Decidida a abertura das salas de espectáculo a partir do dia 19 de Abril, o Lucky Star – Cineclube de Braga vai retomar a sua actividade com a apresentação de um mini-ciclo dedicado a Yasujiro Ozu, considerado pelos seus conterrâneos como “o mais japonês” dos realizadores do Japão. Os filmes de Ozu são dramas domésticos. O seu assunto é a família japonesa e o seu tema a sua dissolução, uma catástrofe porque, no Japão, diz-nos Donald Richie, a identidade do indivíduo assenta, numa medida importante, sobre aqueles com quem se vive, estuda e trabalha.
Assim, será projectado no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, às 19h, já no dia 20 de Abril, Viagem a Tóquio (1953), a nossa próxima sessão. O Lucky Star – Cineclube de Braga participará também na sessão de lançamento do livro de Donald Richie, Ozu, uma referência bibliográfica fundamental para o estudo deste realizador japonês, agora editada em Portugal pela The Stone and the Plot, e que terá lugar na 100ª Página, no dia seguinte, pelas 18h30. Ambos os eventos contarão com a presença do editor, Daniel Pereira.
Num artigo escrito para a Sight and Sound em 1964, Chishū Ryū, pai de tantos filmes de Yasujiro Ozu, descreveu o método de trabalho do cineasta, escrevendo que "quando eu estava a entrar no mundo do cinema em 1925 e o Sr. Ozu se tornou realizador em 1927, foram-me dadas oportunidades para aparecer em quase todos os seus filmes, tirando Os Tormentos da Beleza (1931), um filme mudo, e O que É que A Senhora Esqueceu? (1937), um filme falado. Durante os primeiros anos só me ofereciam pequenos papéis, e foi em 1930, com o filme Reprovei, mas…, que interpretei um papel bem importante pela primeira vez. Depois disso, tive a sorte de conseguir papéis importantes em cinco dos seus filmes de antes da guerra; e nos outros filmes dele ele nunca deixou de me dar a oportunidade de aparecer em alguns planos como actor secundário. Depois da guerra, fui escolhido como protagonista em quase todos os seus filmes."
"Quanto aos métodos de realização do Sr. Ozu, ele tinha o filme todo feito na cabeça antes de ir para o plateau, para que tudo o que nós, actores, tivéssemos que fazer fosse seguir as indicações dele, da forma como levantávamos e baixávamos os braços à forma como piscávamos os olhos. Isto é, não nos tínhamos de preocupar com a nossa interpretação de todo. Num certo sentido, sentíamo-nos bastante em casa quando estávamos a interpretar nos filmes dele. Mesmo que eu não soubesse o que estava a fazer e como aqueles planos se iam ligar no final, quando olhava para a primeira projecção ficava muitas vezes surpreendido ao achar a minha interpretação bem melhor do que estava à espera."
Na Filmografia Biográfica do livro de Donald Richie, traduzido por António Nuno Júnior, o norte-americano comenta a história de Viagem a Tóquio, escrevendo que "a partir desta simples narrativa desenvolve-se um dos mais extraordinários filmes japoneses de todos os tempos. O estilo de Ozu, agora completamente refinado, totalmente económico, produz um filme inesquecível por ser tão exacto, tão verdadeiro, e também por exigir tanto do seu público. Digressões de qualquer tipo são raras nos filmes de Ozu, mas aqui não existem nenhumas. Duas gerações, uma história simples que permite a todas as personagens trocarem de lugar, um esboçar do pico do Verão que permeia todo o filme e a enganadora simplicidade do seu estilo - tudo isto se combina para criar um filme tão japonês e simultaneamente tão pessoal, logo tão universal no seu encanto, que se transforma numa obra-prima. O próprio Ozu, que gostava muito deste filme, tinha muito pouco para dizer acerca dele. Após ter obtido o segundo lugar nas listas da Kinema Junpo, ele disse que "através do crescimento dos pais e dos filhos, descrevi o modo como o sistema familiar japonês se começou a desintegrar." Acrescentando, depois, de forma surpreendente, mas característica: "Este é um dos meus filmes mais melodramáticos."
No Dictionnaire du Cinéma, Jacques Lourcelles descreve a obra como "o filme mais conhecido de Ozu no estrangeiro. Os japoneses, esses, colocam ainda mais alto Primavera Tardia e provavelmente têm razão. «Através das vidas dos pais e dos filhos», declarou Ozu, «mostrei como o sistema familiar japonês se começava a desintegrar.» Fê-lo, como é seu hábito, com um pudor extremo que se aplica de forma muito expressa a nunca ceder às coisas por medo, forçando-as, exacerbando-as. O pudor dele assemelha-se ao da personagem de Chishu Ryu que se abstém de julgar de forma demasiado severa os seus filhos («Eles são menos gentis do que antes mas mais gentis do que a média» concordará ele em dizer com a mulher.) O estilo do filme é inspirado pelo desejo de preservar por um lado um equilíbrio entre a constatação lúcida de uma certa drenagem do coração entre os filhos e por outro a resignação, não menos lúcida, perante as circunstâncias que podem explicar, se não mesmo justificar, essa atitude de egoísmo. Equilíbrio, também, entre a denúncia e a serenidade, no tom do autor. Viagem a Tóquio é precisamente o tipo de obra elegíaca em que o autor faz sentir a sua dor recusando ao mesmo tempo que se vire para o negro absoluto. A personagem da enteada (Setsuko Hara) é essencial para o filme. Não só sublinha de forma paradoxal a falta de calor humano dos outros filhos, como revela sobretudo que esse defensor da família que Ozu era por excelência, defendia de forma ainda mais firme as virtudes do indivíduo. Finalmente, esta personagem serve para realçar a moral específica do filme, elemento essencial para Ozu, mostrando que aquele que recebeu menos é também aquele que vai oferecer mais.
"Biblio.: planificação (770 planos) in «L'Avant-Scene» nº 204 (1978). Argumento e diálogos em volume, pelas Publications Orientalistes de France, 1986."
Até Terça-Feira!
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