por Alexandra Barros
O título do filme já diz ao que vem: é mais uma história dentro da linha popular melodramática, a que temos assistido. Tal como em Susana, há uma família regida pelas normas sociais estabelecidas (Don Carlos, Rosario e Carlitos/Carlos) e alguém que vem de fora (Julio) abalar as ligações afectivas inter-familiares. Julio torna-se amigo íntimo da família, apesar de pouco partilhar con Don Carlos, considerando as respectivas personalidades. Don Carlos, um antiquário rico, que vive rodeado por peças belas e valiosas, é um homem bruto, inflexível, auto-centrado e incapaz de empatia. Julio, um engenheiro geólogo, cujo trabalho decorre essencialmente em florestas, é observador e entende facilmente os estados emocionais alheios, é refinado, romântico, generoso. A intimidade toma um sentido mais literal, na relação que estabelece com Rosario, quando se apaixonam.
Rosario, antes desta paixão, não é, de facto, uma mulher sem amor: Apesar da inexistência de amor conjugal, o amor maternal e filial impede-a de optar pelo amor romântico e saída do casamento. Um ataque cardiaco, a que Don Carlos sobrevive, acaba por atacar também o seu coração e o de Julio. No momento em que Carlos, que brincava num lago com um barco, anuncia que o barco se partiu, Rosario recusa partir para o Brasil com Julio.
Tendo sido vivido clandestinamento e desconhecido por todos, tal amor nunca chega a perturbar a vida familiar. Só após a morte de Julio é que esse passado, trazido à tona pela fortuna que Julio lega ao filho mais novo de Rosario (Miguel), vai destruir a coesão familiar. Carlos, que vive amargurado por não ter dinheiro para se dedicar à investigação médica, mais amargurado fica quando Miguel se oferece para ajudá-lo, utilizando a recém-adquirida fortuna. É, no entanto, o ciúme, que nem Rita (uma amiga de Carlos) nem Carlos conseguem controlar, o sentimento que abre definitivamente a caixa de Pandora. Carlos ama Luisa, a noiva de Miguel, e não pode deixar de sentir ciúmes relativamente ao irmão. Rita, que deseja Carlos, tem ciúmes de Luisa e instiga a desavença entre os irmãos.
Corroído pela frustração amorosa e profissional, Carlos solta toda a raiva sobre a mãe e irmão, que acusa de desonrarem a família. É especialmente cruel com a mãe, que acaba por confessar a sua história de amor (já depois do marido ter morrido de um segundo ataque cardíaco). Rosario redime-se aos olhos dos filhos apenas porque confessa ter abdicado de Julio em prol da felicidade de Carlos e Miguel.
Embora o filme seja bastante linear e estejam (praticamente) ausentes os momentos de humor satírico, surrealismo, poesia visual ou outras marcas características de Buñuel, é de notar a utilização de retratos fotográficos quase como avatares dos retratados. Rosario mantem viva a memória do seu caso amoroso, revendo, em privado, a fotografia de Julio. É, aliás, no momento em que Carlos observa a mãe a olhar com nostalgia para essa fotografia, que as suas suspeitas se transformam em certezas. Rasga então uma fotografia da mãe e quando esta a encontra, percebe que o filho descobriu o seu segredo. No final, a fotografia de Julio sai da caixa dos segredos e é exposta. Julio, um fantasma que assombrou a família, pode finalmente ser amado assumidamente.
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