quarta-feira, 15 de junho de 2016

Ride Lonesome (1959) de Budd Boetticher



por João Palhares

JOHN MILIUS: (…) As I said, my ambitions stopped at B Westerns. 

 KEN PLUME: Yeah, but sometimes people's favorite films, that have the most impact on them, are those B Western types... 

 MILIUS: Yeah, but I mean, I stopped at B Westerns. I thought that was a good life. I never wanted to be Alfred Hitchcock or some big mogul, I didn't want to be Louis B. Mayer. I wanted to be, I don't know what, Budd Boetticher or something. 

 in An Interview with John Milius 

Budd Boetticher nasceu em Chicago no ano de 1916, tendo-lhe sido dado o nome de Oscar Boetticher Jr. por Oscar e Georgia Boetticher de Evansville, no estado do Indiana, que o adoptaram depois dos pais biológicos morrerem quase imediatamente a seguir ao nascimento de Oscar. Fez sucesso como jogador de futebol americano, pugilista e atleta nas várias escolas que frequentou mas teve uma lesão que o fez parar durante um ano e meio - tempo que aproveitou para fazer uma viagem com um dos seus amigos pela América do Sul. Mas quando viu Don Lorenzo Garza na arena de touros da Cidade do México cancelou o resto da viagem e ficou por lá para aprender com ele a arte do toureio. A história é contada parcialmente em The Bullfighter and the Lady, filme fabuloso com Robert Stack (o Roger Shumann de The Tarnished Angels, visto aqui em Maio) como John 'Chuck' Regan (e um alter-ego de Oscar 'Budd' Boetticher) e Gilbert Roland como Manolo Estrada, personagem baseada em Don Lorenzo Garza. A história circulou pelos jornais de Evansville, Georgia Boetticher não lhe achou piada nenhuma e face às constantes viagens do filho ao México pediu-lhe com jeitinho que escolhesse outra profissão. O filho disse-lhe que não e escreveu depois na sua auto-biografia, When in Disgrace: “Mas Georgia B. não era de ser derrotada. Descobriu que a Twentieth Century-Fox ia fazer uma versão do Blood and Sand com Rudolph Valentino, o épico espanhol de touradas, e apressou-se a telefonar a Hal Roach. Hal Roach Junior tinha sido o meu melhor amigo na Academia Militar de Culver e tinha continuado o meu melhor amigo nos anos que se seguiram. Nessa altura em Hollywood era mais importante conhecer um produtor, ou um realizador, ou uma estrela - se se quisesse um favor. Bem, a mãe saiu-se com a sorte grande. Hal Roach Senior era dono dum estúdio inteiro, e ficou encantado por telefonar ao seu comparsa, Darryl. Havia uma posição no projecto que ainda não tinha sido preenchida, a de "director técnico," alguém que compreendesse totalmente a arte da tourada, e que falasse bom inglês. Pelo menos falava muito bom inglês, e foi o fim do assunto.”

E assim começou a carreira de Boetticher em Hollywood. Sempre entre viagens e estadias no México, a que ele voltou sempre porque “primeiro tem-se uma grande vida” e só depois se pensa nos filmes, como confessou a Philippe Garnier e Claude Ventura quando estes o visitaram na América para gravar Boetticher Rides Again. Depois de filmes muito baratos para a Columbia, para a Eagle-Lion e para a Monogram, também escolas para Richard Fleischer, Phil Karlson, Anthony Mann ou Joseph H. Lewis e onde fez Escape in the Fog (bizarria fascinante e inventiva regada a pesadelos e nevoeiros), Boetticher consegue que John Wayne produza The Bullfighter and the Lady, filme pessoal e apaixonado em que as estátuas de toureiros que encantam imenso o realizador e aparecem também muito no filme pontuam as manobras dos toureiros que ao atrair os touros e ao os fazer seguir a capa vermelha, não arredam pé, não se desviam (é a primeira lição da personagem de Gilbert Roland à de Robert Stack). Tudo já muito perto da obstinação e da frieza de Randolph Scott, homem que tem sempre uma missão para cumprir. Tudo não muito longe da insolência hirta e silenciosa de Rock Hudson em Seminole, mostrada nas continências protocolares ao seu superior, ou dos cálculos gélidos do assassino de The Killer is Loose. E tudo isto porque o único ídolo que Boetticher teve na vida foi “um ás de guerra alemão, o Barão Manfred Von Richtofen. E sabem porque é que o admirava e desejava ter sido o Barão Vermelho? Porque era um indivíduo, fazia as coisas da maneira dele. É por isso que Randolph Scott é um indivíduo, é por isso que 'Legs' Diamond é um indivíduo, é por isso que eu gostava mais da corrida de cem jardas do que jogar futebol americano. No futebol, tinha mais dez gajos para suportar, se eles falhassem o bloqueio, estava feito, não fazia o touchdown. Nunca consegui perceber isso. Nas cem jardas, se chegar em segundo, a culpa é minha.”

Em Ride Lonesome, Randolph Scott percorre o deserto com uma ideia fixa e com gestos precisos, as personagens dizem só o necessário e fazem o que têm a fazer. Em Ride Lonesome Pernell Roberts engana James Best com um discurso de retórica fabuloso, enquanto saca da pistola a tempo para melhor se fazer ouvir. Em Ride Lonesome há interlúdios extraordinários com cinco pessoas a cavalgar ao sol, à sombra, pelo deserto ou à beira-rio, que dilatam o tempo e parecem fazer diluir percursos e missões, como o plano em The Tall T com a silhueta dum dos bandidos a aparecer e a desaparecer sem que a banda-sonora o denuncie e que é de uma poesia devastadora. Em Ride Lonesome o destino e o que está em jogo inscrevem-se nos gestos das personagens, como quando Gilbert Roland vai para a arena de The Bulfighter and the Lady e só pode usar um dos braços. Também essa cena é de uma poesia devastadora, opondo a graça e a beleza dos movimentos à tragédia iminente - a elegância à brutalidade. Karen Steele, que apareceu em quatro filmes de Boetticher, penteia-se ao nascer do sol em Ride Lonesome, enquanto Roberts e James Coburn conversam sobre mulheres e sobre que tipo de mulher ela será e enquanto os primeiros raios de sol lhe douram ainda mais o cabelo. Pois é, Ride Lonesome tem James Coburn. É um miúdo de que Boetticher gostou tanto que não matou no fim. Pernell Roberts, igual. Vão-se embora a cavalo com o bandido e com a viúva enquanto Scott enterra as suas memórias. Para eles, o futuro. Para Ben Brigade, nada, um mar de remorsos.

Tem uma missão a cumprir, na clareira com a árvore da forca que volta a aparecer em Comanche Station (a música do genérico desse filme é a mesma que a de Ride Lonesome). A personagem de Lee Van Cleef aproxima-se muito cautelosamente enquanto os homens dele olham desconfiados e receosos para Scott. Scott mata Cleef e incendeia a árvore. Ninguém sabe o que vai fazer a seguir. Provavelmente é o próximo a ir...

Sem comentários:

Enviar um comentário