por João Palhares
Meet Me in St. Louis é o terceiro filme de Vincente Minnelli, encenador norte-americano tornado realizador no início dos anos quarenta. É também o décimo terceiro filme da famosa Freed Unit, uma equipa de produção formada dentro da MGM pelo produtor e compositor Arthur Freed no rescaldo do enorme sucesso de O Feiticeiro de Oz, também com Judy Garland no papel principal. É a segunda colaboração de Minnelli com Freed, depois de Cabin in the Sky, 1943, e antes de Ziegfeld Follies, 1945, Yolanda e o Vigarista, 1945, Till The Clouds Roll By, 1946, The Pirate, 1948, Um Americano em Paris, 1951, A Roda da Fortuna, 1953, Brigadoon, 1954, Kismet, 1955, Gigi, 1958, e Bells Are Ringing, 1960. Mas, mais importante ainda, Meet Me in St. Louis, conhecido em Portugal como "Não Há Como a Nossa Casa", é a primeira colaboração de Vincente Minnelli com Judy Garland. Apaixonaram-se durante a rodagem, casaram-se, tiveram uma filha que também se tornou famosa, Liza Minnelli, e fizeram juntos mais quatro filmes, o fabuloso The Clock, de 1945, Ziegfeld Follies, Till the Clouds Roll By e The Pirate.
Meet Me in St. Louis é um filme de Natal, feito como muitos filmes de Hollywood num rodopio e com dramas pessoais e colectivos permanentes. Houve atrasos na produção, ninguém estava satisfeito com o guião e acabou-se a rodagem para lá do previsto e muito para lá do orçamentado. O caso paradigmático, e que é para onde parece confluir tudo quando se fala ou escreve sobre este filme, é a canção Have Yourself a Merry Little Christmas. As letras apresentadas por Hugh Martin e Ralph Blane, na primeira versão, diziam “Have Yourself a Merry Little Christmas / It may be your last / Next year we may all be living in the past,” e tanto Garland, como Minnelli e Tom Drake acharam a canção demasiado deprimente e pediram que se fizessem mudanças, acabando por se substituir o segundo e terceiro versos por “Let your heart be light” e “Next year all our troubles will be out of sight.” Almas em tumulto, portanto, dúvidas constantes no nosso íntimo, saudades do passado e muito receio do futuro por ser o eterno desconhecido. O presente é apenas o posto avançado de onde se tenta em vão ver as duas coisas, o que se perdeu e o que não se sabe se se vai conseguir encontrar. No Natal, tudo isto parece ganhar mais força, e os
melhores filmes associados a esta quadra são os que o conseguem problematizar em termos dramáticos e levantar-nos dos mortos, dissuadir-nos da apatia e da depressão com revelações prodigiosas. Eis como a simples angústia de uma criança em não querer mudar de casa se torna a coisa mais urgente do mundo, o problema mais importante a resolver mesmo apesar de nós próprios, numa pequena cidade que provavelmente acharíamos a mais pacata e a mais deprimente do mundo se lá fossemos obrigados a viver. E é resolvido com uma canção, introduzida pelo som duma caixinha de música, com um beijo carinhoso e muito discreto atirado ao coração duma criança, por uma mulher olhada e filmada com o amor que se conseguiu encontrar nas circunstâncias mais contrárias e mais adversas. E um problema muito específico e prático transforma-se numa catarse abrangente e colectiva. Se não fossemos tão cínicos e tão pouco crentes, chamar-lhe-íamos um milagre. Como somos, chamamos-lhe apenas cinema.
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