sábado, 18 de junho de 2016

19ª sessão: dia 21 de Junho (Terça-Feira), às 21h30


A nossa próxima sessão será Exodus, filme de Otto Preminger com Paul Newman, Eva Marie Saint, Lee J. Cobb, David Opatoshu, Sal Mineo e Jill Haworth e que marca a entrada nos convulsos anos 60. Conhecido talvez mais por ostentar corajosamente o nome de Dalton Trumbo nos créditos do filme e "acabar" com a Lista dos Dez de Hollywood do que por ser o portentoso filme que é.

A anteceder o filme teremos uma apresentação em vídeo pelo grande Miguel Marías, economista, historiador, crítico de cinema, ex-director da Filmoteca Española em Madrid e autor de livros sobre Leo McCarey e Manuel Mur Oti. E também presença habitual nos programas sobre cinema Qué Grande es el Cine, Cine en Blanco e Negro e Querer de Cine.

Debruçando-se sobre a obra do realizador, Marías escreveu em 2010 que "(...) os melhores filmes de Preminger não tentam chamar a atenção, não têm efeitos estridentes - embora os seus inimigos vejam sempre nele tendências "sensacionalistas" -, nem proclamam a sua própria importância, de modo que, à primeira vista, se não se lhes presta a atenção devida, podem parecer banais e até "de montão". São construídos quase sempre à base de planos extraordinariamente longos, de uma riqueza assombrosa, pensados e filmados com simplicidade e elegância tais que não se nota a sua duração nem a sua complexidade de movimentos; em vez disso acontece o contrário: parecem simples, normais, naturais, lógicos. Às vezes, passados vários minutos, começamo-nos a perguntar se houve alguma mudança de plano ou continua sem haver nenhum corte; pode-se verificar que quase nunca há, que se trata de um plano-sequência longuíssimo ou que se, por acaso, Preminger o interrompeu para introduzir, de maneira quase imperceptível, uma mudança de ponto de vista que era inevitável e necessária, que tinha sido forçado e difícil substituir por um movimento de câmara lento e arbitrário comparativamente. Várias das obras de maturação de Preminger, mais ou menos a partir de Exodus, são obviamente super-produções de mais de duas horas; em cada caso, tanto o custo como a metragem - que nunca é penosa ou desmedida - eram perfeitamente justificados pela autenticidade dos cenários e a amplitude e a complexidade do enredo, que interliga ou relaciona quase sempre um número assombroso de personagens, incidentes e acontecimentos históricos. Uma das peculiaridades que caracterizam Preminger como cineasta é a sua capacidade insuperável para contar uma história de forma clara, que na etapa culminante da sua carreira se estende a uma grande variedade de personagens que trazem consigo as suas próprias trajectórias e relações pessoais, justamente entrelaçadas de tal maneira que as que pareciam de importância secundária ou passageira carregam repentinamente um inesperado peso moral ou dramático e passam a ocupar o centro da acção antes de desaparecer ou voltar para o fundo da cena, enquanto que aqueles que pareciam agentes ou que durante algum tempo nos tinham servido de guias na cadeia de acontecimentos que Preminger nos mostra perdem poder ou presença activa e são temporariamente eclipsados (vejam-se as interpretadas por Henry Fonda, Don Murray, Charles Laughton, Walter Pidgeon, Franchot Tone e Lew Ayres em Advise & Consent)."

Já Chris Fujiwara, no seu livro sobre o cineasta, The World and its Double: The Life and Work of Otto Preminger, escreve que "Mesmo lidando com um tema tão carregado emocionalmente como o de Exodus, Preminger é acima de tudo um pragmático, e vê sempre as escolhas morais das personagens em termos das suas consequências práticas. As acções terroristas do Irgun são condenadas não por motivos éticos, mas porque, como diz Ari, "estes atentados ferem-nos junto da ONU" (frase ecoada pela queixa de Barak de que Akiva "apresenta-nos ao mundo como um bando de assassinos"). A razão porque a interpretação de Paul Newman como Ari é tão bem sucedida - apesar das próprias apreensões de Newman - é que está precisamente dentro do espírito do filme: nada sentimental, económico, e apaixonado pelo prático. Preminger, como Ari, leva as coisas para a frente. Quando o Haganah e o Irgun tomam um balneário turco como a primeira fase do ataque à prisão de Acre, a entrada dos assaltantes e o alinhamento dos banhistas na parede com os braços levantados parecem menos uma causa e o seu efeito do que as duas partes dum único movimento em massa. Em Gan Dafna, Kitty não tem tempo para reagir à decisão de Karen em não ir para a América: um altifalante chama Kitty à enfermaria logo depois de Karen declarar a sua escolha. É dado tão pouco tempo à reflexão neste filme que quando alguém faz mesmo uma pausa para reagir a alguma coisa, o momento tem grande peso: Dov a encontrar o corpo de Karen; Ari a descobrir o corpo de Taha - num plano que se detém na reacção profunda dele antes de revelar, continuando a acompanhá-lo com uma panorâmica, o objecto da sua tristeza."

