Ride Lonesome, última escala da caravana dos anos 50 em Hollywood e um dos pontos mais altos e tremendos da colaboração entre Budd Boetticher e a estátua de Randolph Scott, é a próxima sessão do nosso Cineclube.
É o quinto filme da série de sete com o mesmo realizador e actor, iniciada com Seven Men From Now e que terminará em Comanche Station. Mas é já o trigésimo filme de Boetticher, que foi empurrado para o cinema muito contrariado e começou a realizar no início dos anos 40, deixando-nos um belíssimo The Bullfighter and the Lady, três grandes westerns com Rock Hudson (Seminole), Glenn Ford (The Man from the Alamo) e Van Heflin (Wings of the Hawk) e um fabuloso film noir chamado The Killer is Loose.
O filme será antecedido por um vídeo inspirado nas personagens e nos ambientes de Ride Lonesome, feito especialmente para esta sessão pelo americano Andy Rector.
Philippe Garnier, que visitou Boetticher no seu rancho com Claude Ventura nos anos 90 para filmar Boetticher Rides Again (episódio de Cinéma, de notre temps, série produzida por André S. Labarthe e Janine Bazin), escreveu em Boetticher, Don Quichotte du western que "é o seu encontro com Burt Kennedy e Randolph Scott que vai ser determinante. A partir de Seven Men From Now de 1956, até Comanche Station de 1960, eles farão uma série de pequenos westerns tão económicos como originais que, pela felicidade de expressão, só têm igual nos westerns de Anthony Mann com James Stewart. «É sempre a mesma história: Scott tem uma missão para cumprir, geralmente uma morte para vingar, e leva o tempo dele para a realizar», explicou o cineasta. Ele e Kennedy vão refinar o método com The Tall T e Ride Lonesome, criando ao mesmo tempo a mais bela galeria de hereges alguma vez vista na tela. Porque estava lá a descoberta, que tornava filmes como Ride Lonesome ou Comanche Station tão únicos: os vilões eram quase dignos de Scott, ou eram truculentos demais para que ele tivesse o desejo de os matar (como o fim de Ride Lonesome, que Boetticher filmou contra as instruções do estúdio, numa época em que os criminosos tinham obrigatoriamente que sofrer o castigo.)"
Chris Fujiwara, que em Março nos apresentou Canyon Passage, debruçou-se sobre os filmes de Budd Boetticher num artigo para o Boston Phoenix, aquando duma retrospectiva do realizador, notanto que "o Oeste de Boetticher é autónomo, abstracto. O mundo equivale a um homem, mais outros homens, uma mulher, rochedos, alguns edifícios, e um sem-fim implícito de paisagem neutra por todo o lado. Boetticher deleita-se na uniformidade basilar dos seus filmes. Comanche Station (...) acaba com o herói na mesma posição que no início. A natureza está ausente, ou morta, como a árvore da forca em Ride Lonesome (...) que é o símbolo fundamental no ciclo Boetticher-Scott. A renovação é moral e individual, e não natural e universal.
No entanto a paisagem permanece importante. A abstracção que é uma das qualidades principais do trabalho de Boetticher não se inscreveria como abstracção sem o fundo do meio concreto que ele retrata. Um argumento disto pelo contrário pode ser encontrado na irrealidade árida do Stopover confinado-ao-estúdio, o episódio de Boetticher de 1961 para a série de televisão The Rifleman, uma pequena curiosidade que Harvard está a programar numa sessão com a primeira entrada lendária, há muito indisponível no ciclo Boetticher-Scott, Seven Men from Now (...)."
Por fim, Martin Scorsese alongou-se um pouco mais, dizendo que "a ideia em Ride Lonesome, este solitário - e Scott interpreta-o de maneira tão perfeita. Eu acho que usei este filme em particular como referência para muitos actores mais jovens em certos filmes que fiz, particularmente The Departed e depois um certo número doutros filmes em que as pessoas se encontram sozinhas num certo mundo e universo e toda a gente está contra eles, por assim dizer. O solitário - quero dizer, num certo sentido - é mesmo essencial para a história do western. Ele está lá na região selvagem, a traçar o caminho dele sozinho e portanto temos que nos perguntar a nós próprios quão central é, na verdade, como americanos, para a história deste país - a ideia do solitátio. É porque é uma grande parte da nossa mitologia, a nossa ideia de nós mesmos como americanos e obviamente está lá em Melville - sendo Moby Dick o primeiro e mais famoso exemplo a vir à mente. É fundamental para os westerns e tão fundamental para histórias urbanas, como—do pé para a mão—On Dangerous Ground, o filme de Nick Ray, por exemplo. Taxi Driver, que Schrader escreveu. E, claro, a maior parte das histórias de solitários são também sobre a sua luta para se adaptarem na comunidade ou para chegar a um acordo com a comunidade, ultrapassar algum tipo de dor ou perda e que é um dos elementos que é tão poderoso em Ride Lonesome. Scott é um caçador de prémios que se quer vingar do homem que enforcou a mulher dele e está bem próximo de The Naked Spur, de Anthony Mann, com Jimmy Stewart, em que Jimmy Stewart persegue o homem que matou o irmão dele. Mas, claro, em ambos os filmes, os heróis acabam por perceber—é isto a chave!—acabam por perceber o preço, o peso, da vingança—o peso que lhes cai em cima.
