quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Mahanagar (1963) de Satyajit Ray



por Alexandra Barros

Novembro será inteiramente dedicado a Satyajit Ray, reconhecido mestre do cinema indiano e da História do Cinema. Acerca dele, outro mestre, o japonês Akira Kurosawa afirmou: “Não ter visto os filmes de Ray é ter vivido no mundo sem nunca ter visto a lua e o sol.” 

Satyajit Ray realizou 36 filmes, incluindo ficção, documentários e curtas-metragens. Pather Panchali, o seu primeiro filme (e primeiro da Trilogia de Apu), ganhou dezenas de prémios internacionais. O seu trabalho continuou a ser reconhecido ao longo da vida e foi premiado em diversos Festivais de Cinema prestigiados (Berlim, Cannes, Veneza, ...). Em 1992, pouco tempo antes de morrer, foi distinguido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood com um Óscar Honorário, “em reconhecimento ao seu raro domínio da arte da imagem em movimento e à sua profunda perspectiva humanista”. 

Charulata, A Grande Cidade, O Herói e A Trilogia de Apu aparecem recorrentemente nas listas dos melhores de Satyajit Ray, compiladas pelos muitos cinéfilos que o acarinham. Salvo a Trilogia, todos fazem parte do ciclo que lhe dedicamos. Ray era também cineclubista e um cinéfilo apaixonado. 

A Grande Cidade acompanha um drama familiar, enquadrado num olhar sobre a Índia pós-colonial. É uma época de transição, em que as mudanças sociais inevitáveis chocam com os costumes tradicionais, dando origem a conflitos e dores pessoais, como os retratados no filme. 

Subrata e Arati vivem em Calcutá e são responsáveis por um núcleo familiar formado por um filho pequeno, os pais de Subrata e a sua irmã mais nova. Subrata trabalha num banco, mas o seu salário dificilmente chega para todas as despesas familiares. Para ajudar a superar as dificuldades económicas, Arati arranja um emprego. Quando o banco de Subrata vai à falência, ele perde o emprego e Arati passa a sustentar sozinha a família. Apesar de essa ser a única solução imediata para a subsistência familiar, e de Arati estar feliz por poder ajudar a família, ninguém aceita bem a situação. Os preconceitos sociais e os ressentimentos pessoais do marido, sogro e filho de Arati minam particularmente a harmonia anterior. Para Arati há agora dois mundos, aparentemente irreconciliáveis. A cidade, o seu trabalho, batom, óculos de sol, por um lado; a casa e a família, por outro. É no interior da sua casa, no interior das casas que visita (clientes e Edith, a sua colega e amiga anglo-indiana) ou nas que são visitadas pelos outros membros da família, que quase toda a acção do filme decorre. A cuidada composição destes espaços cénicos serve a identificação e caracterização dos diversos “mundos” que coexistem na sociedade indiana (classes sociais, grupos étnicos, passado colonial). 

A emancipação feminina, tema ainda universalmente relevante, não é a única questão social focada que continua atual. Subtilmente entrelaçadas na narrativa principal temos outras preocupações: o lugar dos mais velhos e reformados na sociedade, o drama das falências dos bancos, os preconceitos raciais, a herança colonial, a estrutura das classes sociais. Em A Grande Cidade temos assim um exemplo perfeito do que Satyajit Ray disse pretender capturar nos seus filmes: tanto o que é único na experiência indiana quanto o que é universal. 

A universalidade e intemporalidade da matéria dos filmes de Satyajit Ray será uma das razões pela qual eles “falam” a tantas pessoas. Embora o seu cinema seja intrinsecamente indiano, é também de todo o lado!

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