Finalmente, no seu Dicionário capital, Jacques Lourcelles escreveu que "Exodus dá o exemplo, definitivamente muito raro, de um filme que relata de maneira autêntica, realista e objectiva um acontecimento histórico contemporâneo de grande envergadura fazendo-o reviver na multiplicidade dos seus aspectos. São necessários pelo menos três valências para chegar a esse resultado: uma dramaturgia perfeita que concentra em poucas horas de projecção uma rede forçosamente complexa de circunstâncias, de linhas de força, de conflitos; uma gama de personagens suficientemente bem concebidas no relevo individual para interessar o espectador mesmo para além da situação histórica em que se situam; e por fim um trabalho de câmara que, de momento a momento, seja vivo o suficiente para recriar no presente a textura de um drama que, apesar de recente, corre sempre o risco de se imobilizar numa penumbra documental insignificante ou então numa estampa de Épinal falsa e detestável. Grande dramaturgo, Preminger soube, com a ajuda de Dalton Trumbo, harmonizar com clareza e simplicidade os elementos de uma situação complexa e cuja exposição não pode parar um segundo de progredir de maneira directa. Nenhum dos aspectos históricos, heróicos, verdadeiramente publicitários, desta situação (uma vez que a odisseia do Exodus tinha como objectivo alertar a opinião mundial sobre o destino de judeus desejosos de se instalar na Palestina) foi negligenciado. À dramaturgia do filme, só podemos censurar a elipse da própria travessia e dos acontecimentos dramáticos que a acompanharam e o lugar talvez grande demais concedido à preparação e à realização do ataque da prisão de Acre, sequência planeada como um ballet através da qual o autor quis sublinhar o carácter inevitável da violência numa revolução ou na criação de um Estado. (É preciso notar igualmente que este episódio, o primeiro em que a vitória foi atingida pela acção conjunta de duas organizações antagonistas lutando pela criação de Israel, prenuncia a vitória final e, por isso, toma uma importância capital.) Grande romancista, Preminger conseguiu animar personagens humanas, variadas e credíveis que reflectem os diferentes pontos de vista dos participantes no drama: dois oficiais ingleses (um general humanista e um fantoche antissemita) que exprimem as várias posições da Inglaterra em relação aos judeus; uma família judia dividida (um «sabra» e dois irmãos inimigos); testemunhas (a enfermeira americana) que se tornam parte integrante do drama depois de o terem observado de longe; um jovem árabe vítima do seu liberalismo; dois jovens judeus profundamente imersos na tragédia vivida pelo seu povo: o terrorista Dov Landau e a adolescente Karen (interpretada por Jil Haworth que Preminger tinha encontrado, como Jean Seberg para Saint Joan, entre uma série de candidatas). É talvez na pintura destas duas personagens, as mais distantes dele pela idade e pela experiência vivida, que Preminger revela melhor os seus dons de romancista e a sua capacidade para compreender e fazer compreender todos os tipos de humanidade. E, nele, o romancista e o dramaturgo vão conjugar os seus talentos quando se trata por exemplo de concentrar numa só cena (o interrogatório de Sal Mineo por David Opatoshu) todo o horror dos campos da morte evocado através da memória de um sobrevivente. Filmado nos lugares da acção, com uma rapidez louca e tranquila ao mesmo tempo (catorze semanas de rodagem depois de seis meses de preparação intensa), é o filme mais vigoroso e o mais sereno do autor. Utilizando pela sexta vez (aqui através da Panavision 70) o formato do cinemascope que adora e que emprega tão bem nas cenas íntimas como nas cenas de elevada figuração, Preminger alcança uma por uma, com uma espécie de júbilo tranquilo, as metas que definiu na segunda parte da sua carreira (aquela em que ele se tornou definitivamente livre e independente de todas as pressões exteriores). Essas metas são principalmente: procura e exaltação do positivo, respeito pelas posições antagonistas, culto da autenticidade e da objectividade, definitivamente expressão de uma confiança no homem adquirida mais tarde na vida e com a maturidade. O tema da odisseia do Exodus e do nascimento de Israel convém-lhe portanto perfeitamente, porque permite mostrar, numa narrativa relativamente optimista, a metamorfose da tragédia em epopeia, do martírio e da dispersão em solidariedade nacional. Filme de autor por excelência, embora não se atormente nada para o parecer, Exodus por outro lado revela claramente um grande número de facetas do Preminger homem: liberal por vocação e por convicção, indiferente à religião, irónico mesmo sobre os temas sérios, sensível mas odiando o sentimentalismo, secreta e pudicamente generoso.

Nota: Foi Dore Schary, alto-responsável da MGM, que despertou em Leon Uris o desejo de escrever Exodus e que patrocinou o seu trabalho, destinado a tornar-se um best-seller. Depois a MGM começou a achar a adaptação do livro para filme arriscada (ameaça de boicote, etc.). Por intermédio do seu irmão Ingo, agente literário, Preminger adquiriu os direitos do livro. Pediu primeiro ao próprio Uris para escrever o guião e depois, insatisfeito com o trabalho dele (e especialmente os diálogos), virou-se para Dalton Trumbo, cliente do seu irmão. Foi graças a Preminger que pela primeira vez um argumentista incluído na Lista Negra de McCarthy pôde voltar a aparecer num genérico com o seu verdadeiro nome. Dois filmes mais antigos, de 1949, tinham evocado os acontecimentos na Palestina: Il grido della terra (Exodus, Itália) de Dulio Coletti, história sentimental e bastante aborrecida, e Sword in the Desert (A Legião do Deserto, USA) de George Sherman, excelente filme de acção em que Dana Andrews encarna um capitão de navio que transporta emigrantes judeus clandestinos por dinheiro, tomando parte na luta deles pouco a pouco."

Até Terça!

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