Por muito que falemos sobre a rarefação do enquadramento, e do minimalismo, eu devo dizer, que os enquadramentos de Boetticher, o modo como o trabalhou com a concepção do filme, pensar-se-ia a que um formato 1:33, um 1:85 seria mais confinado e torná-lo-ia mais minimalista. Mas, para mim, ele abriu com o ecrã-largo e tornou-o ainda mais preciso. E foi usado muito espaço negativo para que o minimalismo fosse enfatizado ainda mais com o ecrã-largo. E Boetticher adorava trabalhar com scope. Talvez o enquadramento em scope adicione neste filme, ou como em Comanche Station - além do espaço negativo - um sentido épico, sabem, um bocado menos comprimido e mais aberto. Mas eu acho que esse espaço extra no ecrã-largo, o modo como o usou tornou as personagens ainda mais solitárias, por assim dizer. E minimalistas, sabem.
Mas o fim de Ride Lonesome é excepcionalmente forte porque representa na verdade o final de dois movimentos muito fortes ao mesmo tempo. Também há algo que é preciso dizer sobre a determinação da vingança - e eu acredito... ouvi dizer que Revenger's Tragedy de Turner, a peça elizabethiana, teve algo que ver com estes filmes. E portanto este é um tema que é universal e um tema que tem estado próximo do coração de toda a gente ao longo dos séculos e eu acho que isso é a natureza fundamental da imagem da árvore em chamas. O facto de Ben Brigade, que é Randolph Scott, conseguir fazer o que tinha a fazer, permite-o queimar a sua cruz representada pela árvore, de certa maneira, e é uma imagem notável. E muito bonita e poderosa e gratificante porque Brigade, que é o personagem de Scott, não está só a destruir a árvore onde a mulher dele foi enforcada mas está também a destruir a vingança, a pôr em repouso a sua vingança - fica em paz consigo mesmo. E quando uma personagem destrói algo que tem sido uma espécie de sonho ilusório é sempre muito forte. Como por exemplo em Days of Heaven de Terrence Malick, quando Sam Shepard deixa a quinta dele arder porque pensa que a mulher não o ama mais. Em Spencer's Mountain de Delmer Daves, quando Henry Fonda queima os alicerces da sua casa de sonho para poder vender o terreno e mandar o filho dele para a universidade. Ou o western de Monte Hellman, China 9, Liberty 37, em que Warren Oates e Jenny Agutter recomeçam o casamento deles e deixam a sua casa reduzir-se a cinzas...
Muitos filmes têm grandes aberturas e depois como que se perdem e pode-se ver que o realizador e o argumentista tiveram uma ideia para uma sequência, havia um ponto em que se saltava, mas tudo o resto não se somava para o que seria essa cena, não podiam lá regressar. E talvez por terem ficado... quem sabe, talvez por terem ficado presos a essa cena. Mas o que é tão bom nos filmes de Boetticher e Scott é que eles progridem lenta, casual, calma e intimamente e quase sem se notar é-se apanhado numa teia de relações muito complexas entre estas personagens."
Até terça!
Chris Fujiwara, que em Março nos apresentou Canyon Passage, debruçou-se sobre os filmes de Budd Boetticher num artigo para o Boston Phoenix, aquando duma retrospectiva do realizador, notanto que "o Oeste de Boetticher é autónomo, abstracto. O mundo equivale a um homem, mais outros homens, uma mulher, rochedos, alguns edifícios, e um sem-fim implícito de paisagem neutra por todo o lado. Boetticher deleita-se na uniformidade basilar dos seus filmes. Comanche Station (...) acaba com o herói na mesma posição que no início. A natureza está ausente, ou morta, como a árvore da forca em Ride Lonesome (...) que é o símbolo fundamental no ciclo Boetticher-Scott. A renovação é moral e individual, e não natural e universal.
No entanto a paisagem permanece importante. A abstracção que é uma das qualidades principais do trabalho de Boetticher não se inscreveria como abstracção sem o fundo do meio concreto que ele retrata. Um argumento disto pelo contrário pode ser encontrado na irrealidade árida do Stopover confinado-ao-estúdio, o episódio de Boetticher de 1961 para a série de televisão The Rifleman, uma pequena curiosidade que Harvard está a programar numa sessão com a primeira entrada lendária, há muito indisponível no ciclo Boetticher-Scott, Seven Men from Now (...)."
