Dos vales sagrados e sangrentos de Exodus para os salões de bilhar fumarentos e corrompidos de The Hustler com Paul Newman como nosso guia. Os anos 60 carburam em força no nosso cineclube e o filme de 1961 realizado por Robert Rossen é a nossa próxima sessão.
A tensão essencial, os abismos inescapáveis e os resgates ousados ao destino, o cinemascope em batalha com o branco e o negro. O caos e o essencial...
Um dos fãs do filme e do realizador é Louis Skorecki, que em 2002 escreveu que "(...) Robert Rossen é outra coisa. É um cineasta. Numa pequena dezena de filmes, deixou a sua marca. Antigo pugilista, antigo comunista (não o podemos culpar de ter sucumbido, como outros, diante das comissões mccarthystas), antigo guionista com talento, ele escreveu, em 1947, sem ser creditado, um dos poucos bons Huston, o Tesouro da Sierra Madre. Deu sobretudo ao velho Gary Cooper, rugas de granito na testa e tudo, o seu último grande papel em They Came to Cordura (1959), filme soberbo cuja impassibilidade ultra-clássica se subvaloriza (Cooper ainda passeará dois anos a sua grande carcaça ao sol dos projectores em duas produções medíocres assinadas por Michael Anderson, antes de entregar a alma). Mas Rossen, é também Island in the Sun (1957), bonito filme tropical com o rei do calipso hollywoodiano, Harry Belafonte (cujos talentos vocais são melhores que os mambos e calipsos lamentáveis de Robert Mitchum), e sobretudo Lilith (1964), variação poética soberba em torno de uma personagem ternamente bíblica, interpretada por Jean Seberg, um dos mais belos retratos da mulher do cinema hollywoodiano, com Rachel, Rachel e Wanda.
"A Vida é um Jogo (1961), obra-prima do cinema de género, é demasiado conhecido para insultar o leitor com umas linhas supérfluas (...).
Foi o mesmo Skorecki que falou com Robert Rossen, em 1966, e lhe perguntou: "Porquê esta tendência para falar da invalidez nos seus últimos filmes?"
Rossen respondeu-lhe: "É que se eu olho para o mundo em que vivemos, se penso neste mundo de hoje, não posso deixar de ver um grande número de inválidos e não posso falar deles como se se tratassem de depravados desprezíveis, quero falar com simpatia, tentar compreendê-los. É estando com várias pessoas muito diferentes e muito próximas ao mesmo tempo, é vivendo, que eu lá chego. Quando era jovem, não prestava grande atenção, mas, hoje, apercebo-me que na "anormalidade" de algumas destas pessoas havia algo de bom. É como a rapariga de The Hustler: num certo sentido ela tira partido da sua invalidez. O drama, nesta história de dois inválidos, é que ela precisa de uma bengala e ele só lhe pode dar um taco de bilhar. Estou a exagerar, mas é isso, está a ver. Ele precisa de uma vitória à frente de tudo, é a tragédia dele. E eu não concordo com os rapazes dos Cahiers, um grande rapaz... Marcorelles acho, que me dizia que Newman não parecia ter escapado à sua tragédia. Também me disse, ao almoço, que já não havia mais hustlers na Europa. Então, eu olhei: numa mesa ao lado havia um grupo de pessoas que lá estavam para o lançamento de Jules et Jim, actrizes, homens de negócios, fotógrafos, etc., apontei para eles e disse-lhe: "E eles? Não são hustlers? Não acha que se vão tentar roubar uns outros, de se explorar, ao longo do dia?
Foi o mesmo Skorecki que falou com Robert Rossen, em 1966, e lhe perguntou: "Porquê esta tendência para falar da invalidez nos seus últimos filmes?"
Rossen respondeu-lhe: "É que se eu olho para o mundo em que vivemos, se penso neste mundo de hoje, não posso deixar de ver um grande número de inválidos e não posso falar deles como se se tratassem de depravados desprezíveis, quero falar com simpatia, tentar compreendê-los. É estando com várias pessoas muito diferentes e muito próximas ao mesmo tempo, é vivendo, que eu lá chego. Quando era jovem, não prestava grande atenção, mas, hoje, apercebo-me que na "anormalidade" de algumas destas pessoas havia algo de bom. É como a rapariga de The Hustler: num certo sentido ela tira partido da sua invalidez. O drama, nesta história de dois inválidos, é que ela precisa de uma bengala e ele só lhe pode dar um taco de bilhar. Estou a exagerar, mas é isso, está a ver. Ele precisa de uma vitória à frente de tudo, é a tragédia dele. E eu não concordo com os rapazes dos Cahiers, um grande rapaz... Marcorelles acho, que me dizia que Newman não parecia ter escapado à sua tragédia. Também me disse, ao almoço, que já não havia mais hustlers na Europa. Então, eu olhei: numa mesa ao lado havia um grupo de pessoas que lá estavam para o lançamento de Jules et Jim, actrizes, homens de negócios, fotógrafos, etc., apontei para eles e disse-lhe: "E eles? Não são hustlers? Não acha que se vão tentar roubar uns outros, de se explorar, ao longo do dia?
