin foi mesmo encornado, e Buñuel toma isso como licença para permitir que o seu herói permanentemente irritadiço regresse à adolescência e tenha um tempo maravilhoso depois de expulsar a mulher e doar involuntariamente a própria filha: a fumar, a beber a a jogar a noite toda, a passar tempo em bares, a dirigir um clube nocturno decorado com diabos em papier machê e a abusar de toda a gente à vista.
"Mesmo depois de se voltar a encontrar com a filha, Don Quintin (por quem Buñuel sempre teve um fraquinho) continua sem reabilitação. Quando sabe que vai ter de esperar seis meses para ver o primeiro neto dele, exclama de forma amarga para a câmara, "Estão a ver - nunca nada corre bem, para mim!" Depois volta-se para abraçar a sua nova família enquanto a câmara, num travelling para a frente, lança uma sombra altamente visível para as costas dele no último plano."
Até Quinta-Feira!
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