por André Miranda
De Nantucket partiu o Pequod com Ahab a bordo, em busca da baleia branca. Cruzou os mares de todo o mundo, durante 3 anos. No Tejo, navega Albertino Lobo, numa lancha movida a motor; não tem uma tripulação a comandar, nem destino feroz que o treslouque, assim como o espaço que habita é exíguo, constrangido pelas margens. Avança no rio de olhar fixo num horizonte, enfrentando os elementos, os anos de labuta marcados no rosto, no corpo inteiro, nas mãos que puxam uma linha que parece sem fim.
Mas este não é um filme sobre um herói, um Ahab consumido pelo desejo de vingança ou um Ulisses que apenas quer regressar a casa, enfrentando quantos perigos lhe surgem no caminho. As criaturas do Tejo são consideravelmente mais pequenas que um cachalote e o único contratempo a lutar é a revogação da licença de pesca.
Albertino não é um lobo solitário, tal como o rio não lhe é único na existência. Conhecemos-lhe a família: esposa, duas filhas, neta e genro. Entramos nesta casa sem pedir autorização, mas não somos recebidos com desconfiança; a nossa presença é apenas notada pelos olhares fugidios em direção à omnipresente câmara. Sem que haja uma ação deliberada que nos mova nesse sentido, depressa somos envolvidos no calor íntimo dos gestos simples do dia a dia: as frases ditas sem pensar, a maçã que se oferece para descascar ou o cão que se passeia à noite.
A vida não é feita de cachalotes a abater ou de façanhas perigosas a ultrapassar. É aspirar a casa enquanto o Quim Barreiros canta na televisão. É acalmar a neta quando o apito estridente do comboio a assusta. É impedir que um cão sedento beba o nosso bagaço. Ou então, finalmente resolver a questão que há séculos assola Portugal: qual o tamanho e por quantas pessoas era repartida a afamada sardinha que tantas bocas famintas do passado alimentou.
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