"É tudo uma questão de experiência no nosso trabalho. Boas ou más, elas deixam sempre impressões, são elas que nos inspiram. Quanto às pessoas, eu não acho que sejam nunca de uma peça só. Nada é sempre preto ou sempre cor-de-rosa. As coisas são mais complicadas e o melhor que podemos fazer, ainda é tentar mostrá-las na sua complexidade para as tentar compreender melhor. De certa maneira, também é isso a que chamamos de humanismo. É o que guiou o jovem Marx - mesmo que os partidos comunistas o tenham às vezes esquecido. Eu acho que de uma maneira ou doutra, os grandes cineastas também pertencem a essa tradição humanista. Olhe-se para Bergman por exemplo: o homem em busca de Deus, olhe-se para Fellini, é sempre um ponto de vista, uma maneira de relatar a sua própria experiência, de guardar o que dela se recebe, aquilo com que se a viveu e uma maneira de o transmitir em termos de relações humanas. Renoir é isso. Ele pertence a isso mais do que qualquer outro. Mas é um fim que todos perseguimos, pouco importando de onde partimos."
Jacques Lourcelles também escreveu sobre o filme no seu Dicionário, dizendo: "Se se tentar fazer o balanço da obra de Rossen (dez filmes e uma quinzena de argumentos), ela parecerá certamente inacabada, decepcionante, sem dúvida azarada e por instantes apaixonante. Nisso, Rossen parece-se estranhamente com as suas personagens. No plano do êxito puro, a sua obra como argumentista (com essas obras-primas de adaptação que são The Sea Wolf e The Strange Love of Martha Ivers) parece ser mais satisfatória que a sua obra como realizador. Se a sua parábola política um bocado afanosa All The King's Men (A Corrupção do Poder, 1949) gozou sempre de um sucesso de crítica, só A Vida é um Jogo lhe permite alcançar o contacto com o grande público. Este filme (como uma grande parte da obra de Rossen) lida com um tema essencialmente americano: o êxito. Este tema assume nos Estados Unidos uma importância quase patológica. Rossen aborda-o através de um personagem complexo de « loser ». Ele define aqui o « loser » como um ser de talento a quem falta a força de carácter necessária para explorar ao máximo o seu talento e que tenta perder protegendo-se atrás de diversos álibis (alcoolismo, fadiga, etc.). O filme desenvolve a equação: êxito = talento + carácter. No enredo, a provação do sofrimento e do remorso endurece o carácter do herói. Mas A Vida é um Jogo também mergulha numa ambiguidade que não parece ser sempre voluntária. O filme desenvolve por um lado um discurso voluntarista e relativamente optimista (Newman sairá fortalecido das suas provações) no interior de um universo marcado pela influência do fatalismo desesperado do cinema hollywoodiano dos anos 40, e especialmente do film noir. Por causa disso, o balanço relativamente positivo do percurso de Newman e o desenlace estão longe de ser convincentes. Por outro lado, Rossen mantém um ponto de vista crítico sobre a noção de êxito e sugere que os « vencedores », os seres assombrados pelo êxito (e portanto a necessidade de dominar os outros) são frequentemente « uns perversos, uns retorcidos, uns doentes » e têm direito, como tal, à sua simpatia. Esse aspecto da reflexão de Rossen é transmitido pela personagem apelativa e essencial de Piper Laurie. Ela é feita da mesma água que Newman mas tem mais lucidez, desespero e vulnerabilidade do que ele. A Vida é um Jogo procura enfim distanciar-se do cinema de género dos anos 50 utilizando um estudo do meio menos pelo conteúdo realista e social que pelo seu valor de símbolo e de representação moral e filosófica do homem. Essa ambição, que levou Rossen a minimizar em certa medida a narração e a privá-la de uma boa parte do seu dinamismo interno, é também ela ambígua, semi-acabada e não inteiramente convincente, porque A Vida é um Jogo permanece um filme sobre o mundo do bilhar e deve a isso o essencial do seu impacto junto do público. Não sabemos, definitivamente, se o sucesso do filme está ligado à relativa audácia de Rossen (tentativas para se desligar do cinema de género dos anos 50) ou à sua não menos relativa prudência: A Vida é um Jogo não é, efectivamente, de forma nenhuma um filme revolucionário. A sua tendência para o simbolismo e para a abstracção felizmente é contra-balanceada pela força das suas interpretações (Newman, Jackie Gleason, George C. Scott, Murray Hamilton, Piper Laurie) que dão um grande relevo às personagens e o permite manter sempre um pé no concreto.
Nota: Foi filmado um remake/continuação por Martin Scorsese (The Color of Money, A Cor do Dinheiro, 1986). Ela é baseada de resto remotamente num segundo romance de Walter Tevis (1984) inspirado na personagem de Felson (sobre Walter Tevis, ver o artigo de Tom Milne in « Monthly Film Bulletin », março de 1987). Newman encarna o seu personagem vinte anos mais velho. Nas mãos de Scorsese, o filme torna-se a história muito insignificante, mas cómica em alguns lugares, de um avô judicioso e nostálgico que dedica toda a sua energia a ensinar a vida a um pequeno exibicionista de terceira categoria. A segunda parte, em que Newman começa a jogar e quer saber se o potro dele prevalecerá sobre ele, é completamente inepta. O verdadeiro tema do filme já não é o embuste mas o exibicionismo, tema sem dúvida caro ao coração de Scorsese, um dos maiores « exibicionistas » entre os cineastas da sua geração (ver aqui o seu uso da grua e dos efeitos de montagem). As personagens femininas são invasivas e nulas ao mesmo tempo.
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