Por fim, Martin Scorsese alongou-se um pouco mais, dizendo que "a ideia em Ride Lonesome, este solitário - e Scott interpreta-o de maneira tão perfeita. Eu acho que usei este filme em particular como referência para muitos actores mais jovens em certos filmes que fiz, particularmente The Departed e depois um certo número doutros filmes em que as pessoas se encontram sozinhas num certo mundo e universo e toda a gente está contra eles, por assim dizer. O solitário - quero dizer, num certo sentido - é mesmo essencial para a história do western. Ele está lá na região selvagem, a traçar o caminho dele sozinho e portanto temos que nos perguntar a nós próprios quão central é, na verdade, como americanos, para a história deste país - a ideia do solitátio. É porque é uma grande parte da nossa mitologia, a nossa ideia de nós mesmos como americanos e obviamente está lá em Melville - sendo Moby Dick o primeiro e mais famoso exemplo a vir à mente. É fundamental para os westerns e tão fundamental para histórias urbanas, como—do pé para a mão—On Dangerous Ground, o filme de Nick Ray, por exemplo. Taxi Driver, que Schrader escreveu. E, claro, a maior parte das histórias de solitários são também sobre a sua luta para se adaptarem na comunidade ou para chegar a um acordo com a comunidade, ultrapassar algum tipo de dor ou perda e que é um dos elementos que é tão poderoso em Ride Lonesome. Scott é um caçador de prémios que se quer vingar do homem que enforcou a mulher dele e está bem próximo de The Naked Spur, de Anthony Mann, com Jimmy Stewart, em que Jimmy Stewart persegue o homem que matou o irmão dele. Mas, claro, em ambos os filmes, os heróis acabam por perceber—é isto a chave!—acabam por perceber o preço, o peso, da vingança—o peso que lhes cai em cima.
Por muito que falemos sobre a rarefação do enquadramento, e do minimalismo, eu devo dizer, que os enquadramentos de Boetticher, o modo como o trabalhou com a concepção do filme, pensar-se-ia a que um formato 1:33, um 1:85 seria mais confinado e torná-lo-ia mais minimalista. Mas, para mim, ele abriu com o ecrã-largo e tornou-o ainda mais preciso. E foi usado muito espaço negativo para que o minimalismo fosse enfatizado ainda mais com o ecrã-largo. E Boetticher adorava trabalhar com scope. Talvez o enquadramento em scope adicione neste filme, ou como em Comanche Station - além do espaço negativo - um sentido épico, sabem, um bocado menos comprimido e mais aberto. Mas eu acho que esse espaço extra no ecrã-largo, o modo como o usou tornou as personagens ainda mais solitárias, por assim dizer. E minimalistas, sabem.
Mas o fim de Ride Lonesome é excepcionalmente forte porque representa na verdade o final de dois movimentos muito fortes ao mesmo tempo. Também há algo que é preciso dizer sobre a determinação da vingança - e eu acredito... ouvi dizer que Revenger's Tragedy de Turner, a peça elizabethiana, teve algo que ver com estes filmes. E portanto este é um tema que é universal e um tema que tem estado próximo do coração de toda a gente ao longo dos séculos e eu acho que isso é a natureza fundamental da imagem da árvore em chamas. O facto de Ben Brigade, que é Randolph Scott, conseguir fazer o que tinha a fazer, permite-o queimar a sua cruz representada pela árvore, de certa maneira, e é uma imagem notável. E muito bonita e poderosa e gratificante porque Brigade, que é o personagem de Scott, não está só a destruir a árvore onde a mulher dele foi enforcada mas está também a destruir a vingança, a pôr em repouso a sua vingança - fica em paz consigo mesmo. E quando uma personagem destrói algo que tem sido uma espécie de sonho ilusório é sempre muito forte. Como por exemplo em Days of Heaven de Terrence Malick, quando Sam Shepard deixa a quinta dele arder porque pensa que a mulher não o ama mais. Em Spencer's Mountain de Delmer Daves, quando Henry Fonda queima os alicerces da sua casa de sonho para poder vender o terreno e mandar o filho dele para a universidade. Ou o western de Monte Hellman, China 9, Liberty 37, em que Warren Oates e Jenny Agutter recomeçam o casamento deles e deixam a sua casa reduzir-se a cinzas...
Muitos filmes têm grandes aberturas e depois como que se perdem e pode-se ver que o realizador e o argumentista tiveram uma ideia para uma sequência, havia um ponto em que se saltava, mas tudo o resto não se somava para o que seria essa cena, não podiam lá regressar. E talvez por terem ficado... quem sabe, talvez por terem ficado presos a essa cena. Mas o que é tão bom nos filmes de Boetticher e Scott é que eles progridem lenta, casual, calma e intimamente e quase sem se notar é-se apanhado numa teia de relações muito complexas entre estas personagens."
Até terça!
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